Direito Internacional Privado

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Exercícios


Hoje vamos resolver alguns problemas como revisão para nossa prova.

Problema 1

“A Parte Brasileira da Diáspora Haitiana: Cerca de 250 haitianos conseguiram entrar, clandestinamente, em Brasileia, pequena cidade do Acre, região onde o Brasil faz fronteira com a Bolívia e o Peru. Com esta proeza, incluíram o país no mapa mundial da diáspora haitiana, presente nos EUA, Canadá, República Dominicana e França. Diáspora é uma palavra grega que significa dispersão em massa, forçada por condições políticas, econômicas ou mesmo climáticas. Cerca de 2,5 milhões entre os 9 milhões de haitianos vivem fora do país, enviando de volta cerca de US$ 1,9 bilhão por ano, um terço do orçamento nacional (...) ‘Não foi fácil chegar até aqui’, diz o professor de inglês Lucien Geln, de Gonaives, uma das cinco maiores cidades do Haiti. Lucien e seu irmão Benjamin tiveram, inicialmente, de economizar US$ 1500 para a travessia irregular até o Brasil, conhecido por todos eles como o país do futebol. (...) Inicialmente, o caso ficou apenas com a Polícia Federal, que manteve os haitianos sob vigilância. (...) O governo do Acre resolveu assumir a alimentação dos haitianos ao mesmo tempo em que a Polícia Federal apressou a documentação para que pudessem seguir viagem pelo país. Brasileia não tem empregos. Alguns já trabalham na construção em Rio Branco e dois técnicos em ar condicionado foram convidados para trabalhar em Rondônia. A Paróquia de Brasileia recebeu vários convites para colocação dos haitianos. Parte deverá seguir para Rondônia, onde serão construídas as hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio. Parte deve se mudar para o interior de São Paulo. Cerca de 80% dos haitianos que deixam seu país são profissionais liberais. Antes do terremoto, o Banco Mundial já chamava a atenção para essa fuga de cérebros e a própria Federação da Diáspora iniciou uma campanha para a volta ao Haiti. No caso brasileiro, a julgar pela centena de haitianos com quem falei, a maioria é pedreiro ou pintor de paredes. Assim mesmo, nunca se sabe se disseram "auxiliar de pedreiro" como uma forma de anunciar que não tinham profissão. Depois da epidemia de cólera no Haiti, a vinda de um grande grupo para o Brasil preocupou o governo, pois é uma doença que tem tempo de incubação. Entretanto, em todos os exames médicos realizados em Brasileia não se registrou nenhum problema.” Fonte: Estado de São Paulo, 17 abril de 2011, p. A19. Adaptado

Do que se trata o problema narrado nesse primeiro texto? Da vinda de haitianos para o Brasil. Sol, praia, futebol, não tem terremoto... é por isso que vieram? Não exatamente; na verdade vieram porque o Haiti estava vivendo a mistura de doenças com terremotos mais Papa e Baby (Papa Doc e Baby Doc, ditadores daquele país). Haiti é um país desgraçado, no sentido de ter sofrido catástrofes naturais e catástrofes humanas. Governos corruptos. Aqui no Brasil a situação não é tão ruim porque temos somente catástrofes humanas (governos corruptos), mas não tanto em catástrofes naturais como naquele pequeno país.

O que está acontecendo então? Essas pessoas estão vindo não somente para o Brasil, mas para qualquer país que não seja o Haiti, em busca de melhores condições de vida. O Haiti é interessante porque o Brasil é quem chefia a missão de paz no Haiti. É um general brasileiro que chefia a MINUSTAH, a Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti. É o Brasil que coordena as pessoas para lá mandadas. Tanto que vários soldados brasileiros também morreram naquele terremoto de 12 de janeiro de 2010. Há três batalhões: um brasileiro, um da Malásia, e um terceiro. Todos sob comando do Brasil, que põe a mão na massa para cuidar dali. É um país problemático o Haiti.

