Introdução ao Estudo do Direito

segunda, 16 de junho de 2008

Estrutura da norma jurídica

Continuação

Tópicos:

  1. Coação
  2. Coação viciadora do ato jurídico
  3. Atos nulos e atos anuláveis
  4. Coação impeditiva do uso do Direito
  5. Estado de defesa e estado de sítio
  6. Norma jurídica penal
  7. Crimes lícitos
  8. Imputabilidade

Coação: a coação é feita somente pelo Estado para que haja cumprimento da sanção.

A coação aparece no mundo jurídico de algumas formas. Primeiramente, a serviço do Direito. Isso quer dizer: ela estará trabalhando a favor do Direito. Trabalha a serviço do Direito quando houver sanção, que por sua vez foi decorrência de um não-cumprimento de uma norma jurídica, momento em que a coação começa a atuar.

A coação também pode ser contra o Direito. Neste caso, há dois modos de coação: viciadora do ato jurídico e impeditiva do uso do Direito.

Coação viciadora do ato jurídico: é um tipo de coação que contamina o ato jurídico. Obriga alguém a fazer algo que não quer, ou a não fazer algo que quer. Um princípio básico do ato jurídico é que a pessoa deve praticá-lo de livre e espontânea vontade, e não ser obrigada a fazer algo que não deseja.

Quando surge uma coação viciadora do ato jurídico? Quando uma pessoa pratica determinado ato jurídico que não expressa sua real vontade, pois foi coagida, obrigada a fazer aquilo. Por exemplo: há uma forma de coação muito vista em filmes de faroeste, em que um grande proprietário de terras se interessa por uma pequena gleba muito fértil, pertencente a um pequeno agricultor. O latifundiário oferece o preço de mercado pela terrinha e tem sua oferta recusada pelo dono. Então, o poderoso seqüestra o filho do pequeno proprietário e ameaça-lhe a vida; caso o pai não queira vender a propriedade. Não vendo outra saída, ele dá o braço a torcer. Ambos vão ao cartório fazer a transação. Pergunta-se: aos olhos da lei, ou na perspectiva do cartório (ou ainda, daquele que está do outro lado do balcão), o negócio foi legítimo? Sim; ambos manifestaram, perante a lei, seus desejos: um de comprar, outro de vender a terra. Eles assinam os documentos e, aparentemente, agiram de espontânea vontade. Mas, não foi verdadeiramente espontâneo o negócio; havia uma ameaça tal que, se inexistente, o negócio não se concretizaria. Essa foi, portanto, uma coação viciadora do ato jurídico.

Dessa maneira, podemos dizer que esse ato jurídico não foi perfeito. Tem a aparência, mas não foi: uma das partes foi obrigada a concordar. É um ato, portanto, passível de anulação.

Atos nulos e atos anuláveis: Ambos resultam de coação viciadora, mas há uma diferença: o ato anulável não retroage em seus efeitos, ou seja, uma vez constatado o vicio do negócio, a parte lesada poderá recorrer ao judiciário para que não mais esteja sujeita às conseqüências previstas no acordo; entretanto, os efeitos já consumados até o presente momento permanecem inalterados. Os atos nulos, por sua vez, provocam a anulação do negócio e de todos os efeitos que já surtiram a partir dele, ou seja, ele retroage. Por exemplo: se João Jaguaribe vende a Juca Jacinto um terreno que na verdade é de propriedade de Jócio Jr., como João não tinha direitos sobre aquela propriedade, o negócio é nulo; se Juca tiver chegado a construir uma casa nele, ainda assim deverá devolver o terreno ao dono verdadeiro (Jócio) da maneira que estava, ou seja, terá que demolir a construção e então devolver o terreno, como se nada tivesse acontecido com ele.

