Sociologia

quinta-feira, 27 de março de 2008

Ideologia

O conceito de ideologia não é simples. Analisemos as três acepções mais comuns da palavra.

Primeiro significado: ciência das ideias. É o significado mais próximo da etimologia. Este significado foi cunhado pelo filósofo francês Destutt de Tracy, que expôs o termo em sua obra Eléments d'idéologie (1817-1818). Segundo ele as ideias não têm vida própria; elas surgem com o momento, com o contexto vigente. O pressuposto seria que poder-se-ia buscar uma razão, que era pensamento característico do iluminismo, então subverter as conclusões visando produzir determinadas ideias. Este é o sentido original da palavra ideologia.

Segundo significado: conjunto de ideias, valores e crenças associados a um grupo ou classe social. Manifesta-se como teoria ou doutrina.

Terceiro significado: o conceito marxista. A “falsa consciência”. Conjunto de ideias falsas, distorcidas e erradas sobre a realidade e os fatos. Assume um sentido negativo, como instrumento de dominação.

Karl Marx e Friedrich Engels explicam, à moda deles, o pensamento e funcionamento da sociedade capitalista na “Ideologia Alemã” usando três elementos:

  1. Separação: existem duas instâncias na sociedade: a infra-estrutura, que é a esfera de produção dos bens materiais, e a superestrutura, a esfera das ideias: a moral, o Direito, religião, política.
  2. Determinação: resultante da separação entre a infra-estrutura e a superestrutura, e do domínio da primeira sobre a segunda. É a forma como os homens organizam suas relações de produção que vai determinar suas formas de convívio, sua organização social. Segundo esse princípio, as ideias têm origem na vida material e são por ela determinadas.
  3. Inversão: elemento constitutivo fundamental do conceito de ideologia. Segundo Marx, a ideologia apresenta aos homens uma realidade invertida, falsa. Só o conhecimento científico pode desmascarar a ideologia e fazer com que os homens percebam a realidade verdadeira.

 

Indagação: como a ideologia consegue mascarar a realidade?

Resposta: com algumas características. São elas:

Uma frase bem conhecida: “o trabalho dignifica o homem”. Claro que é uma ideia verdadeira. Afinal, é através do trabalho que nos sentimos úteis. Trabalhando o homem conhece novas pessoas, liberta-se, conhece novos caminhos, sustenta a família. De fato, ninguém agüentaria viver eternamente no ócio. Todavia, a frase é justamente um discurso ideológico, pois estamos falando do trabalho como abstração. Se olharmos as condições concretas, reais e históricas nas quais o trabalho era e é realizado, veremos que ele não é nada dignificante. A começar pelo trabalho escravo, empregado por mais de cinco mil anos; em seguida, nas manufaturas durante a revolução industrial: os que estavam na fila do lado de fora contavam os minutos para alguém morrer ou torna-se inválido do lado de dentro da fábrica, e então assumir o lugar. O salário era ínfimo. Já na sociedade contemporânea até foi criado o termo “subemprego”, que designa as ocupações consideradas inferiores. Portanto, a frase é válida enquanto tomarmos o trabalho como abstração. Como realidade, é inocência. A ideologia, então, mostra uma aparência da realidade; mostra parte da verdade, e não toda a verdade.

A ideologia torna universal a imagem da classe dominante, segundo Marx. O Estado é o responsável por difundir essa ideologia: ele dá à sociedade o que ela não tem. Ele buscará ocultar esses conflitos, as contradições, as diferenças entre os vários grupos e classes sociais; ele fará o papel de defensor e representante de todos. Mas lembre-se da diferença de conceito entre “vontade de todos” e “vontade geral”, citada nas aulas de Ciência Política de 29/02 e 19/03. O "Estado como representante de todos" é uma ideia que veio com a Revolução Francesa. A burguesia precisava de um Estado neutro, para exercer sua dominação de classe. Ela precisava disso, por exemplo, para firmar com sucesso os novos contratos de trabalho.

Marx disse: “O Estado é o comitê executivo da burguesia”. Coloca o Estado como um bloco homogêneo. Ao contrário do que Marx gostaria, o Estado nunca esteve tão forte; ele se adaptou às evoluções do sistema capitalista praticamente em todo o mundo ocidental.

Nicos Poulantzas: sociólogo político marxista greco-francês que apresenta um conceito de Estado que a professora gosta, apesar de deixar claro que não é mais exata: “O Estado é a condensação de uma relação de forças entre classes e frações de classe”, em sua obra “As Classes Sociais do Capitalismo de Hoje”. Segundo o conceito, a classe dominante não é homogênea; ela se compõe de frações de capital: burguesia agrária, burguesia comercial, burguesia comercial e outras. Os interesses são muitas vezes idênticos, mas muitas vezes contraditórios, também. Hoje em dia, no Brasil, o capital financeiro é hegemônico em relação às outras formas de capital. O poder se concentra nos aparelhos do Estado, mas este não exerce sua dominação apenas através de seus meios repressivos, como a polícia e a justiça, mas também por meio dos mecanismos de reprodução da ideologia. São eles: escolas, família, igrejas, partidos políticos e meios de comunicação.

No Brasil, há uma fração da classe dominante que controla o setor energético, outra que controla o setor agrário, outra que controla os transportes e também aquela que está por trás das comunicações. É por isso que há a acirrada disputa entre partidos pelo controle de tais setores, que, na prática do troca-troca, buscam a nomeação de presidentes e diretores dos órgãos correspondentes. O poder está, aqui, cada vez mais concentrado nas mãos do executivo, que faz o papel do legislativo através do uso de medidas provisórias; o legislativo propriamente dito nada faz. Existe, entretanto, espaço para o atendimento das demandas das demais frações. Exemplo: formação de alianças entre setores da produção. O atendimento das reivindicações acaba por reiterar e conferir ainda mais legitimidade à ideia de que o Estado é o representante de todos.

Um ponto importante: compreensão dos pontos comuns entre cultura e ideologia.

Devemos pensar na realidade em função das ideias e vice-versa.

Crítica ao conceito marxista de ideologia: Marx submete tudo aquilo que é simbólico ao econômico, como se tudo fosse mera reprodução das relações de dominação. Na verdade, também existe espaço para a ideologia dos dominados.

Para finalizar: qualquer dos conceitos representa, no final das contas, as ideias que os homens fazem sobre as sociedades que eles vivem. Não quer dizer que elas expressem de forma correta as relações que existem entre os indivíduos.

Antonio Gramsci, autor de “Cadernos do Cárcere”, ficou preso um tempo, sob a acusação de suposto envolvimento na tentativa de assassinato de Mussolini poucos dias antes de sua prisão em 9 de novembro de 1926. Ele era marxista, mas ironicamente criticava Marx. Fez uma revisão das ideias de Marx sobre a tomada do poder através da revolução. Gramsci defendia o convencimento, como, por exemplo, na atuação dos partidos políticos.

A ideologia da classe operaria seria uma ideologia orgânica porque teria essa capacidade de revolucionar, de transformar a sociedade: seria a hegemonia de Gramsci.