O que é importante percebermos nesse texto aí? Primeiro que não é uma exclusividade do Haiti. Não é somente de lá que estão saindo para vir aqui para o Brasil. Também ocorre com a Bolívia, além de outras regiões ricas, como Espanha, vários outros da Europa, em especial Portugal, além de angolanos e moçambicanos, então o Brasil está realmente recebendo gente de fora. Fato é que esses haitianos entraram. Quando entraram, havia base legal para se deportá-los? Tirando a questão da obrigatoriedade em receber ou não, mas por outro motivo. Mas a falta de visto, a movimentação errada remete a quê? Deportação? Sim, mas qual é a base legal? O Estatuto do Estrangeiro: a deportação depende da entrada ou estada irregular. E entram pelo Acre. E por que resolvem entrar pelo Acre? Porque também é mais fácil entrar pela Bolívia, Colômbia, vindo por terra do Panamá, do que entrar pelo Oceano Atlântico de barquinho, ou pelos aeroportos internacionais, onde se exige documentação. Normalmente o imigrante ilegal vem de jangada, e não pelo Aeroporto Juscelino Kubitschek. E por que não são mandados embora? Política? Vejamos: o que se ponderou, no caso dos haitianos? Há vários motivos. Primeiro é a questão política mesmo. É que o Brasil tem o interesse de ser a força de paz no Haiti. Tem também interesse comercial no Haiti, com várias indústrias têxteis lá, com mão-de-obra menos exigente e também que o Brasil conseguirá exportar, pelo Haiti, entrando no mercado norte-americano, que pratica tarifa de importação zero para países de menor desenvolvimento relativo. E claro, há questões humanitárias também. São vários os fatores envolvidos na tolerância à entrada de 4 mil haitianos aqui. No caso deles, é interessante mesmo, e o Brasil não só permitiu que ficassem, como também colocou todos para trabalhar. Essa mão-de-obra que entrou aqui não é qualificada. Fará trabalho braçal, para construção civil! E o Brasil está precisando de mão-de-obra braçal mesmo. Eles virão para trabalhar como auxiliar de pedreiro. Alguns deles têm qualificação tão baixa que se declaram exatamente auxiliares de pedreiro. E o Brasil precisa dessa mão-de-obra. Por baixo desses argumentos todos há questões econômicas também. Pelo mesmo motivo os Estados Unidos fizeram vista grossa à entrada de mexicanos no território norte-americano durante 30 anos; americanos não querem mais lavar prato ou faxinar banheiros públicos na estação do metrô.

Esses 4 mil haitianos foram regularizados mediante decreto presidencial.

Curiosidade: a língua que se fala no Haiti é o crioulo haitiano, sendo o francês apenas a língua oficial, mas não o idioma que eles usam para se comunicar. É uma mistura de francês com português, espanhol e inglês. Completamente incompreensível. Muitos deles nem falam francês. É como querermos entender um dialeto indígena. Temos um problema então, e o texto é bastante interessante. Há vários fatores para a permissão da entrada deles. Fator político, fator econômico, fator humanitário... a própria questão de política de imigração no Brasil. Lá no Conselho de Imigração, ao tentar regularizar o estrangeiro, peticiona-se para a regularização, desencadeia-se um processo administrativo, um processo ainda bem secreto... mas enfim, o que se olha ao final do pedido de regularização é se a admissão daquele estrangeiro irá atender à política de imigração. Isso é inclusive amparado por um dispositivo do Estatuto do Estrangeiro. É o que essencialmente eles aprovam. Se é médico, então “ah, que bom, estamos precisando de médicos aqui no Brasil.” Se é advogado, “ih, mande de volta, aqui o mercado está saturado.” Basicamente isso. A questão humanitária é talvez vista somente no contexto maior, quando há uma massa de estrangeiros entrando ou pretendendo entrar, mas não quando se analisa individualmente.

E os haitianos vieram a calhar mesmo, porque, mesmo que pensemos que em tese eles viriam para retirar empregos de brasileiros, se formos conversar com quem está fazendo obras, ouviremos que já não se conseguem pedreiros aqui, pelo menos nas capitais brasileiras. A maioria está no Mané Garrincha, outra está em obra pública, caríssima a mão de obra de hoje em dia. Essa é talvez uma das grandes hipocrisias que temos. É como o fenômeno dos mexicanos nos EUA, que assumiram o labor da faxina, da jardinagem, da manutenção elétrica, e também são eles que se envolverão em acidentes de carros, quando conseguirem adquirir carros, e não procurarem a justiça por medo de serem denunciados à autoridade imigratória. Qualquer questão de imigração é muito mais complexa do que parece.

Em suma, havia sim base legal, mas não foram deportados por tudo isso que discutimos. Além de não terem sido deportados, eles foram regularizados.

Vamos ao segundo caso.

