Usos e costumes: vamos descrever a diferença entre os dois. Suponhamos, por exemplo, o botão da camisa: apesar de haver uma “convenção” de que trajes masculinos devem conter os botões de um dos lados enquanto o feminino de outro, nada impede que qualquer pessoa use-os do lado que quiser, sem que estejam, dessa forma, descumprindo norma alguma. O mesmo pode ser aplicado ao uso do perfume: colocamos onde bem quisermos; se optarmos por borrifá-lo no queixo em vez do pescoço, não sofreremos sanção alguma por isso. Trata-se, portanto, de uma questão de uso: não nos sentimos obrigados a fazê-lo; não sentimos a obrigação moral de obedecê-lo e não fazê-lo não fere a nossa consciência.
Já no costume há a idéia de obrigatoriedade, isto é, sentimo-nos moralmente obrigados a obedecê-lo. Se não o fizermos, podemos esperar alguma forma de sanção, mesmo que informal. Por exemplo: se alguém visita minha casa, sinto-me compelido a oferecer um cafezinho e um copo d’água à pessoa. Se não, sinto não só que estarei sendo descortês, mas também que estarei deixando de cumprir um ritual tido como socialmente obrigatório. Já a visita poderá optar por tomar ou o café ou a água primeiro, ou seja, ela fará o uso que desejar das duas bebidas, sem que esteja descumprindo nenhuma norma social.
A questão principal aqui é o ânimo, a vontade: se me sinto obrigado a obedecer, então trata-se de um costume. Se não, é apenas uso.
Costume e lei: o costume deve ser comparado com a lei. A partir do Código de Napoleão de 1804, o costume passa a ser codificado: surgem as leis. Elas passaram a ter, a partir desse momento, o papel principal na produção do Direito. E o costume, onde ficou? Ainda existe, porém com menor importância.
Vejamos, portanto, este quadro comparativo entre lei e costume:
Quanto
a |
Lei |
Costume |
Origem |
Certa |
Incerta |
Elaboração |
Predeterminada |
Imprevista |
Âmbito de eficácia |
Geral |
Particular |
Forma |
Escrita |
Não escrita |
Prazo de vigência |
Determinado |
Indeterminado |
Modo de produção |
Racional |
Espontâneo |
Execução |
Imediata* |
Indeterminada |
Obrigatoriedade |
Erga
omnes** |
Juris tantum*** |
* Depois de terminada a vacatio legis (45 dias da publicação, a menos que haja disposição em contrário).
** Obrigatoriedade geral, ou seja, ninguém está desobrigado a cumprir a lei.
*** Quer dizer que admite prova em contrário.
Doutrina: vimos que, na teoria tradicional, a doutrina é admitida como fonte de Direito. (lembre-se que a teoria diz que as fontes de Direito são: lei, costume, doutrina e jurisprudência). Mas alguns doutrinadores não a consideram como fonte de Direito, Reale é um deles. Por quê? Porque, segundo ele, qualquer pessoa que escreve algo está, em última análise, doutrinando. Está essa pessoa criando Direito? Não. Qualquer um tem condições de elaborar uma “doutrina”. Em sentido contrário, os que a consideram como fonte de Direito sustentam que “... à medida que as pessoas estudam o Direito, e, então, os grandes estudiosos vão trabalhando, eles vão vendo ligações entre os fatos, entre aspectos mais abrangentes e vão trazendo o seu raciocínio, bem fundamentado e explicado. Mas, todo profissional do Direito deve estar constantemente lendo e se atualizando, pois os fatos e valores também se atualizam com o tempo, portanto também devem as normas. Se aquele pensamento está bem fundamentado, lerei aquilo e direi: poxa, não é que isso faz sentido? Tem razão o autor disto! Então me convenço. Assim, usarei essa doutrina, mostrarei aos outros, inclusive aos juízes, buscando convencê-los também. Se o juiz também for convencido por esta doutrina e emite um parecer baseado nela, então podemos dizer que ela é fonte de Direito...”
Cuidado, entretanto, para não pensar que basta que um juiz decida pela primeira vez com base em uma doutrina para ela se tornar fonte de Direito. Tudo é um processo, lento, que requer uma aceitação mais numerosa para podermos dizer que ela de fato foi consagrada como fonte de Direito.
A doutrina traz algumas idéias, que acabam fazendo sentido. Vamos a um exemplo mais concreto: um ônibus bate em um carro, destruindo-o. Quem deve ser responsabilizado? A principio, o motorista, que não deve ter dirigido com a devida cautela. Mas, tendo em vista a situação socioeconômica média de um motorista de ônibus, que ganha nem R$ 1.500,00 e costuma ter filhos para cuidar, começou-se a indagar se eles mesmos deveriam pagar pelo dano causado ao motorista do carro. Os doutrinadores foram analisando a situação e chegaram a um entendimento que aquela que deveria ser imediatamente responsabilizada é a empresa de transportes, e não o motorista pessoalmente. Depois, naturalmente, a empresa faria os acertos com o motorista pelo prejuízo que ela havia tido por causa da má condução de um de seus empregados.