 

Coação impeditiva do uso do Direito: será que o Direito pode nos impedir de usarmos um direito que o próprio Direito nos concedeu? (note a palavra “Direito” com alternando entre inicial maiúscula e minúscula, denotando o Direito objetivo e Direito subjetivo, melhor estudado na aula que vem.) Sim, vejamos o art. 5º da Constituição Federal. Ele é cláusula pétrea, o que significa que a Constituição pode mudar, mas não este artigo. Ele diz: “[...]XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; [...]” notem a parte destacada. É uma coação impeditiva do uso do Direito.

Estado de Defesa e Estado de Sítio:

Estado de Defesa, CF, art. 136: “O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza [...]”

Estado de sítio: trata-se de uma situação mais grave. CF, art. 137: “O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de:

I - comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa;

II - declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira. [...]”

 

Norma jurídica penal: as normas jurídicas, como vistas até agora, eram compostas de: elementos essenciais + sanção. Os elementos essenciais são a imperatividade e o autorizamento. A imperatividade aparece nitidamente, o autorizamento nem sempre vem explícito. Na norma penal, os elementos vêm de outro modo. Vejamos o artigo 121 do Código Penal:

Art. 121 - Matar alguém:

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos.

Qual é a imperatividade? Matar alguém?? Não, a imperatividade, ao invés disso, é não matar ninguém. Então, a norma jurídica penal tem a seguinte forma:

Violação + pena

Como vimos, a norma penal não tem imperatividade explícita, mas implícita.

Não há crime sem lei que anteriormente o defina. Por quê? O Direito não nos permite fazer tudo? Não é ele que estabelece o limite da lei? Então deve haver uma lei dizendo: “aqui há um crime”. Mas isso não basta, até porque ninguém pode ser julgado e condenado sem estar prevista a quantificação da pena. Deve haver, portanto, a definição da violação acompanhada da pena.

Qual o objetivo de uma norma jurídica penal? Primeiro, mostrar a organização. Mas, será que a simples existência da norma jurídica penal coage as pessoas a não adotarem tais condutas? Sim, pela pena prevista.

Vimos também que a própria declaração dos direitos do homem e do cidadão de 1789 falava que a lei era impositiva, e também falava que a pessoa só poderia ser presa e julgada em função da lei. Pois bem, esta lei, a penal, é exatamente a lei que baliza esses procedimentos. A lei, além de mostrar todos os crimes, pedirá que haja o arbítrio para lidar com a situação.

Exemplo de prática que ainda não é considerada crime: clonagem. Como não está prevista no Código Penal, então não é crime.  Mas e a analogia? Não se pode fazer analogia na esfera penal? Não. Tudo deve estar devidamente e objetivamente positivado, e não cabe ao judiciário inferir que houve um crime se os fatos não o configurarem claramente.

Crimes lícitos: pode uma pessoa cometer um crime mas esse crime não ser considerado ilícito? Sim, é como nos casos a seguir:

  1. Legítima defesa: se mato alguém que está para me fazer o mesmo, eu não deixo de ter cometido um crime; desde que eu use, em minha defesa, violência proporcional à do agressor, com o único fim de defender a minha vida, então esse crime não será ilícito.
  2. Estado de necessidade: roubar um carro para fugir de um agressor, ou então náufragos disputando a única bóia disponível. São casos que se enquadram como excludentes de ilicitude.
  3. Estrito cumprimento do dever legal: soldado que, em guerra declarada, mata um inimigo. É crime, mas não ilícito. O mesmo para carrascos em países que adotam a pena de morte.
  4. Exercício regular do Direito: médicos em mesa de cirurgia. Se cumprirem cuidadosamente o protocolo e o paciente morrer, o médico não cometeu nenhum ilícito, a não ser que, depois das apurações, descubram que se tratou de erro médico.

 

Imputabilidade: “bilidade”, como vimos, quer dizer “que pode acontecer, possibilidade”. Imputar: atribuir a alguém uma culpa. Essa culpa só será provada quando terminado o devido processo legal (quando não houver mais possibilidades de recurso). Há alguns tipos de pessoas inimputáveis: os menores de idade, que se assume que não tem noção do que está fazendo, e o doente mental, alienado, que não consegue se portar por si próprio, e não possui razão de discernir entre o certo e o errado.