Problema 2

Considere os seguintes fatos: “A Polícia Federal (PF) realizou uma megaoperação em 07 de outubro de 2011 para desarticular uma quadrilha formada por integrantes da máfia israelense. De acordo com a PF, a organização criminosa atua no Brasil através da importação irregular de veículos de luxo seminovos, da exploração de máquinas caça-níqueis, do jogo do bicho e outros crimes. Os policiais cumprem 22 mandados de prisão e 119 de busca e apreensão em 14 estados e no Distrito Federal. Os membros da máfia israelense integram uma grande organização conhecida como “Abergil Family” (Clã Abergil), que está envolvida em esquemas ilícitos em diversos países. A PF informou que vai solicitar um bloqueio de bens estimados no valor de R$ 50 milhões. Entre os procurados está o contraventor José Caruzzo Scafura, mais conhecido como Piruinha. Os agentes realizam buscas no bairro da Abolição, na zona norte do Rio, reduto do suspeito.” Fonte IG, RJ, 2011 - adaptado.

Caso Piruinha. O que é? Máfia de Israel. Carros que estavam sendo vendidos para jogadores de futebol, uma confusão com carros importados porque não se pode trazer carros usados; só se podem importar carros zero km, pelo lobby que a indústria automobilística exerce aqui no Brasil. Além das medidas penais cabíveis, por terem os membros do Clã Abergil realizado importações irregulares, estão sujeitos à medida da deportação? Não, porque não é caso de entrada ou estada irregular. O Piruinha pode ser expulso do Brasil? Pode, por conduta incompatível ao interesse e conveniência nacionais. Mas estamos nos esquecendo de uma coisa. Antes disso, qual é o nome do Piruinha? José Caruzzo Scafura. Pode ser brasileiro! Então tomei cuidado, porque o problema fala de máfia israelense, mas em nenhum momento se falou que o Piruinha é israelense. Não sabemos se ele pode ou não ser expulso. Ele até pode ter cometido um crime que ensejasse a expulsão. Podemos responder, somente, no seguinte sentido: “dependerá da nacionalidade do Piruinha”. Assim como Cachoeira pode ser chefe de uma máfia do Paraguai. Aí ele seria chamado de “Cajoera”.

Atentem para isso, portanto: não se pode expulsar brasileiro. Só se pode expulsar brasileiro se naturalizado e se a naturalização for cancelada.

Problema 3

Sobre a competência internacional da justiça brasileira:

- Pode-se de forma geral, dividi-la em competência concorrencial e exclusiva?

- É indiferente a nacionalidade do autor da ação para que se estabeleça competência internacional?

- Sobre forum shopping, trata-se de questão existente apenas nos países de common law, não se observando em casos de DIPr envolvendo uma parte domiciliada no Brasil?

Aqui é uma questão conceitual. Só para a questão de competência, observem alguns pontos. Primeiro é esse aí: essa primeira pergunta. Pode, óbvio. Até ridícula a pergunta. Arts. 88 e 89 do Código de Processo Civil:

Art. 88. É competente a autoridade judiciária brasileira quando:

I - o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil;

II - no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação;

III - a ação se originar de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil.

Parágrafo único. Para o fim do disposto no no I, reputa-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que aqui tiver agência, filial ou sucursal.

Art. 89. Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra:

I - conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil;

II - proceder a inventário e partilha de bens, situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional.

A pergunta mais inteligente é a seguinte: por que é importante fazer essa distinção? Ou melhor, quais as consequências da reserva de competência exclusiva da jurisdição brasileira, no contexto do Direito Internacional Privado? Possibilidade ou não de homologação. O que é exclusivamente reservado para a justiça brasileira não pode ser decidido em outro país, ou melhor, até pode, mas nunca vai produzir efeitos aqui dentro. Por quê? Um eventual pedido de homologação de uma sentença que versa sobre matéria de competência exclusiva, não há outra autoridade competente, pois a competente é só a autoridade judiciária brasileira. Se você reserva para si competência exclusiva para determinados assuntos, qualquer outro país que versar sobre essa matéria e produzir uma decisão, essa decisão não terá efeito no Brasil, ou melhor, o procedimento de homologação dessa sentença estrangeira será indeferido aqui no Brasil. Como consequência, a não produção daqueles efeitos. E também porque é matéria exclusiva. O que o STJ irá delibar, na maioria das vezes, com relação à autoridade competente no juízo de delibação é se é ou não matéria exclusiva da jurisdição brasileira. Se for, então a competência é da justiça brasileira.

