Introdução ao Estudo do Direito

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Teorias críticas do Direito

 

Tópicos:

  1. Introdução
  2. Como a crítica é feita
  3. Contexto histórico do séc. XX
  4. Correntes filosóficas
  5. Kant
  6. Hegel
  7. Marx
  8. Nazismo, fascismo e capitalismo
  9. Pensadores da Escola de Frankfurt
  10. Max Horkheimer
  11. Theodor Adorno
  12. Hebert Marcuse
  13. Jurgen Habermas
  14. Niklas Luhman
  15. Teorias Críticas do Direito

1- 

Introdução: vamos tratar de uma época, já no séc. XX, no qual vimos que surge a teoria de Kelsen, depois a teoria de Reale com fato, valor e norma sendo observados. Também surgem outras teorias motivadas por outros fatos do séc. XX.

Quando falamos em pensamento crítico, que motiva a formação dessas correntes, imaginamos que a crítica se reduz a: 1) ver o que foi colocado e 2) dizer “não gosto”. Não é isso. No nosso caso específico, a crítica será feita porque procuramos atingir um novo patamar, um outro ponto de vista para poder olhar o que já existia e então fazer as comparações. Será que o que foi posto é bom, ruim, positivo, negativo? Esses são questionamentos que devem ser levantados, entre muitos outros, é claro. A partir disso, vamos buscar acertar algo.

Como a crítica é feita: se há algo que estamos fazendo e/ou seguindo ao longo de determinado tempo, nossa tendência natural é se acostumar com aquilo e, ao olhar, vemos sempre a mesma fisionomia.

Quando fazemos uma crítica, buscamos sair dessa perspectiva e olhar por outro lado. Como, por exemplo, quando enjoamos da disposição dos móveis ou da decoração de nossas casas: até tal dia, achamos que ta sempre tudo bem, tudo organizado e atendendo à demanda de conforto. Mas certo dia veremos de outro ângulo e sugeriremos uma mudança, por exemplo na posição da mobília ou na cor da parede. Com isso, veremos o mesmo ambiente sob outras formas e, talvez, essa nova forma seja a mais conveniente. Então nos perguntamos: “Por que não fizemos isso antes?” Porque estávamos acostumados com o jeito anterior.

Outra experiência pela qual nós certamente já passamos foi quando passa uma pessoa que nos deixa a impressão de simpatia, beleza e, ao olhá-la de frente, percebemos que há dois dentes a menos, a fisionomia não é mais a mesma que tínhamos imaginado, aquela que nos transmitira simpatia.

No caso deste pensamento crítico, vamos olhar o Direito e a sociedade com olhos críticos, não para levantar apenas os aspectos negativos de cada um deles, mas para buscar um novo referencial. Em seguida, vamos observar a mesma coisa. Se antes olhávamos naquele sentido, olharemos depois por um novo ângulo e permitiremos a percepção de novos aspectos, positivos e negativos.

E o que fazer com esses novos dados observados? Aquilo com o que estávamos acostumados já não é a mesma coisa. Então, trabalharemos naquele aspecto e tentaremos melhorar algo.

Contexto histórico do séc. XX: nesse perído, tivemos uma revisão crítica, que aconteceu logo no início do período entreguerras. O pensamento crítico começa baseado numa teoria crítica da sociedade. Existe, em Frankfurt, uma escola de pensadores, chamada Escola de Frankfurt, que conta com filósofos que olham a sociedade, sociedade essa que foi tão pensada momentos antes, no tempo do iluminismo, e notaram a maneira com a qual ela resolvia seus problemas. Será que ela estava mesmo fazendo direito o seu papel? Posteriormente surgiriam outras correntes, como o positivismo, que dizia que com o progresso da ciência viria o progresso da humanidade. Não aconteceu. Pelo menos, no iluminismo conseguiu-se mudar de um padrão de vida inteiramente dominado pela nobreza e o homem passou a ter maior participação na condução política de sua própria vida.

Depois de analisar a teoria otimista de Comte, Kelsen, numa época de muito horror, que foi o início do séc. XX, viu que o homem não era tão importante assim. Passaram a acreditar que o Estado e o capitalismo eram os elementos preponderantes. A Escola de Frankfurt surgiu, então, para questionar essa sociedade que estava completamente diferente das previsões. Em 1914-17 o cenário já tinha se subvertido completamente, tão pouco tempo depois do auge do positivismo.

Nesse tempo, os pensadores fogem da Alemanha e emigram para os EUA. Depois da segunda guerra mundial, retornam ao seu país de origem e continuam a pensar a sociedade. Haverá influência disso no Direito? Evidente que sim.  À medida que se pensa a sociedade, pensa-se também, como conseqüência, o Direito. Essa teoria crítica da Escola de Frankfurt foi feita no Instituto de Pesquisa Social.

