Direito Internacional Privado

sexta-feira, 1º de junho de 2012

Arbitragem internacional


Para chegar aqui, temos que falar primeiro de arbitragem doméstica. Alguns autores falam em “meio não litigioso para resolver controvérsias”. Cuidado. Essa classificação pode ser aceita se entendermos a litigiosidade de maneira bastante restrita. Se equipararmos a poder jurisdicional do Estado para resolver uma contenda, então podemos usar essa denominação. Mas é mais seguro falar em meios tradicionais e alternativos de resolver controvérsias, e a arbitragem é um desses meios.

Isso já sabemos: procedimento judicial. Mas aprendemos pouco a parte de meios não litigiosos. Nos meios alternativos, encontraremos a conciliação, mediação e arbitragem como meios de solução de litígios.

Qual é a diferença entre conciliação e mediação? Na mediação, o bom mediador é um bom perguntador. Digamos que eu tenha um problema com alguém. Ele não dirá qual a solução, mas pergunta o que as partes acham, e então se compõe uma solução entre elas. O mediador tem que ser muito habilidoso, porque tem que fundamentalmente perguntar. Para alguns, a mediação usa da maiêutica, o método socrático de, através de perguntas, fazer o interlocutor chegar à verdade por ele mesmo. É um método no qual o mediador tem essa atuação no sentido de induzir as partes de refletirem sobre si mesmas.

O conciliador, por sua vez, propõe a solução.

E o que caracteriza a arbitragem, fundamentalmente? O árbitro é muito parecido com o juiz. Suas funções são parecidas. Normalmente os árbitros são especialistas na matéria discutida. Exemplo: contratos de fornecimento de aço para a Europa. Há os que são especialistas no mercado de aço. Mas a diferença entre o Poder Judiciário e a arbitragem é que o árbitro é um agente privado. No procedimento judicial, o juiz togado é um agente público do Estado. Essa é uma diferença fundamental. O tribunal arbitral é um órgão privado. Não estamos falando de arbitragem entre estados, que é outra coisa. Estamos falando tipicamente de empresas. Elas são os maiores usuários da arbitragem.

Características da arbitragem

O procedimento arbitral é privado, enquanto o judicial é publico. Naquele, só as partes têm acesso. Que outras características gerais? Maior celeridade da arbitragem, se comparada ao procedimento judicial. Normalmente a arbitragem se resolve em seis meses. É célere, rápida, porque advém da própria especialização dos árbitros. Outra característica: flexibilidade. Vamos ver mais à frente, mas basicamente significa que as partes estão livres para escolher o Direito Processual aplicável, que são os procedimentos aplicáveis, se haverá possibilidade de recurso ou não, o prazo para apresentar provas, o prazo para contestar. Normalmente, os órgãos arbitrais colocam as regras de procedimento que eles adotam. É como se cada órgão arbitral tivesse seu próprio CPC. Não só em termos processuais, mas também em termos materiais. Qual Direito Material aplicar? As partes é quem decidem. Princípio básico da arbitragem é a autonomia das vontades das partes. Se foram as partes que decidiram, então não cabe a mais ninguém discutir.

Outra característica fundamental é que a arbitragem está limitada a direitos patrimoniais disponíveis.

Por lei, a arbitragem tem um prazo para ser proferida, também. Inclusive há nulidade se a sentença arbitral não for proferida em determinado prazo.

Vamos ver uma definição de arbitragem: meio de solução de litígios que permite a utilização do Direito, adaptando-se às necessidades dos atores envolvidos, por meio de mecanismos não estatais. Segundo Nadia de Araujo, a arbitragem internacional deve envolver relação jurídica subjetivamente internacional. Notem: o conceito nada mais é que uma composição desses elementos que acabamos de discutir. A segunda parte dessa definição, em que fazemos referência à autora Nadia de Araujo é que temos que entender um pouco mais. A arbitragem internacional pressupõe que haja uma relação jurídica subjetivamente internacional. Em outras palavras, tem que haver um elemento estrangeiro na relação arbitral para que seja considerada uma arbitragem internacional. E, mais importante, que as partes tenham domicílios em países diferentes. Exemplo: uma empresa brasileira com problemas com uma empresa mexicana. Estão em litigio, e resolveram submeter o conflito à arbitragem. Do ponto de vista da doutrina, uma coisa é a arbitragem internacional, e outra coisa é uma sentença arbitral estrangeira. Em outras palavras, uma arbitragem internacional nem sempre resultará em uma sentença arbitral estrangeira, porque podemos ter uma arbitragem internacional, com uma empresa no Brasil e outra no México que acordam submeter a causa a uma câmara arbitral no Brasil, e a sentença arbitral será brasileira, e não internacional. O conceito de sentença arbitral estrangeira é mais técnico, que está na lei. É mais restrito. Toda sentença arbitral estrangeira faz parte de uma arbitragem internacional, mas nem toda arbitragem internacional resulta numa sentença arbitral estrangeira.