Outro ponto importante é o seguinte: a nacionalidade do autor da ação é relevante para nossa discussão sobre a competência internacional da justiça brasileira. Não. Só o domicílio do réu que é importante. O que o CPC fala sobre o domicílio do réu? Diz que, se o réu é domiciliado no Brasil, a justiça brasileira será competente independentemente da nacionalidade do réu. E a nacionalidade do autor? Completamente irrelevante. O que queremos dizer é, se forem preenchidas quaisquer das hipóteses dos arts. 88 e 89 do CPC, é completamente irrelevante a nacionalidade do autor. O que se precisam é dos requisitos nesses dois artigos. A nacionalidade do autor e a nacionalidade do réu não importam desde um dos requisitos sejam preenchidos.

O único detalhe sobre a nacionalidade do autor é que há um dispositivo no Código de Processo Civil que exige que, quando o autor é nacional ou estrangeiro e não tem domicílio no Brasil, exige-se dele uma caução, prevista no art. 835:

Art. 835. O autor, nacional ou estrangeiro, que residir fora do Brasil ou dele se ausentar na pendência da demanda, prestará, nas ações que intentar, caução suficiente às custas e honorários de advogado da parte contrária, se não tiver no Brasil bens imóveis que lhes assegurem o pagamento.

Há uma discussão sobre a constitucionalidade desse dispositivo, e o interessante é que não se exige só do estrangeiro, mas também do brasileiro não residente do Brasil. Curiosidade apenas. Mas do ponto de vista da competência, a nacionalidade não tem influencia nenhuma. É uma questão meramente processual e procedimental.

Outra questão que discutimos é a do forum shopping. O que é o forum shopping? Escolha do foro competente de acordo com a conveniência ou interesses das partes, o que pode ser escolhido no próprio contrato, ou quando não houver previsão, qual é, dentre os foros competentes, o mais adequado, do ponto de vista estratégico, para julgar a lide envolvendo aquela relação jurídica. O importante de se perceber aqui é: você tem um contrato com uma empresa no exterior. Não foi estipulado onde as partes deverão ajuizar a ação em caso de eventual problema, e também suponha que a matéria não seja de competência exclusiva da justiça de nenhum país. Qual é um bom motivo, havendo um problema, ajuizar uma ação aqui no Brasil e não no exterior? Você já está no seu país, você consegue estimar o custo, aqui tem advogados de sua confiança, você sabe como funciona o Judiciário e o ordenamento jurídico daqui. Vários motivos. Outro bom motivo para você, brasileiro, ajuizar não aqui, mas no estrangeiro é que há bens lá fora, o que inclusive será obrigatório, em se tratando de imóveis. Nos outros casos, o que mais importará é a localização dos bens do devedor, o que importa para a hora da execução. Muitas vezes vai-se optar por ingressar diretamente no exterior para que não se tenha que passar pelo procedimento da homologação.

E aqui vamos à terceira pergunta do problema: sobre forum shopping, trata-se de questão existente apenas nos países de common law, não se observando em casos de DIPr envolvendo uma parte domiciliada no Brasil? Esdrúxulo, não? O que são países de common law? Basicamente aqui são países de tradição jurídica oral, que só contemporaneamente foram positivando seus ordenamentos, mas cujo valor do precedente decisório é muito forte. Entretanto, forum shopping está no mundo inteiro.

Problema 4

Considere os seguintes fatos: “Os carros de consulados e organismos internacionais, os chamados ‘placas azuis’, usufruem de privilégios que às vezes se igualam à imunidade garantida aos diplomatas. Como ainda não podem ser multados, os motoristas desses veículos - brasileiros e estrangeiros - abusam das infrações de trânsito. Nas ruas de Brasília e São Paulo, respectivamente a primeira e segunda maior frota desses carros no País, é comum vê-los furando sinais vermelhos, trafegando em corredores de ônibus e, principalmente, estacionados em locais proibidos. Para tentar acabar com a impunidade, o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) aprovou em julho a resolução 286, que prevê novo sistema de emplacamento para carros de organismos internacionais, embaixadas e consulados. A nova regra, que entra em vigor em 1º de janeiro, também determina que esses veículos sejam cadastrados no Registro Nacional de Veículos Automotores (Renavam). Com isso, poderão ser multados, assim como os demais.” Fonte: Estado de São Paulo, 29 de dez. 2008.

