Introdução ao Estudo do Direito

segunda-feira, 31 de março de 2008

Ius civile,  ius gentium e evolução do Direito romano

Linha do Tempo

(grandes fragmentos de texto em itálico são relatos históricos suplementares.)

São Paulo era cidadão romano; ao reclamar sua cidadania, recebeu o direito de ser processado de acordo com o ius civile. Se não fosse, receberia o ius gentium. Este último englobava diferentes costumes, culturas e localidades. Mas havia uma base comum entre os dois, por exemplo, nas questões de família e reparação de danos.

Patrício: descendente sangüíneo do patriarca; era considerado cidadão. O peregrino, em geral homens livres, ou seja, agregados sem laço de sangue, eram os “clientes”. O Direito da época não era formal, era costumeiro. O agregado não conhecia todo o Direito da família e acabava relativamente prejudicado e perdido.

O ius civile entrará em declínio com o tempo, não se sabe exatamente quando que ele perde praticamente toda a representatividade; mas não o ius gentium, que perdurará.

Com a conquista do Mediterrâneo e o aumento da população, o sistema republicano torna-se ineficiente; iniciam-se as guerras civis, revoltas de escravos como Spartacus, cônsules tornam-se ditadores e o banho de sangue é fantástico: quando Crasso sufocou a revolta de Spartacus, cruzes foram fincadas no chão em fileira de Roma até Cápua, uma para cada revoltoso morto, para servir de exemplo para os próximos insurgentes. Depois disso forma-se em Roma um modelo de governo até então inédito o Primeiro triunvirato, com Crasso, Pompeu e Julio César. Os dois últimos eram os cônsules, Crasso era o general vitorioso que derrotou Spartacus, e foi admitido no trio. O primeiro triunvirato dura dez anos, até que Júlio César torna-se ditador absoluto. Ao morrer, ele nomeia em seu testamento o sobrinho-neto Otávio como herdeiro do poder, menino que logo cedo já tinha grande habilidade com a política. Otávio formaria o segundo triunvirato juntamente com Lépido e Marco Antônio, para depois seguir os passos do tio-avô, instigando o Senado contra Marco Antonio que queria dar suas províncias de presente para o Egito. Otávio lança campanha militar contra ele e torna-se o primeiro imperador romano.  

A república, então, torna-se gradativamente ineficiente, o território já abrange todo o norte da África, Europa Ocidental, sul da Bretanha e Ásia Menor. Otávio, agora com o título de Augusto (divino), inicia o que se chamou de principado, centralizando o poder em suas mãos. O concílio da tribo, do clã e da plebe (concilia plebis) vão sumindo, a começar por esta última. O Senado ainda vive neste momento, mas também perderá espaço em seguida, já que Otávio criará prefeitos para assumir as mesmas atribuições dos pretores de outrora para executar o serviço mais eficientemente. Imperador: “general vitorioso”; príncipe: “primeiro cidadão”. Ele, no entanto, ainda se subordina ao Direito romano clássico, ou seja, não está acima da lei pois é apenas mais um cidadão, apesar de ser “o primeiro”.

Édito de Caracala (212 d.C): O imperador de mesmo nome estende a cidadania romana para todos os habitantes do território. Acaba a distinção entre patrícios e plebeus. O ius civile acaba quase que de vez. Cuidado: o nome real de Caracala, décimo-sexto imperador e pertencente à Dinastia dos Severos, era Marco Aurélio. Não confudir com o décimo-terceiro imperador, também chamado Marco Aurélio, que era da dinastia anterior, dos Antoninos.

Nascimento de Jesus Cristo: o advento do Cristianismo, que traz um novo Direito oriundo do Direito hebreu, tomará parte do espaço do Direito Romano. A evangelização dos apóstolos também contribuiu bastante para a propagação da fé cristã.

O Cristianismo revolucionou o modo de ser da pessoa. Ele avançava de forma clandestina, subterrânea. A dificuldade de se administrar o império, ainda na época do Alto Império, era crescente. Nunca mais foram conquistadas novas províncias; na verdade as mais longínquas eram sucessivamente perdidas para os bárbaros germânicos e então conquistadas novamente, o que onerou muito, especialmente com a necessidade de se pagar as legiões. Isso também significa que a aquisição de novos escravos praticamente cessou, e ainda havia o Cristianismo: a fé prega a salvação da alma pelo amor ao próximo, o que levou muitas pessoas a usarem homens livres na produção em vez de escravos. Faltou trabalho em Roma, a comida já não era suficiente. A política do pão-e-circo estava na moda; a plebe recebia regularmente alguns grãos, ou seja, ficavam de barriga cheia e cabeça vazia: eles não trabalhavam e a única atração disponível era a luta entre gladiadores e leões no Coliseu. A produção intelectual também entrou em declínio nesse tempo. No plano militar, os altos generais, cujo poder lhes subia à cabeça ao vencer batalhas, começavam a questionar as ordens vindas de Roma: iniciava-se uma anarquia militar. O Direito Clássico entra em declínio.