Muito bem.

Histórico da arbitragem

E quando é que surgiu a arbitragem, como se desenvolveu? Vamos falar de história. Hoje estamos bastante documentados com a informação de que a arbitragem surgiu no Direito Romano. Sim, ali havia arbitragem. Antes do procedimento judicial, o que tínhamos era um duplo procedimento, um chamado in jure, e outro chamado apud judicium. Antes, presidia o pretor; depois, o árbitro. Encontraremos que o pretor não julgava, mas preparava o caso e a forma, os parâmetros que o árbitro utilizaria posteriormente para julgar o caso. O pretor, que seria equivalente ao juiz togado, seria somente o preparador, e o árbitro era um agente privado. Em algum momento da história do Direito Romano a função do árbitro foi assumida pelo pretor. E aí temos o desenvolvimento do Direito Processual Civil Romano. Por algum motivo, a função do árbitro foi absorvida pelo pretor mais na frente. Cuidado, essa é a arbitragem privada. Arbitragem entre estados, como já falamos, é outra coisa. Provavelmente começou entre Esparta e Atenas, que não eram cidades do mesmo Estado, mas cidades-Estado.

Na Alta Idade Média, a arbitragem sofre um retrocesso, porque a figura do árbitro foi absorvida pelo pretor ainda no Império Romano; só no tempo da Baixa Idade Média o comércio internacional começou a demandar a figura do árbitro. A justiça oficial não era eficiente para as questões mercantis, os Estados ainda estavam em formação, tínhamos cidades-Estados, Gênova, Veneza e outros polos comerciais italianos; e aqui houve revigoração da arbitragem.

Na Revolução Francesa, a Constituição Francesa e o Código Civil Francês reconheceram a arbitragem como um direito, consagrado constitucionalmente. O que vocês acham que estava por trás? Liberdade! “Estado, não interfira em minha vida quando você não for chamado. Se quero resolver meu problema por arbitragem, então você não tem que se meter.”

Principalmente depois da segunda guerra mundial, a arbitragem ganhou bastante impulso, porque aqui estamos já falando de globalização, mercados integrados, multinacionais, agentes econômicos internacionais, e são todos esses atores que movem a arbitragem.

É importantíssimo que leiamos o livro A Cidade Antiga, de Fustel de Coulanges, já tão mencionado em diversos momentos de todo nosso curso de Direito.

E no Brasil? É interessante notar que o melhor livro sobre arbitragem no Brasil foi escrito por um alemão: Jurgen Samtleben. É interessante porque vamos encontrar previsão lá nas Ordenações Filipinas, de 1603, sobre a arbitragem no Brasil. Não se esqueçam que antes tivemos as Ordenações Manuelinas, e antes destas as Afonsinas. Foi nas Ordenações Filipinas que surgiu o instituto da arbitragem.

Em seguida tivemos a Constituição do Império de 1824: “nas causas cíveis e penais, poderão as partes nomear juízes árbitros.” Penal inclusive! Havia ampla possibilidade do uso de arbitragem no início do século XIX. O Código Comercial de 1850 colocava que nas locações mercantis ou comerciais eram matéria exclusiva de arbitragem. Não poderiam nem ser conhecidas pelo Judiciário. Logo depois essa disposição foi revogada, mas era exclusiva. Houve até uma liberalidade.