Qual é o problema que esse texto aborda? Abuso da imunidade de jurisdição. Por quê? O que esses motoristas de carros de embaixadas e organizações internacionais faziam? Tudo de errado. Furavam sinal, inventavam vagas, fechavam cruzamentos, paravam em cima de faixa de pedestres, daí eram multados e então diziam “não encham meu saco, eu sou imune à sua jurisdição. Não tenho que pagar multa e não tenho que respeitar leis de trânsito de seu país.” E então, eles têm imunidade? Não é que deverão responder por “abuso de direito”, afinal eles têm mesmo imunidade e não é esse o ponto; o ponto é que eles, pela Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, têm que respeitar as leis do país. Ao mesmo tempo que a Convenção prevê a imunidade, ela diz também que os sujeitos da imunidade de jurisdição deverão respeitar as leis locais. Fato é que, na grande maioria das vezes, nunca houve grande respeito por parte dos agentes diplomáticos, consulares, e organismos internacionais. Isso é generalização, claro, sobre questões de trânsito. O que aconteceu é que chegou numa situação absurda, porque as multas nunca eram recolhidas, e chegou-se a um termo de ajuste, em que eles ficaram de pagar as multas, e tivessem seus carros emplacados tais quais os demais mortais, com registro no Detran e tudo mais. Agora pagam as multas, mas qual o incentivo para pagar? Porque é feio mesmo. Não se quer criar um ambiente hostil também. Imaginem que saia na primeira página do jornal no outro dia: “embaixador norte-americano deve 45 mil reais para o Detran de Brasília.” A função deles, que é promover a integração entre os dois países fica, de certa forma, prejudicada. Depois de vários ajustes que foram feitos, portanto, vários passaram a pagar. Os de boa-fé pelo menos. Há o interesse de pagar, porque são representantes daquele país.

Caso nos Estados Unidos: os consulados e embaixadas de determinado grupo de países paravam o trânsito em Nova York com seus carros e criavam um monte de problemas. A polícia ia lá todo dia e multava. E não pagavam nada, sempre alegando imunidade. Um dia, o prefeito disse: “ah é? Não vão pagar não? Está bom.” Esperou que parassem nos mesmos lugares proibidos de antes e ordenou que todos os carros fossem recolhidos e enviados ao pátio. Os reboques pegaram todos, e os representantes dos consulados e embaixadas saíram correndo atrás, dizendo “sou imune! Sou imune!”, e receberam a resposta: “que imunidade que nada, vamos mandar tudo para o pátio.”. O pátio lá é parecido com o do Detran aqui, onde sabemos que os carros não são tratados de uma forma muito cuidadosa. Houve carros com partes quebradas, arranhadas, e os donos dos veículos reclamaram que aquilo era um absurdo, e a resposta foi “não, agora que nós vamos sentar para conversar.” E fizeram a mesma coisa: um termo de ajuste, e resolveram de maneira ótima, porque a partir desse momento nunca mais se parou nas ruas que não eram permitidas.

O prefeito cometeu uma arbitrariedade? Cometeu, e não estamos aprendendo isso aqui. É que é um caso engraçado mesmo, em que as imunidades estavam causando um problema bem grande, até que a população disse “basta”. Fizeram toda esse recolhimento aos pátios. Campeões em abuso: representantes do Kuwait, Nigéria, Indonésia, Marrocos, Brasil, Grécia, Paquistão, China, e o líder Egito, com US$ 1,6 milhão em 15 mil multas.

É engraçado também o seguinte: o professor viu na vida real: você vai a um organismo internacional para um evento. Começam a chegar as delegações dos países. Os carros mais chiques, Mercedes, BMWs pretas e blindadas, série 7, quando você vê a bandeirinha do país você vê que são países pobres. E os carros ostentando as bandeiras dos países mais ricos são simples. Olhem a inversão de valores! Então é batata: os países que não têm dinheiro para dar o mínimo para a população deles chegam com comitivas de quatro, cinco BMWs, todos de países que não têm dinheiro para cair mortos. Enquanto isso os representantes de países ricos, quando não iam com carros normais, iam de bicicleta ou metrô. Visto na pele, todos os dias. O professor até brincava com seu colega de viagem de advinhar qual deveria ser o país daquele carrão que se aproximava: “Zimbábue, talvez.” Região mais pobre do mundo, e aparecem uns caras de terninho liso, com carros de última geração. Governos mais corruptos e de países mais pobres do mundo, ostentando grande riqueza dos que têm poder.

