A aula de hoje é de história porque veremos a origem de muitas coisas que estudaremos num futuro próximo. O objetivo é entender os reflexos dos costumes nas antigas civilizações no Direito Contemporâneo.
Analisaremos o surgimento das cidades primitivas em torno de uma família. Um livro muito importante sobre o assunto é o “A Cidade Antiga”, de Fustel de Coulanges, escrito no século XIX, considerado um clássico e uma das fontes primárias sobre o assunto. Devemos ler o livro, não necessariamente neste semestre, mas é importantíssimo sobre nossa formação. Outro de relevo é o Introdução Histórica ao Direito, que consta em nossa bibliografia complementar.
O homem, por ter potencial de raciocínio diferente dos outros animais, logo dominou a Natureza, começando pela observação de padrões repetitivos nos fenômenos. O primeiro e um dos mais relevantes exemplos foi a percepção das diferentes estações do ano. Tentando explicar a Natureza cada vez mais ordenadamente, as populações recorriam aos pensadores e/ou os mais intelectuais da região para propor uma possível explicação. Tomemos o caso do Arco-Íris: admitia-se que seria alguém num nível acima das nuvens o responsável pela sua formação. Ávidos para explicar aquilo cujas causas não conseguiam ver, elaboraram a crença nos deuses. A partir daí, se algo ocorresse fora dos padrões já observados, então deveria ser devido a alguma intervenção divina; logo, buscava-se não irritar os deuses: ofereciam animais em sacrifício para acalmá-los.
As crenças levaram os homens, ao longo do tempo, a levantarem questões cada vez mais complicadas: perceberam que havia, necessariamente, o nascimento e a morte. O primeiro era, obrigatoriamente, precedido pelo crescimento da barriga da mãe e que, depois dos 9 meses, o bebê nascia; ao mesmo tempo observava-se que 100% dos nascidos morreriam um dia. Era mais um padrão repetitivo. O curso natural da vida era evidente, mas indagava-se sobre o que viria depois. Se hoje, em 2008, ainda não temos uma resposta cientificamente definitiva sobre o que acontecerá no Post mortem, imagine então há seis mil anos. Só conseguiam observar a decomposição dos corpos dos mortos, os sinais vitais dos recém-falecidos e então notar as diferenças. Ora, a única diferença entre o vivo e um que acabara de morrer era apenas que o segundo não se manifestava, não tinha pulsação nem respiração, mas ainda tinha corpo quente, pele intacta e sinais gerais quase idênticos ao tempo em que estivera vivo. Imaginaram, então, que dentro do corpo deveria haver algo que o movimentava, que seria a alma ou o espírito: junção de matéria (corpo) com algo imaterial (espírito). Na morte, portanto, teria havido a separação entre esses dois entes. O espírito do morto, segundo as crenças, continuaria vagando em meio aos vivos. Em seguida, surgiu o culto e o respeito aos mortos. Os remanescentes esperavam que o espírito vagante que fosse cultuado os ajudaria, do contrário, atrapalharia.
Ritual do fogo sagrado: acendia-se uma tocha permanente para simbolizar o contato dos vivos com o espírito dos mortos. Quanto mais antepassado, mais sagrado tornava-se o morto. Os espíritos que ainda vagariam na Terra eram chamados Manes. Aqueles que não recebessem nenhuma reverência em forma de cultos sentiam-se desprezados e começariam a causar estragos, como pondo fogo nas plantações, espantando peixes, dispersando as presas, etc. Esses eram chamados de “Larvas” – os que faziam o mal. Se, no entanto, o espírito passasse a ser reverenciado pelos vivos, ele se tornaria bom e seria denominado “Lar”. Os Lares eram justamente os espíritos de antepassados das famílias que eram cultuados. Note o uso do termo “lar” atualmente: trata-se não da construção física das nossas casas, mas do ambiente afetivo familiar.
Os mortos eram enterrados com seus bens materiais, como cavalos, escravos e objetos. Acreditava-se que o morto poderia usufruir de tais itens “do lado de lá”.