Mas houve um posterior retrocesso: o Código Civil de 1916, o Código de Processo Civil de 1939 e o de 1973 deram um tiro na arbitragem. Diziam que o laudo arbitral só valeria se fosse homologado pelo juiz. Parecido com o que houve no Direito Romano antes. O Estado chamou para si a prerrogativa de resolver o litígio, com o resultado de proferir uma sentença que tenha natureza de sentença judicial. O Estado chama para si de novo. E o Brasil começou a andar na contramão, porque o mundo todo estava adotando leis de arbitragem, e o Brasil retrocedendo. Até que depois de muito trabalho foi editada a Lei 9307/1996. A famosa Lei de Arbitragem é recente, e tem 16 anos. É recente. Isso mostra uma série de coisas: sempre houve uma reticência do Judiciário quanto ao instituto. Tanto por corporativismo, quanto pelo temor da perda de importância do juiz dentro de um contexto: como é que um não juiz poderia resolver uma causa com a mesma força de um juiz! “Estão mexendo no meu quintal!” E até tinha fundamento a reclamação; o juiz togado, em tese, teve que fazer um esforço para chegar onde está.

Mas há outra forma de se ver: o que a arbitragem faz é ajudar o Judiciário, porque desentulha as prateleiras das varas!

Palavras de um magistrado de outrora: “em muitos países, em tema de litígios versando sobre direitos patrimoniais disponíveis, contribui eficazmente para desafogar os pretórios, mas no Brasil... Não se tem notícia, ao longo dos anos, de sequer um laudo arbitral devidamente homologado. Juiz há 30 anos, nunca vi um compromisso, judicial ou extrajudicial, e nem tive notícia de nenhum juízo arbitral em andamento...” Esta frase denota a resistência histórica que a classe da magistratura tinha (alguns ainda têm) em relação à arbitragem.

A lei, claro, não resolveu tudo. Depois de editada, foi atacada de inconstitucionalidade. Houve, na realidade, dois episódios que talvez contribuíram para a formação desse descrédito com relação à arbitragem. A primeira delas é com relação à própria constitucionalidade da lei, que vamos voltar já. A segunda questão foi a própria prática que se formou após a lei da arbitragem, na qual muitas pessoas inidôneas passaram a se intitular árbitros, e a oferecer o serviço de maneira muito questionável. Caso famoso do Rio de Janeiro, e aconteceu aqui também em Brasília, segundo uma aluna do professor: Depois da edição da Lei, foram criadas várias câmaras de arbitragem, e várias pessoas, sem idoneidade, criaram “carteirinhas”. Tinham o símbolo da justiça, uma carteira parecida com a do juiz, tarja verde e amarela, a expressão “Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro”, nome da pessoa, e, bem pequeno lá embaixo, “juiz arbitral”. A prática que se formou depois só deixou o Judiciário mais refratário em relação ao instituto. O corporativismo só aumentou. Esse era o segundo fator.

E a questão jurídica, técnica, da inconstitucionalidade da lei? Uma das grandes discussões foi: autonomia das vontades e o da inafastabilidade da jurisdição. Choque de princípios. “A lei é inconstitucional!” – Diziam. A lei não pode afastar da apreciação do Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito. Só em 2001, num caso de homologação de uma sentença arbitral estrangeira que se declarou que a lei não era inconstitucional. Foi a partir de 2001 que tivemos o grande desdobramento da arbitragem no Brasil, com grande número de casos. O caso em que isso foi suficientemente discutido: SE 5206/2001. Resume toda essa discussão:

SE 5206 AgR / EP - ESPANHA

AG.REG.NA SENTENÇA ESTRANGEIRA

Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE

Julgamento: 12/12/2001

Órgão Julgador: Tribunal Pleno

EMENTA: 1.Sentença estrangeira: laudo arbitral que dirimiu conflito entre duas sociedades comerciais sobre direitos inquestionavelmente disponíveis - a existência e o montante de créditos a título de comissão por representação comercial de empresa brasileira no exterior: compromisso firmado pela requerida que, neste processo, presta anuência ao pedido de homologação: ausência de chancela, na origem, de autoridade judiciária ou órgão público equivalente: homologação negada pelo Presidente do STF, nos termos da jurisprudência da Corte, então dominante: agravo regimental a que se dá provimento, por unanimidade, tendo em vista a edição posterior da L. 9.307, de 23.9.96, que dispõe sobre a arbitragem, para que, homologado o laudo, valha no Brasil como título executivo judicial.