Diocleciano (284 d.C): o início de seu governo marca a transição entre o Direito romano clássico e o Direito romano do Baixo Império. Diocleciano tomou medidas para retardar a inevitável ruína do império. Não foi oficialmente ele quem dividira o Império Romano entre Ocidente e Oriente; isso seria feito posteriormente em 395. Diocleciano instituiu a tetrarquia, dividindo o império em 4 imperadores (*). Perseguiu cristãos por milhares de quilômetros, fez espetáculos com a morte deles e obrigou o culto a Júpiter.

Buscando unicamente a manutenção e ordem do Império, ele resolveu acabar com o principado, iniciando o Direito romano do Baixo Império, no qual o governante estava acima da lei e portanto não se subordinava a ela, como se fazia durante o Direito romano clássico. O imperador não é mais chamado de primeiro cidadão (príncipe, cidadão que, como outro, se subordina às leis) para se chamar dominus. Inicia-se, então, o dominato, que tinha características de monarquia. O Direito romano clássico entra em declínio e a lei feita pelo dominus passa a ter preponderância. Lei do dominus seria a “lei à moda dele, de acordo com o desejo do imperador”. As decisões do imperador tinham força de lei mas, depois de Diocleciano, até as questões particulares e a família começaram a receber intervenções. O pater familiae já não tinha mais a autonomia de antes; a lei era impositiva e não mais costumeira em seu todo. O dominus não é considerado cidadão e o Direito será feito na base do “eu quero”. Obedeceria aquele que tivesse juízo, ou sanções severas seriam imputadas. Fim do compromisso com o Direito clássico.

O imperador não tinha preocupação com a legitimidade de seu governo, já que a prioridade seria manter a ordem num império cada vez mais difícil de manter: os bárbaros eram atraídos pelas terras mais férteis e quentes do sul. O imperador passou a fazer papel de tirano, apesar da designação oficial de dominus.

Édito de Milão (313 d.C): o imperador Constantino funda a nova capital do império, mudando para Bizâncio, e alterando o nome da cidade para Constantinopla. Legaliza o Cristianismo e a liberdade de culto. Há, então, a convivência entre a religião católica e a politeísta tradicional.

Com a declaração do Cristianismo como religião oficial, os antigos cultos familiares já não são mais permitidos. Foi possível fazer essa proibição já que o imperador passou a intervir no interior das famílias.

O aspecto religioso se  une ao político: benefício para ambos. A religião deixa de ser clandestina e então consegue mais adeptos; o governo arruma um novo respaldo.

A Igreja se organiza. Forma-se o clero secular e os cânons, que eram as normas da Igreja. Surge, assim, o Direito Canônico.

Divisão do Império (395): o império desse momento, apesar de ainda estar grosseiramente com a mesma extensão territorial do Alto Império, já estava grande demais para ser administrado em meio a tantas crise, invasões e crescente ruralização (que viria a formar o sistema feudal). Foi feita, então, a divisão entre Império Romano do Ocidente, com capital em Milão, e Império Romano do Oriente, com capital em Constantinopla (Bizâncio). Com tantas invasões e crise das “folhas de pagamento” do exército oficial (legiões), recorrem-se aos mercenários, que defenderiam as fronteiras sob a bandeira de Roma em troca de dinheiro e terras. Dinheiro foi gasto do mesmo jeito, a crise se intensifica. E assim, houve a...

Queda do Império Romano do Ocidente (476).

Recapitulando: a evolução política romana passou, nessa ordem, pela realeza, república, principado e dominato. A evolução do Direito foi notada no Direito romano muito antigo, Direito romano clássico e Direito romano do Baixo Império. No segundo e mais importante, tanto os senadores, cônsules e o imperador estavam abaixo do Direito; já no Direito romano do Baixo Império, o governante era por muitas vezes tirânico e governava acima da lei; suas decisões também tinham força de lei. O Direito romano clássico durou 434 anos: quase quatro séculos e meio de produção!

Princípio da personalidade do Direito: os povos bárbaros que invadiram o império eram assim chamados pelos romanos porque tinham padrões culturais bem inferiores aos deles. Logo, também tinham um sistema jurídico diferente. Na ocasião da coabitação entre romanos e germânicos, duas soluções eram possíveis: na primeira, o vencedor imporia seu Direito ao vencido, fazendo vigorar o Princípio da Territorialidade do Direito; ou então deixaria que os povos vencidos mantivessem seu próprio sistema jurídico pré-existente. Seria o Princípio da Personalidade do Direito. Esse conceito deu origem ao Direito internacional contemporâneo.


* Observação do Leo: consta, nos registros históricos que eu li, que, na verdade, Diocleciano não centralizou o poder em suas mãos, pelo contrário, ele buscava uma forma de administrar o domínio comprometido do império mais facilmente, então instituiu a tetrarquia, ou governo de quatro homens, que seria um sistema no qual ele ficaria com o Oriente e nomearia um homem de sua confiança para a parte ocidental, no caso, um homem chamado Maximiano. Esses dois eram chamados Augustos. Cada um dos Augustos nomearia um subimperador, denominado césar, para ajudá-lo e substituí-lo depois de vinte anos. Constantino, que veio depois, recentralizou o poder na mão de um único imperador e propagou o Direito romano do Baixo Império: era o Direito à moda do governante.