Muita atenção a essa parte que nos dará uma noção de como chegar ao Direito de hoje. Se tivemos no Código de Napoleão uma mudança significativa no Direito, que foi decorrência direta dos pensamentos iluministas, agora teremos outro modo de pensar a sociedade que depois trará reflexos na elaboração do Direito que resultou na formação do ordenamento jurídico que temos hoje. Vamos passear, então, pela Filosofia e o entendimento das sociedades do séc. XX. O exposto no início desta página será dado em duas aulas. O objetivo é: ter uma noção de como o Direito evoluiu desde os primórdios até os dias de hoje.

Correntes filosóficas: essa teoria crítica da sociedade que surge na Escola de Frankfurt começa na década de 1820 e teve inspiração no pensamento de Kant, no criticismo kantiano. 

Kant: Immanuel Kant é considerado o último filósofo da modernidade e primeiro da era contemporânea. Ele pensou a sociedade de várias maneiras. Primeiro, perguntou-se: "como o homem vivia neste mundo?" Em seguida, questionou-se como seria a sociedade. Todos os questionamentos foram embasados na razão. Kant escreve, então, alguns livros que sintetizam  bastante tudo que vinha da Filosofia dos gregos até seu tempo. Eis alguns:

  1. Crítica da Razão Pura (1781): Kant confere um novo fundamento à Filosofia. Descreveu como devíamos conhecer as coisas. A Crítica da Razão Pura seria, pois, o raciocínio puro de Kant.
  2. Crítica da Razão Prática (1788): nela, Kant questiona o que deve ser sabido. Como vou conhecer e que processo eu uso para isso. Levanta questionamentos difíceis: Deus existe? Se sim, provem sua existência. Ela chega à conclusão de que, empiricamente e analisando com base na razão pura, Ele não existe. Mas, na ótica da razão prática, Kant vê que a existência de Deus tem fundamento. Baseou essa conclusão em obras de São Tomás de Aquino e Santo Agostinho. 
  3. Crítica do Juízo: em face dessa oposição de ideias, Kant escreve mais um livro: a Crítica do Juízo, conferindo, novamente, uma nova visão à Filosofia. É a partir desta obra que ele passa a tratar a ideia do DEVER SER, ou o comportamento que devemos seguir para que a sociedade seja a melhor possível. “Meu comportamento deverá ser assim”. Esse comportamento tem grande influência no Direito.

Hegel: Enquanto isso, um de seus contemporâneos, Georg Hegel (1770-1831), também começa a pensar a Filosofia e elabora um pensamento mais idealista que o de Kant. Hegel traz ideias e pensamentos sobre o estado da Natureza, do que ela é constituída. Ele então chega à dialética hegeliana. Assim funciona essa dialética: apresenta-se uma tese e uma antítese. Aproveita-se a parte positiva de cada uma delas e forma-se a síntese. Essa síntese, por sua vez, se transformará numa nova tese, que será contraposta a uma nova antítese que virá a surgir, dando origem a uma nova síntese. E assim caminha o pensamento.

Karl Marx: nisso, mais um pensador entra em cena: Karl Marx. Começou combatendo os seguidores de Hegel. Combate a ideia de superestrutura do Direito: moral, ética e política, dizendo que o importante é a infra-estrutura. Essa linha de raciocínio culminou na revolução bolchevista da Rússia. As ideias de Marx influenciam todo o pensamento do séc. XX. À medida que o comunismo ia tomando um caminho “diferente” do que fora proposto, viram que o pensamento de Marx possuía lacunas. Porém, ainda assim ele é considerado muito importante.

Resumo das ideias: Kant, Hegel e Marx motivaram uma teoria crítica da sociedade. Cada uma dessas teorias prometia a Lua e nenhuma cumpria. Até mesmo o capitalismo foi tido como “aquele que melhoraria a sociedade”. Mas, na prática, não traziam nada de concreto e positivo. Há uma grande diferença entre o que se pensa e o que se faz. Em que essa teoria crítica mirava? Ora, os que subiam ao poder, ao sentir seu gostinho, não queriam mais sair. Faziam coisas para suas próprias panças usando o nome do Estado para isso.

Nazismo, fascismo e capitalismo:

Pensadores da Escola de Frankfurt: nesta Escola surgem alguns pensadores; suas ideias influirão posteriormente e nortearão o Direito. 

Max Horkheimer (1895-1973). Começa escrevendo um livro chamado Crítica Instrumental. Por que razão instrumental? Afinal de contas, o que o homem se tornou nessa época? Um mero instrumento.