2. Laudo arbitral: homologação: Lei da Arbitragem: controle incidental de constitucionalidade e o papel do STF. A constitucionalidade da primeira das inovações da Lei da Arbitragem - a possibilidade de execução específica de compromisso arbitral - não constitui, na espécie, questão prejudicial da homologação do laudo estrangeiro; a essa interessa apenas, como premissa, a extinção, no direito interno, da homologação judicial do laudo (arts. 18 e 31), e sua conseqüente dispensa, na origem, como requisito de reconhecimento, no Brasil, de sentença arbitral estrangeira (art. 35). A completa assimilação, no direito interno, da decisão arbitral à decisão judicial, pela nova Lei de Arbitragem, já bastaria, a rigor, para autorizar a homologação, no Brasil, do laudo arbitral estrangeiro, independentemente de sua prévia homologação pela Justiça do país de origem. Ainda que não seja essencial à solução do caso concreto, não pode o Tribunal - dado o seu papel de "guarda da Constituição" - se furtar a enfrentar o problema de constitucionalidade suscitado incidentemente (v.g. MS 20.505, Néri).

3. Lei de Arbitragem (L. 9.307/96): constitucionalidade, em tese, do juízo arbitral; discussão incidental da constitucionalidade de vários dos tópicos da nova lei, especialmente acerca da compatibilidade, ou não, entre a execução judicial específica para a solução de futuros conflitos da cláusula compromissória e a garantia constitucional da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário (CF, art. 5º, XXXV). Constitucionalidade declarada pelo plenário, considerando o Tribunal, por maioria de votos, que a manifestação de vontade da parte na cláusula compromissória, quando da celebração do contrato, e a permissão legal dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar o compromisso não ofendem o artigo 5º, XXXV, da CF. Votos vencidos, em parte - incluído o do relator - que entendiam inconstitucionais a cláusula compromissória - dada a indeterminação de seu objeto - e a possibilidade de a outra parte, havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, recorrer ao Poder Judiciário para compelir a parte recalcitrante a firmar o compromisso, e, conseqüentemente, declaravam a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei 9.307/96 (art. 6º, parág. único; 7º e seus parágrafos e, no art. 41, das novas redações atribuídas ao art. 267, VII e art. 301, inciso IX do C. Pr. Civil; e art. 42), por violação da garantia da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário. Constitucionalidade - aí por decisão unânime, dos dispositivos da Lei de Arbitragem que prescrevem a irrecorribilidade (art. 18) e os efeitos de decisão judiciária da sentença arbitral (art. 31).

E a Lei de Arbitragem? Viola o princípio da inafastabilidade da jurisdição ou não? Manifestando-se, a Procuradoria-Geral da República: tocou, entre outros, no seguinte ponto: se a sentença arbitral for viciada ou contiver os mesmos vícios da sentença judicial que pode ser combatida por ação rescisória, a sentença arbitral também poderá ser discutida! Não é uma inafastabilidade do Judiciário sobre o procedimento arbitral. O Judiciário fica ali, no resguardo. Mas se as partes, dentro da autonomia de suas vontades, sobre direitos patrimoniais disponíveis, resolverem compor o conflito na arbitragem, o que o Estado tem que ver com isso? Se formos atrás de estatísticas de causas que efetivamente chegam ao Judiciário, elas são estimadas em menos de 5%. Se temos 100 casos que podem ser levados ao Judiciário, normalmente só 5 são levados ao Judiciário. Ou porque as partes conciliam, ou porque as partes mediam, ou porque usam a arbitragem. Poucos vão a juízo. Mas esses 5 para cada 100 ainda são muita coisa. Se todos levassem ao Judiciário, aí que o sistema não funcionaria de forma alguma.

A arbitragem é complementar e ajuda o Judiciário!

Cuidado: somos formados muito com o viés contencioso. Temos que saber de processo, de recurso! Sempre pensamos no litígio como a solução. Às vezes o litígio não é a solução, pode inclusive ser a pior delas! Há processos que ficam 10 anos rodando em nossas vidas. A figura do advogado jurista tem que atuar, também, no sentido de evitar que se chegue ao processo. Principalmente o advogado empresarial. Pode custar caro. O que se prefere pagar? Uma arbitragem que vai custar um milhão, que irá durar seis meses, ou R$ 500 mil num processo judicial que irá durar 10 anos? É melhor gastar o milhão. 500 mil em 10 anos se transformam num montante muito maior que um milhão. Tempo é dinheiro!