Pergunta: os privilégios dos diplomatas e dos cônsules são iguais? Já falamos disso várias vezes. São diferentes. Relembrem o que estudamos na aula. Outra pergunta importante: qual é o principal objetivo das Convenções sobre Relações Diplomáticas e sobre Relações Consulares? Regular e harmonizar o tratamento aos representantes de outros estados. Não foi feita para resolver problemas entre diplomatas e cônsules, nem para dar carta branca para ninguém; a função precípua é regular a atividade desse agente. A imunidade está dentro desse objeto de regulação, dentre outros, o que se pode, o que não se pode fazer. Em última instância, harmoniza, claro. A maioria dos países adotou essas convenções. Poucos não adotaram. São convenções importantes até para que o país consiga se inserir na comunidade internacional.

Outro detalhe: quando falamos de Convenção de Viena, temos várias convenções celebradas em Viena. Estamos falando da de Relações Consulares. Outra Convenção de Viena é sobre as Relações Diplomáticas. Outra Convenção de Viena é a sobre a Interpretação dos Tratados. Sempre temos que especificar. Há várias delas.

Vamos seguir.

Problema 5

“Entre os problemas tratados como crime na sociedade contemporânea, é possível identificar um numeroso grupo composto por atividades que geram riqueza. Refiro-me à comercialização de produtos proibidos (tráfico de drogas, armas, pessoas, órgãos), ao dano aos cofres públicos (sonegação de impostos, corrupção, desvio de verbas), às fraudes contra entidades públicas e privadas, etc. Como em todas as demais atividades que geram capital, seu destino é o sistema financeiro internacional. No interior deste sistema, a linha que divide o espaço territorial do espaço extraterritorial deixou de existir com a nitidez e o rigor de outros tempos, graças ao desenvolvimento e crescimento dos centros financeiros offshore – capítulo importante da história econômica do século XX – e mais recentemente, graças ao comércio eletrônico, à sofisticação das operações financeiras e às movimentações online de modo geral.” Fonte: REFINETTI (Org.). Lavagem de dinheiro e recuperação de ativos. 2006. p. 101.

A qual tema no contexto do DIPr refere-se o texto? O crime ultrapassa fronteiras? Mas não importa ao DIPr propriamente. Por que esse texto está aí? Tem a ver com a repatriação de recursos remetidos a paraísos fiscais. Isso tem a ver com auxílio direto. O Direito Internacional Privado é assim: a todo o tempo tem questões relacionadas a Direito Internacional Público, Direito Constitucional, Direito Administrativo, ao Direito Penal... se notarmos aqui, temos tráfico de drogas, de órgãos, de armas, desvio de verba, sonegação de impostos e corrupção é tudo matéria penal. Isso está aqui para lembrarmo-nos da discussão que tivemos sobre auxílio direto, que funciona não só em Direito Penal, mas também em problemas cíveis. O Brasil tem vários tratados de auxílio direto, mas em matéria cível. É uma área bastante cinzenta, com institutos se misturando, com vários ramos do Direito se interpolando. Calma, não teremos que saber a autoridade central competente para cada coisa.

Outro ponto para relembrarmos: qual é a principal dificuldade no que tange à cooperação jurídica em relação ao efetivo retorno do dinheiro público aos cofres públicos brasileiros? O personagem que vimos em aula que é notório por este problema é Paulo Maluf. Não é nem o rastreamento e a localização dos bens. E nem a necessidade de devido processo legal para que alguém seja privado dos próprios bens. No final das contas, queremos que o dinheiro seja repatriado. Para repatriar, dependemos não de acordo internacional, nem de boa vontade da outra parte, mas de uma questão jurídica: o trânsito em julgado da sentença condenatória! Você consegue até rastrear e bloquear. Mas pegar o dinheiro, transferir da conta do Sr. Paulo Maluf e transferir para a conta do Tesouro Nacional, código 00001 é muito difícil. Até por causa da recorribilidade ampla que temos no Direito Processual brasileiro. Embargos de declaração ad infinitum, mediante depósito da pequena multinha. A maioria das jurisdições só concede a repatriação efetiva se houver uma sentença condenatória no país de origem que tenha transitado em julgado. Isso sabemos que é um problema pelo menos aqui no Brasil.