No momento do culto, ofereciam-se alimentos ao espírito do morto. Jamais, entretanto, dariam uma ovelha em avançado estágio de decomposição, pois seria um descaso: se não ofereceriam algo dessa qualidade para o vivo, imagine para o morto, que poderia ficar com raiva e teria condições de provocar malogros? Para beber, não ofereciam água, pois esta era muito simplória; oferecia-se, em vez disso, vinho, que é uma bebida mais refinada. Então, antes da primeira degustação, os vivos realizavam a libação: vertia-se o cálice de vinho, derramando-o ao solo em oferecimento ao espírito. Era como “dar um golinho ao santo”. O portador do vinho a ser libado deveria ser o patriarca da família, que era o chefe, chamado de pater familiae. Estava criado, então, o ritual de família. Tratava-se da religião doméstica, diferente de família para família. Cada um cultuava seu próprio Lar.
Os Lares simbolizavam a afetividade inerente à família, e, como já dito, na época não se tomava a palavra “lar” como “morada”. As oferendas para os Lares eram feitas no local onde o morto estava enterrado. Depois, construía-se uma espécie de altar em volta do túmulo, envolvendo-o com um cercado, objetivando-se manter o espírito do morto por perto. O pater, pelo curso natural, deveria ser o próximo a falecer e então “passar para o lado de lá”, tornando-se um novo Lar.
Somente os descendentes consangüíneos poderiam cultuar seus Lares. Haveria, portanto, um conflito de interesses depois do casamento. Por esse motivo que se construíam cercas em volta dos túmulos. Isso deu origem à propriedade privada, algo muito importante para o Direito. O altar, embaixo do qual havia o túmulo do morto, era a primeira forma de propriedade privada, governada pelo pater familiae. O chefe era o pontífice, que não significa “papa”, mas “o maior de uma religião”. Quando o pater morria, o filho mais velho assumiria seu lugar, já que a filha mulher, caso se tornasse a mais velha, deveria se casar com um homem de outra família, ou seja, passaria a reverenciar os Lares daquela nova, e teria que renunciar aos deuses originais. Já o homem nunca sai da família pois a descendência era paterna, na linha de sangue do homem. Caso nascessem gêmeos, o primeiro a sair teria a primazia. Se apenas nascessem mulheres, a mulher seria considerada culpada pela falta de filhos homens; a mulher estaria, pois, com “defeito”, que poderia ser repercussão da insatisfação dos deuses para com ela. Nesse caso, trocava-se de mulher para que a nova pudesse produzir um homem para dar continuidade à família. Estava criado, nos moldes remotamente antigos, o divórcio! A mulher teria sempre que ser tutelada por um homem, fosse ele seu pai, marido ou filho. O homem tinha a obrigação de casar, para gerar filhos. Era necessário, então, que a família gerasse uma grande prole. Se um dos filhos fosse, por acaso, afeminado, seria porque os deuses não estariam contentes com ele. Filho que se encaixasse na descrição de defeituoso só tinha um destino: a morte!
O importante para a família era o nome. Tratava-se de mais uma manifestação do Direito.
Também era permitida a adoção e a emancipação. O adotado receberia o nome da família que o acolhia, e o emancipado adotaria o nome da família que viesse a fazer parte no futuro, já que ele passaria a reverenciar os novos Lares. No contexto, o que mantém a família unida não são os laços afetivos, mas a religião doméstica, ou seja, o culto aos mesmos Lares. A propriedade privada, no caso, o altar/túmulo, não poderia ser vendida, pois era lá que estava enterrado o que havia de mais precioso: os deuses da família. Só era permitida a venda daquilo que fosse fruto do trabalho. A evasão do local residencial só era permitida em caso de invasão de povos inimigos ou se o terreno esgotasse em espaço. A propriedade privada, naquele tempo, não era fruto do trabalho, mas da religião. O pater fazia o papel de governador, mediador, pontífice, juiz e chefe de família.
Formação das cidades antigas, especialmente as gregas e romanas: quando duas famílias se conheciam e percebiam que havia um antepassado comum, as duas se uniam e constituíam um clã, chamado “fratria”, ou “cúria”. Passavam a fazer, então, a adoração a esse deus (antepassado) comum. O curião, o chefe do clã, exercia o papel de sacerdote. O culto no clã era feito aos deuses Lares, pelas respectivas famílias, mais ao deus comum. Formava-se um novo laço religioso, não de amizade. Seguindo a mesma lógica, quando duas cúrias se encontravam e ocorresse de detectarem um antepassado comum e ainda mais antigo, ambas se uniriam e constituiriam uma “tribo”. Um dos anciãos será o novo sacerdote.
O estandarte era o símbolo sagrado, de cada clã, levado para as guerras. Atrás, vinham as bandeiras associadas a cada família que dera origem ao grande grupo. Dessa lógica observamos a atual frase: “a família é a célula mater da sociedade”.