Questões relativas à lei de arbitragem

Vejam o art. 3º da Lei de Arbitragem, a Lei 9307/1996:

Art. 3º As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.

Vocês vão encontrar essas terminologias e logo saberão que convenção arbitral é gênero. Sendo gênero, ela possui duas espécies: uma é a cláusula compromissória e outra é o compromisso arbitral. A cláusula compromissória e o compromisso são espécies. Qual a diferença? Se entendermos a diferença, saberemos que normalmente, para que tenhamos a arbitragem, precisaremos ter um compromisso. O compromisso arbitral nada mais é que um documento assinado entre as partes, contendo o nome delas, a causa em discussão, o juízo arbitral, qual órgão que irá julgar, o direito aplicado e qual o procedimento a ser utilizado, além de outras informações. Isso é o compromisso arbitral, que é submetido à arbitragem. Os termos de referência do compromisso arbitral são submetidos à arbitragem. Uma cláusula arbitral é simplesmente uma cláusula em que, antes de o litígio ser formado, permite que se institua a arbitragem.

Suponha que o problema ocorre em determinado dia. Normalmente, quando ocorre o problema, poderemos ter no contrato uma cláusula arbitral, em que as partes concordam em submeter o conflito à arbitragem. Não diz nada do procedimento, qual a causa. Diz simplesmente: “as partes já qualificadas acordam ou convencionam que, num eventual controvérsia, esta será submetida ao compromisso arbitral.” É uma simples menção.

Agora notem: depois que a cláusula foi assinada, para que tenhamos efetivamente o juízo arbitral, precisaremos do compromisso arbitral, onde estarão os termos de referência da arbitragem. A cláusula arbitral vem antes do litígio, e o compromisso arbitral é contemporâneo ao litígio. É o que se diz ao árbitro: a causa, quem são as partes, o direito e o procedimento ao juízo arbitral.

“Ah, e se eu assinei a cláusula arbitral e acontece o litígio, mas eu me recuso a firmar o compromisso!” Vocês verão que a própria LA prevê que, se uma das partes assinou sem vícios e se nega depois a firmar o compromisso, ela poderá ser compelida judicialmente para que assine o compromisso arbitral. Isso não é inconstitucional e já foi discutido no Supremo. Se você assinou ali e não houve vício, você acabou de submeter eventual litígio referente àquele contrato à arbitragem.

E se as partes, de comum acordo, resolvem cancelar? Claro que podem fazê-lo se quiserem, porque isso está dentro da autonomia das vontades. Mas é necessária a concordância das duas. Se você cancela a cláusula arbitral depois por nova convenção, não tem problema nenhum. Desde que ambas concordem.

E as ARTs? As Anotações de Responsabilidade Técnica são declarações assinadas por engenheiros numa obra em que atestam que foram os responsáveis pelo cálculo estrutural daquele prédio. Essa ART é nevada ao CREA para registro. Se algo vier abaixo, já se sabe quem responsabilizar. No corpo desse documento, que na verdade é também um termo de compromisso, no qual há uma cláusula dizendo que “os subscritores declinam à arbitragem a resolução de qualquer litígio que advier desta atividade.” A ART é utilizada muito para fins de currículo, até para que o jovem engenheiro tenha um portfolio no futuro. E muitos assinam sem sequer saber o que é arbitragem. O que acontece neste caso?

Temos que pensar em duas coisas: não é defeso arguir o desconhecimento da lei. Até aonde se pode chegar aqui é, principalmente, em cláusulas de arbitragem em contratos de adesão envolvendo o consumidor. Na proposta de reforma do Código de Processo Civil existe uma previsão expressa de que cláusulas de arbitragem em contratos de adesão serão nulas. Em contratos de adesão temos bons motivos para contrabalancear outros princípios, inclusive o da hipossuficiência. Na relação privada entre empresas, com agentes não hipossuficientes, o argumento encontra uma guarida bem menor. E também na relação entre construtora ou tomadora de serviços e o engenheiro, que não é um consumidor; na verdade, ele é exatamente aquele que não tem vulnerabilidade técnica. Portanto, o que resta é não assinar a cláusula arbitral, ou recusar-se a assinar a ART, se quiser.