Fora isso, nem todos nós estão acompanhando a discussão que está havendo no Congresso Nacional Brasileiro que fala em anistiar os detentores de recursos que estão fora do Brasil, permitindo a repatriação com as consequente extinção das ações que correm contra esses agentes. Um absurdo. Estão tentando passar uma lei que visa a permitir que os recursos que estão no exterior, que são alvo de investigação, sejam repatriados para as contas das pessoas! Inacreditável. E vai passar! O Ministério Público está tão inquieto, já emitiram pareceres, a Associação dos Magistrados também se posicionou contra. Um absurdo feito contra nós. A maior dificuldade, portanto, é o trânsito em julgado. O recurso está penhorado, bloqueado, mas custará a efetivamente ser repatriado.

Outra discussão em curso é sobre tratados que permitiriam a repatriação sem o trânsito em julgado da sentença condenatória. Alguns já perceberam que se dependesse do trânsito em julgado da decisão, será impossível repatriar.

Problema 6

Considere os seguintes fatos: “Em janeiro de 2010, José frequentou um cassino no Canadá e de lá saiu com uma dívida equivalente a R$ 100 mil. José, porém, imaginou que ao retornar ao Brasil estaria a salvo de qualquer cobrança. Após um ano se gabando frente aos amigos de sua ‘esperteza’, José recebeu a visita de um oficial de justiça brasileiro no seu domicílio em Brasília, para proceder a citação referente ao processo de cobrança de dívida ajuízado pelo cassino na justiça canadense. Considere a existência de cooperação jurídica internacional entre Brasil e Canadá para assuntos civis e autoridades centrais definidas. Considere ainda que o cassino solicitou, na Justiça Canadense, que o réu brasileiro fosse citado via carta rogatória no Brasil.”

E esse caso, é o quê? José arrumou uma dívida de jogo no Canadá. Viajou pela Air Canadá, chegou lá, foi para um cassino. Jogou bastante, perdeu bastante, contraiu dívida de cem mil e em seguida disse “bye, bye, Canadá”. Voltou para o Brasil e passou a viver sob um coqueiro, tomando água de coco, lá na Bahia. De repente aparece um oficial de justiça dizendo “você está sendo citado para uma ação que está correndo lá no Canadá contra Vossa Senhoria.” O oficial entrega a carta rogatória ao José. A grande pergunta é: o que aconteceu antes de o oficial de justiça aparecer com a carta para o José, que estava confortável na Bahia? Primeiro, o dono do cassino acionou seu serviço de inteligência particular para determinar o domicílio do José. Ajuizou a ação e, determinando que o réu não estava presente, pediu a expedição de carta rogatória para o Brasil. O juiz canadense provavelmente entrou em contato com a autoridade central canadense, que entrou em contato com a autoridade central brasileira, que entrou em contato com a autoridade judicial brasileira, no caso, o STJ, para fazer o juízo de delibação, que concedeu o exequatur e mandou para o juiz federal, que enviou o oficial de justiça lá. Notaram? Isso tudo que aconteceu.

Carta rogatória passa sim por juízo de delibação. Tomem cuidado, só o pedido passivo! O juízo brasileiro, neste caso, será o juízo rogado. Se fosse o contrário, com um pedido ativo, a carta rogatória não passaria pelo juízo de delibação no STJ. A justiça canadense que faria seu próprio procedimento delibatório. Delibação só na chegada, assim como só se deliba sobre homologação de sentença estrangeira. Sentença brasileira não precisa de delibação, claro.

Segunda pergunta é: numa eventual sentença estrangeira canadense favorável ao cassino, e o estabelecimento quer homologar essa sentença aqui no Brasil, essa sentença poderá ser homologada? Qual passa a ser a discussão? Passa a ser uma bola de cristal já que aprendemos desde cedo que de urna, bunda de neném e cabeça de juiz ninguém sabe o que vai sair. Essa pergunta, portanto, não tem uma resposta. O que temos que notar é a discussão de ordem pública, porque é uma dívida de jogo. A dívidas de jogo não são exigíveis no Brasil (Código Civil, art. 814). Em contrapartida, há a questão da má-fé. Temos uma leve relativização de posicionamento. Antigamente, esse tipo de sentença não era homologado no Brasil com base em ordem pública. Atualmente, tivemos duas sentenças nos últimos três anos nos quais se condenou por cima da ordem pública fundando-se na boa-fé, e as sentenças foram homologadas. Dívidas de cassino, inclusive.