Theodor Adorno (1903-1969): músico; traz umas ideias interessantes. Escreveu o livro Dialética do Iluminismo. Só que ele fala dessa dialética como se fosse um diálogo exclusivamente negativo. Em vez de filtrar o que havia de bom na tese e na antítese, produzir-se-ia uma síntese com as coisas negativas de cada uma. Adorno também aborda a indústria cultural: em várias sociedades a cultura se expandia; queriam deixá-la evoluindo para ver como o povo ficaria. Ela acabaria sendo transmitida de várias formas diferentes. Surge o cinema nos EUA, diversão maravilhosa, né? Para os produtores também. Era um cinema evidentemente feito com base na cultura local. Essa arte é exportada; transmitiram-se os valores dessa sociedade para outras. Os homens da sociedade-alvo recebem os valores que os exportadores querem.
Estética: estudo do “belo”. É importante porque abranda nosso sofrimento, o mal-estar, e nos traz conforto. Essa indústria da estética deve ser engajada, trazer uma ideia consigo. Vemos que a arte, especialmente a séc. XX, se tornou engajada: música, pintura e escultura falando de coisas ruins que aconteciam na sociedade.

Hebert Marcuse (1898-1979): tenta conciliar Freud com Marx. Freud já tinha começado a pensar no homem e dizia que ele era um grande reprimido. Vivia na sociedade reprimido de seus desejos sexuais. Marx falava da mesma coisa, mas não exatamente de desejos sexuais, mas que o homem estava reprimido de maneira semelhante. A sociedade seria feita para eternizar o momento, para então eternizar a dominação que existia. Marcuse falava, então, do homem unidimensional: só possui um ponto de vista, só vê o que é dito, não tem seu próprio pensamento e não abstrai. Ele adota a ideia de que o homem deve usar sua força para se libertar.

Jurgen Habermas (1929-vivo): muda um pouco o pensamento. Como vivemos na sociedade? Não vivemos buscando relacionamentos? Como esses relacionamentos se dão? Fazemos pela transmissão de ideias um ao outro, pela comunicação. Quando eu me comunico com alguém, não quer dizer simplesmente que eu esteja falando com essa pessoa. Estou, também, transmitindo ideias. Com outras pessoas, com certeza, eu devo estar falando e elas devem estar guardando o que eu falo e raciocinando em cima disso. Para umas eu apenas falo; para outras, estou me comunicando, ou seja, consigo transmitir o que quero. Para haver a comunicação, deve haver uma sintonia entre falante e interlocutor. A comunicação só é feita na medida em que eu falo, ela entende, raciocina e então retruca. Se não for assim, há apenas um “falar”. A linguagem ganha muito mais importância. Visa permitir a fala de um com compreensão do outro. Assim, Habermas entra em uma teoria do Direito: “Afinal de contas, qual é a função do Direito? É ela simplesmente uma mediação entre o SER e o DEVER SER?” Este Direito vai organizar a sociedade. Entra no mérito do modo e do procedimento do Direito. Fala na teoria consensual da verdade. Veja bem, verdade é uma coisa extremamente discutida. Onde ela está? Conseguimos saber onde ela está e qual é ela? Cada um de nós tem a sua própria verdade. Se cada um tem sua própria verdade, então significa que não há uma verdade única. Assim sendo, sempre haverá contrapontos de cada verdade. Buscaremos essa verdade através do consenso. O Direito não precisa do aspecto de verdade para existir? Nesse sentido, o Direito aparece e é proposto, por Habermas, como fruto de um consenso, que acontece quando os comunicantes chegam a um ponto comum. Essa verdade surge através da argumentação, outro ponto importantíssimo do Direito. Por que argumentação? Porque cada um trará seus argumentos para justificar, embasar e fundamentar seu ponto de vista. Para isso, as pessoas devem estar de espírito aberto. Faz sentido? O argumento é forte? Então eu aceito, e passo para um novo patamar. Entramos num novo debate e não estamos dispostos a dar o braço a torcer. Habermas fala que os melhores argumentos vencerão. Devo estar livre e aberto para aceitar independentemente de quem seja. No final de tudo, o pensamento de Habermas traz a razão comunicativa. O Direito, então, é fruto de um processo de argumentação.

Niklas Luhman (1927-1998): traz uma ideia principal: a legitimidade pelo procedimento. O sistemas se auto-compõem com o tempo mesmo com uma fundamentação fraca. Por exemplo: burocracia. Nela, tudo tem um determinado procedimento. A Carteira Nacional de Habilitação tem um sistema altamente burocrático para ser obtida. À medida que ele se desdobra, sempre há mais um detalhezinho. A burocracia aumenta sem se ter uma noção do fim. Se perguntamos para alguém “por que você faz isso?” A resposta provavelmente será: “Sei lá, porque eu tenho que controlar isso aqui.” Luhman também fala da comunicação e da importância da linguagem. Uma pessoa que tem condições de se comunicar melhor certamente apresentará melhores argumentos e convencerá uma outra que não tenha a mesma capacidade. A pessoa recebe a carteira de habilitação porque realmente sabe dirigir? Nada, foi apenas porque ela passou pelo procedimento burocrático. Traduzindo para o Direito, temos que: o Direito todo, ao longo do tempo, criará procedimentos e mais procedimentos, detalhes e mais detalhes que buscam demonstrar a legitimidade do processo. O objetivo final ideal: fazer a justiça. Exemplo verossímil: 