Outro ponto, outro limite à arbitragem: como colocamos, a arbitragem serve para direitos patrimoniais disponíveis apenas. Encontraremos no art. 1º da LA:

Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

A arbitragem se calca em direitos patrimoniais disponíveis. Também é um conceito aberto, mas é mais fácil pensarmos em coisas que não são direitos patrimoniais para sabermos o que está relacionado. Guarda de crianças, por exemplo. Não é direito patrimonial disponível. Significa que 99,9% dos casos de arbitragem são levados por empresas em matérias cíveis em contratos.

Procedimentos e direito aplicável: aqui também é ampla a autonomia das vontades. § 1º do art. 2º:

Art. 2º A arbitragem poderá ser de direito ou de eqüidade, a critério das partes.

§ 1º Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública.

[...]

Como se pode dar a arbitragem? Autonomia das vontades. Tanto em termos processuais quanto materiais. Vamos dar um exemplo claro para entendermos: uma empresa brasileira com uma empresa mexicana. Imaginemos que a brasileira vende bens para a mexicana, e que esse contrato de fornecimento de produtos entre as duas foi celebrado no México. Certo. Em algum momento dessa relação contratual houve um problema. Temos o juízo arbitral e o juízo estatal. Imaginem que não havia uma cláusula arbitral e que essa demanda foi para o Judiciário. Qual será a lei processual que seguirá, imaginando que essa ação tenha sido proposta no Brasil? A lei processual brasileira. Qual Direito Material será aplicado? O Direito material mexicano, porque o contrato foi assinado lá. Lex loci celebrationis. Digamos, claro, que não houve impedimentos de ordem pública, de bons costumes, da moral ou da soberania nacional.

Digamos que veio à arbitragem. Qual Direito Processual a ser seguido? Quais procedimentos a serem adotados pela câmara arbitral? O que as partes acordarem! Qual será o direito material a ser aplicado? O que as partes escolherem, também. Notaram a diferença? Na jurisdição estatal, as partes estão engessadas. Há o procedimento estatal e o procedimento arbitral.

Muitas vezes o equivalente à lei processual, qual a regra procedimental que se aplicará, os próprios órgãos de arbitragem é que dispõem. “Regras de arbitragem da câmara de arbitragem tal”. Apresentação de provas é feita desse jeito, depoimento das partes é assim, comunicação dos atos é assim, e assim por diante. As partes podem resolver por limitar a apresentação de provas, por exemplo. Dependerá do órgão.

E o Direito Material? Pode ser até o Direito Japonês! É problema das partes, e o Estado brasileiro (ou o Estado que for) não deve interferir.

E a força obrigatória? Art. 31 da Lei. Qual o resultado da arbitragem?

Art. 31. A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo.

A sentença arbitral, ou laudo arbitral, que são sinônimos, produzem um laudo com força de título executivo judicial. Judicial, e não extrajudicial. Art. 475-N, inciso VII do Código de Processo Civil:

Art. 475-N. São títulos executivos judiciais:

[...]

IV – a sentença arbitral;

[...]

Mas como assim? O árbitro pode emitir sentença, esse agente privado? Sim! Se a parte se recusar, a outra executará. Aí sim ela vai ao Judiciário, porque a fase executória é privativa do Estado, porque há atos coercitivos. Órgão arbitral não pode fazer, por exemplo, penhora.

Pronome de tratamento para se dirigir a um árbitro: sem paranoia com relação a isso. Não há tratamento tradicional.

Homologação de sentença arbitral estrangeira

Atenção agora: sentenças arbitrais estrangeiras. O que define uma sentença arbitral como estrangeira? Art. 34, parágrafo único da LA:

Art. 34. A sentença arbitral estrangeira será reconhecida ou executada no Brasil de conformidade com os tratados internacionais com eficácia no ordenamento interno e, na sua ausência, estritamente de acordo com os termos desta Lei.

Parágrafo único. Considera-se sentença arbitral estrangeira a que tenha sido proferida fora do território nacional.

Fora do território nacional. Se é proferida fora do Brasil, ela é sentença arbitral estrangeira. O critério para se definir uma SAE é o critério territorial. E qual a consequência disso? Se temos uma SAE, precisaremos de quê? Homologação. Do mesmo modo que precisamos da homologação de sentença estrangeira proferida por um órgão do Poder Judiciário lá de fora. A SAE também precisa passar por homologação. É muito mais da coerência: se a sentença estrangeira passou pelo crivo do Judiciário brasileiro para a homologação, também se exige que a SAE passe. Notem: quando falamos em homologação, falamos em homologação no Brasil. Havia uma discussão antes: precisava ser homologada na justiça no estrangeiro e depois aqui? Não é isso. Pode ser homologada aqui diretamente depois de proferida pelo órgão arbitral estrangeiro. Depois olhem a homologação, nos arts. 38 e 39, com essa definição essencial. Definição técnica: se foi proferida fora do Brasil, ela é uma sentença arbitral estrangeira e tem que ser homologada aqui.