Para fechar: arbitragem.

Problema 7

“Desde que a Lei de Arbitragem (Lei 9.307) foi publicada em 1996, é o Judiciário que vem cumprindo o papel de legitimar sua aplicação. O primeiro passo nesse sentido foi a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 2001. Com a lei referendada, a tarefa de solucionar as dúvidas decorrentes de seu uso foi transferida ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). O STJ assumiu a tarefa com extraordinária felicidade, e vem proferindo decisões construtivas favoráveis à arbitragem, entendendo que ela é necessária e indispensável ao futuro do país", afirma o professor Arnoldo Wald, vice-presidente do Comitê Brasileiro da Câmara de Comércio Internacional (CCI), com sede em Paris, instituição pioneira no mundo inteiro na solução de controvérsias comerciais. Em um de seus principais "leading cases" sobre arbitragem, o STJ reconheceu a validade da cláusula compromissória - instrumento de contrato pelo qual as partes se comprometem a submeter eventuais conflitos a esse método de solução de controvérsias. A dúvida era: quando um contrato tiver uma cláusula compromissória, a discussão poderá ser levada, alternativamente, ao Judiciário? Em 2003, a 3ª Turma do STJ decidiu que não, ao analisar um processo que ficou conhecido como "caso Americel". O julgamento definiu que, se houver cláusula compromissória em contrato, uma parte não pode desistir da arbitragem e entrar na Justiça. A ação havia sido proposta por oito representantes de telefonia celular contra a Americel, operadora da região Centro-Oeste. Elas tentavam instaurar um procedimento de arbitragem alegando que a Americel teria descumprido o contrato de representação. Mas a operadora se negou a comparecer a uma câmara de arbitragem do Distrito Federal e recorreu ao Judiciário. A 3ª Turma do STJ entendeu que o assunto deveria ser necessariamente resolvido pela arbitragem, já que os contratos discutidos tinham cláusulas compromissórias. Mesmo sem caráter vinculante, o entendimento passou a servir de parâmetro para magistrados de primeira e segunda instância.” Autor(es): Maíra Magro. Valor Econômico - 01/12/2011.

Características da arbitragem: feita por órgão privado, elegibilidade como meio da solução do conflito, flexibilidade, celeridade, privacidade, e o princípio maior é autonomia das vontades das partes. É a pedra angular da arbitragem. São essas as características gerais, entre outras.

O que foi discutido em 2001, e que de outra forma apareceu também em 2003, o Judiciário se manifestou sobre a constitucionalidade da Lei de Arbitragem. O principal questionamento era quanto ao princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário. Em 2001 isso foi superado, e em 2003 veio outra discussão sobre a cláusula compromissória. Fato hoje é que o instrumento está bastante assentado. Se for discutir algo sobre arbitragem, dificilmente será sobre a constitucionalidade da Lei 9307/96. Podemos discutir, por exemplo, se os árbitros eram corruptos. Mas essa é outra questão, da mesma forma que uma sentença judicial pode ser anulada se a parte provar que o juiz for corrupto. Ação rescisória. É uma situação bastante próxima. A sentença arbitral pode ser contestada sim, nos mesmos moldes em que uma sentença judicial pode ser anulada.

Então vejam: o que é importante notarmos é que a arbitragem vem se firmando e existem vários órgãos de arbitragem com bastante credibilidade, tanto para arbitragem doméstica quanto internacional. A credibilidade desses órgãos decorre do tempo que esses órgãos fazem arbitragem, e da própria qualidade das sentenças. Dificilmente duas empresas grandes irão escolher uma câmara arbitral que acabou de ser criada. A não ser que ela conte com ex-juízes, ex-professores que tenham muito conhecimento e tenham acabado de montar a câmara. Mas normalmente elas constroem uma reputação. Nós mesmo podemos montar uma no semestre que vem: Câmara de Arbitragem dos Ex-Alunos do CEUB. Podem criar isso? Não é um órgão privado? Claro que podemos, até mesmo a Câmara Arbitral do Leozão. Mas quem fiscaliza? O próprio mercado! Dificilmente a câmara que acabou de ser criada irá fazer arbitragens todos os dias. Será aos pouquinhos, terá que construir sua reputação no mercado, até que as pessoas se sintam confiantes até recorrer à Câmara Arbitral do Leozão para uma determinada contenda.

notasdeaula.orgotasdeaula.org