Um outro tipo de caso que ganhou a atenção dos doutrinadores foi o furto de bens dos hóspedes de hotéis pelos funcionários, camareiras por exemplo. É muito difícil para o hóspede determinar quem exatamente praticou o furto, portanto o hotel passou a ser diretamente responsabilizado. Hoje, este fato-tipo está previsto em lei. Essas duas situações são chamadas de “responsabilidade por fato de terceiros”.
Jurisprudência: decisões dos tribunais em um mesmo sentido. Algo que não está previsto, um fato novo, novas condicionantes, que conferem novo aspecto àquela norma antiga. O juiz terá que decidir quando um caso desses chegar ao tribunal. A jurisprudência não é obrigatória, mas é indicativa. Confere consistência à argumentação. Pode ser contestada. O julgador buscará, então, qual é o melhor entendimento dos tribunais, que melhor se aplicarão àquele caso. Nesse momento, cita-se, geralmente, uma doutrina.
Depois de muitas decisões emitidas por um tribunal, cria-se uma súmula: documento que prevê as decisões do tribunal a respeito de um mesmo assunto. A súmula supostamente confere maior celeridade processual, tanto que criaram a súmula vinculante, que é um recente instrumento do Direito que contém todas as decisões referentes à aposentadoria. Há apenas umas três ou quatro em circulação, que têm força quase de lei, pois obrigam o tribunal a adotar determinada conduta.
Disse Reale: para existir o Direito, ele deve vir de uma estrutura que tenha capacidade para produzi-lo. O negócio é uma dessas estruturas. O entendimento do negócio como fator originário de direitos e obrigações nos leva de volta ao final da idade média, quando surgiu a letra de câmbio (já descrita anteriormente, que acabava com a necessidade de se transportar valores em espécie pelas perigosas estradas) e do seguro marítimo, no início da época das grandes navegações.
Vamos às características do poder negocial:
Lei de Introdução ao Código Civil (1942)
Analogia legal: esta lei, até hoje em vigor, determina alguns procedimentos que devem ser adotados pelo juiz caso a questão não esteja prevista no ordenamento, ou a lei for omissa. O juiz tem a obrigação de decidir, então alguma forma de julgar deve ser encontrada; ele deverá se basear em algo para emitir seu parecer. Ele começa, então, buscando semelhanças e diferenças com os casos passados. Há um tempo surgiu o leasing, uma forma um pouco diferente de aluguel. Sendo um fato novo, ele obviamente não estava previsto, e ninguém sabia se essa relação jurídica deveria ser encarada como contrato de aluguel ou de compra e venda. Foi feita, então, uma analogia legal.
Analogia jurídica: trata-se de um procedimento jurídico. Um fato novo surge, e não há um procedimento para o trato daquele caso. O juiz busca no ordenamento jurídico algo que possa socorrê-lo para resolver o conflito. Em princípio, não traz um novo Direito, portanto, não podemos chamá-la de fonte de Direito. Porém, se surgir um padrão repetitivo nas decisões judiciais, então forma-se uma jurisprudência. Dessa forma, podemos dizer que a analogia é um dos fatores que geram a jurisprudência. A Analogia não existe no Direito Penal.
O Direito, assim como a Filosofia, tem seus primeiros princípios. Um deles é buscar a eqüidade. E a vida? Ela é importante? E a liberdade? E a dignidade da pessoa humana? E, com os casos novos, como ficou a dignidade da pessoa humana? Pactos: eles devem ser cumpridos. Isso é um princípio. Princípio da isonomia: todos são iguais perante a lei. Todos são inocentes até que se prove o contrário, certo? Trata-se do princípio da presunção de inocência.
Surgem os brocardos jurídicos: ditos que ajudam a entender os princípios. Um exemplo é: “Aquele que, podendo, não proíbe, consente.” Outro, é “O Direito não socorre os que dormem”
A Lei de Introdução ao Código Civil, Analogia e os Princípios Gerais do Direito não são fontes de Direito.
Eqüidade: é um Princípio Geral do Direito. De acordo com Aristóteles, a eqüidade é a justiça na aplicação da justiça. Se aplicada rigorosamente, a justiça legal ficaria muito exata, portanto, essa justiça se transformaria numa nova injustiça.
A eqüidade pode ser usada hoje em dia? Sim, nos casos previstos em lei, nos quais o juiz está autorizado a decidir por eqüidade. Ela aparece com freqüência no Direito Tributário. Um juiz que abusa da eqüidade pode estar empregando a arbitrariedade.
(*): REALE, Lições Preliminares de Direito, p. 180.