Art. 38. Somente poderá ser negada a homologação para o reconhecimento ou execução de sentença arbitral estrangeira, quando o réu demonstrar que:

I - as partes na convenção de arbitragem eram incapazes;

II - a convenção de arbitragem não era válida segundo a lei à qual as partes a submeteram, ou, na falta de indicação, em virtude da lei do país onde a sentença arbitral foi proferida;

III - não foi notificado da designação do árbitro ou do procedimento de arbitragem, ou tenha sido violado o princípio do contraditório, impossibilitando a ampla defesa;

IV - a sentença arbitral foi proferida fora dos limites da convenção de arbitragem, e não foi possível separar a parte excedente daquela submetida à arbitragem;

V - a instituição da arbitragem não está de acordo com o compromisso arbitral ou cláusula compromissória;

VI - a sentença arbitral não se tenha, ainda, tornado obrigatória para as partes, tenha sido anulada, ou, ainda, tenha sido suspensa por órgão judicial do país onde a sentença arbitral for prolatada.

Art. 39. Também será denegada a homologação para o reconhecimento ou execução da sentença arbitral estrangeira, se o Supremo Tribunal Federal constatar que:

I - segundo a lei brasileira, o objeto do litígio não é suscetível de ser resolvido por arbitragem;

II - a decisão ofende a ordem pública nacional.

Parágrafo único. Não será considerada ofensa à ordem pública nacional a efetivação da citação da parte residente ou domiciliada no Brasil, nos moldes da convenção de arbitragem ou da lei processual do país onde se realizou a arbitragem, admitindo-se, inclusive, a citação postal com prova inequívoca de recebimento, desde que assegure à parte brasileira tempo hábil para o exercício do direito de defesa.

E a sentença que não foi homologada no estrangeiro? Não foi homologada na origem, então provavelmente será contestada aqui porque não chegou nem a ser um título executivo judicial. É defensável. Uma das convenções que regem a arbitragem internacional visam a eliminar o procedimento de homologação em sua própria justiça. Convenção de Nova York sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, de 1958.

Dois órgãos são bastante conhecidos por fazerem arbitragem: Câmara de Comércio Internacional, com sede em Paris, promovendo arbitragens há 90 anos. E a AAA, Associação Americana de Arbitragem, com mais de 50 mil árbitros cadastrados. Não confundir com AA. Problema em contrato de fornecimento de medicamento que precisa da enzima K4947, e aqui sobreveio um problema sobre reação dela com o ácido butil-propanoico-fenoico (C13H19O2), etc. A Câmara de Comércio Internacional faz em média 5 mil arbitragens por ano. Todas acima de um milhão de dólares.

Outro ponto que chamamos atenção é o caso recente: a Câmara de Comércio Internacional tem filial em vários países, inclusive no Brasil. A CCI de Paris tem uma filial aqui no Brasil. Houve um caso entre duas empresas brasileiras que submeteram o conflito à arbitragem na Câmara de Comércio Internacional no Brasil, e a sentença foi homologada aqui. A Câmara de Comércio é Internacional. Precisa de homologação? Não! O critério é territorial. O caso subiu até o Supremo. Foi grande a confusão. O que precisa de homologação é a decisão proferida fora do Brasil.

Notem que a maioria dos procedimentos arbitrais são irrecorríveis. Na Câmara de Comércio Internacional há um procedimento de recurso, se as partes quiserem. O que as partes querem é resolver o problema, e não querem recorrer. Querem é o parecer de especialistas. Depende do órgão arbitral e do que as partes convencionarem. Pensem sempre nisso: o que rege é a autonomia das vontades das partes.

Vamos seguir.