Imaginemos um churrasco, no qual os participantes, ansiosos para que a carne saia da brasa, resolvem disputar uma peladinha de futebol. Bola dentro, bola fora, surge uma diferença, um princípio de discussão e briga entre dois jogadores. Procurando apartá-los, os demais jogadores escolhem um dos presentes - por acaso o juiz da partida - para resolver o problema. Então, ele senta com cada um deles para ouvir seus argumentos. Ouvidas ambas as partes, ele emitirá o parecer, ressaltando os pontos em que um estava certo e os pontos no qual ele estava errado.
Suponhamos que, ainda assim, a briga não seja solucionada e um dos dois protagonistas do litígio entre com um processo judicial contra o outro. Passam-se muitos meses e, então, os dois comparecem ao fórum, ambos trajando finas roupas, acompanhados de seus advogados; são conduzidos pelo oficial de justiça à sala de audiência e percebem que lá está o juiz que apreciará o caso - por acaso o mesmo que estava, naquele dia do churrasco, fazendo a mediação do conflito. Ambos repetem suas versões, desta vez com palavras mais educadas e eruditas, enquanto o taquígrafo as redige nos autos. Depois de ouvidas as testemunhas, o juiz emite um parecer. Incrivelmente, é exatamente o mesmo parecer que ele emitira naquela outra ocasião, apenas com algumas diferenças: ele estava de beca, não de calção de banho, estava num ambiente sério, e todo o processo foi seguido de acordo com o previsto em lei.
Pergunta-se: em qual das duas ocasiões a decisão do juiz transmitiu maior legitimidade? Evidentemente que na segunda ocasião, pois nela havia todo o processo burocrático.

Certa vez, Luhman, numa conversa com o então Cardeal Joseph Ratzinger, debate a sociedade. Quantas vezes surgiram os termos Direito, sociedade, e Direito natural? Não tem como falar na sociedade sem mencionar o Direito e o Direito natural.  Buscam um consenso da verdade. O problema do Direito atual é que hoje se busca a solução de conflitos, mas não a justiça. “Mais vale um mau acordo do que boa demanda”, diz o dito popular.

Paralelo a isso tudo vem o Círculo de Viena: estuda especificamente a linguagem.

Teorias Críticas do Direito: teorias críticas surgem do pensamento jurídico crítico. Qual é a forte inspiração? Qual é o principal eixo metodológico para se fazer uma crítica ao Direito existente? Dizem que é o marxismo porque era uma nova ideia que estava sendo posta em prática na tentativa de resolver tudo. O próprio marxismo nega alguns princípios básicos do Direito. Como ele fala de sociedade em primeiro lugar, o indivíduo fica de lado, ao contrário do que dizia o iluminismo. Propriedade privada não existe. Deve ser de todos. Traz também a ideia do expurgo da propriedade privada. O marxismo não trouxe tanta evolução. Tanto que terminou por implodir a União Soviética. Há inclusive quem diga que ele está sendo abandonado hoje em dia. Ao mesmo tempo, o capitalismo não trouxe o resultado esperado. Contradições sociais: o homem iria melhorar. Mas melhorou mesmo? Não. Legitimidade: toda a sociedade concorda com “isso”. O indivíduo é forçado a concordar. Como fica, então, a legitimidade? Finalmente, como ficam a própria elaboração e aplicação da justiça? Estamos tendo mesmo justiça? Não, estamos apenas buscando a resolução de um conflito.

Quais eram os dois paradigmas do Direito? Jusnaturalismo e juspositivismo. Tem como elaborar um novo? Isto é uma busca, que não atingirá seu objetivo, pelo menos não tão cedo, já que estamos muito atrelados à norma por causa do positivismo. A teoria crítica do Direito busca dois marcos importantes: um teórico e um prático.

Agora, o Direito é um instrumento ativo para mudar a sociedade. Justiça passa a ter outros “sinônimos”: consenso, consenso da verdade, vencimento do melhor argumento. As pessoas raramente estão abertas a novos pensamentos.


Próxima aula: localização das teorias no tempo e no espaço, teorias críticas, principais eixos metodológicos, critical legal studies (EUA com influência na cultura anglo-americana), association critique du druit (França + terceiro mundo), uso alternativo do Direito (Itália e Espanha). Panorama da critica jurídica brasileira, teoria crítica de perspectiva sistêmica, teoria crítica de perspectiva dialética, crítica jurídica acadêmica.