Com relação ainda a essa parte mais internacional da arbitragem, temos algumas convenções que o Brasil ratificou e colocou em seu ordenamento jurídico. Notem mais o aspecto temporal. A Convenção de NY é de 1958. As convenções da OEA são da década de 70. O que podemos inferir disso? Houve resistência brasileira com relação aos institutos. Colocou em vigor depois que houve uma lei de arbitragem. Decreto 1902/9, que “Promulga a Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional, de 30 de janeiro de 1975”, e houve também o Decreto 2411/97, que “Promulga a Convenção Interamericana sobre Eficácia Extraterritorial das Sentenças e Laudos Arbitrais Estrangeiros, concluída em Montevidéu em 8 de maio de 1979.”

Acordo sobre Arbitragem Comercial Internacional do Mercosul, de 2000, teve regulamentação em 2003, com o Decreto 4719.

Casos concretos

SEC 633 / EX. SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA. 2011/0072243-3

(...)

II - A atuação jurisdicional do e. STJ no processo de homologação de sentença arbitral estrangeira encontra balizas nos artigos 38 e 39 da Lei de Arbitragem (...). Se não houver transgressão aos bons costumes, à soberania nacional e à ordem pública, não se discute a relação de direito material subjacente à sentença arbitral. III - In casu, verifica-se a existência de contrato assinado pelas partes com cláusula compromissória. Sem embargo, no âmbito de processo de homologação de sentença arbitral estrangeira, é inviável a análise da natureza do contrato a ela vinculado, para fins de caracterizá-lo como contrato de adesão. Precedente do e. STF.

IV - Não há inexistência de notificação e cerceamento de defesa "ante a comprovação de que o requerido foi comunicado acerca do início do procedimento de arbitragem, bem como dos atos ali realizados, tanto por meio das empresas de serviços de courier, como também, correio eletrônico e fax" (...)

V - "A propositura de ação, no Brasil, discutindo a validade de cláusula arbitral porque inserida, sem destaque, em contrato de adesão, não impede a homologação de sentença arbitral estrangeira que, em procedimento instaurado de acordo com essa cláusula, reputou-a válida" (...)

VI - Constatada a presença dos requisitos indispensáveis à homologação da sentença estrangeira (Resolução n. º 9/STJ, arts. 5º e 6º), é de se deferir o pedido. Sentença Arbitral homologada.

A competência é mesma da homologação de sentença estrangeira judicial. STF, depois STJ. Consta “STF” na Lei, que é de 96. Só com a Emenda Constitucional nº 45 de 2004 que mudou a competência.

A parte foi “citada” por empresa courier, fax, o que não é um impedimento. E se fosse uma sentença judicial estrangeira? A citação teria que ser pessoal, porque o réu estaria domiciliado no Brasil e precisar-se-ia de carta rogatória. A arbitragem não tem nenhum impedimento. Problema das partes: podem instituir que as comunicações processuais serão por e-mail. Se você acordou dentro de sua autonomia da vontade que você comparecer ao juízo arbitral por e-mail isso é problema seu. E homologa-se! Pior, era de adesão o contrato, mas não precisa ser. O STJ entendeu que era inviável analisar a natureza do contrato. Até a própria ponderação que se faz do juízo delibatório está relativizada no STJ.

Segundo exemplo:

SEC 4933 / EX SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA. 2010/0077791-8

SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA - DISSÍDIO INDIVIDUAL DO TRABALHO EXAMINADO POR ÓRGÃO QUE INTEGRA A JUSTIÇA DO TRABALHO MEXICANA - ACORDO CELEBRADO - RESOLUÇÃO N° 09/2005 DO STJ - HOMOLOGAÇÃO DEFERIDA.

1. Restou demonstrado que a Junta de Conciliação e Arbitragem de Juarez, Chihuahua, integra a Justiça Trabalhista dos Estados Unidos do México, constitui o órgão competente, segundo as leis daquela pessoa jurídica de Direito Público Externo, para examinar os dissídios trabalhistas formados entre empregados e empregadores e não ofende a ordem pública tampouco a soberania nacional.

2. A Lei Federal do Trabalho Mexicana prevê, nos moldes da CLT, etapa conciliatória prévia e resguarda, no processo ordinário realizado perante as Juntas de Conciliação e Arbitragem, o direito ao contraditório e à ampla defesa.

3. Homologação deferida.

Matéria trabalhista! Homologada corretamente, no entendimento do professor. Arbitragem doméstica em matéria trabalhista é altamente discutível.

Semana que vem: exercícios.

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