O professor deixou um material no SGI na semana passada. Acessem! Vamos fazer sempre assim. Quase sempre na segunda-feira ele deixará coisas novas.
Vamos entrar efetivamente na matéria hoje. Vamos ver vários exemplos e uma contextualização histórica da disciplina do Direito Internacional Privado. Nada mais é que o texto que o professor nos passou. Há raízes no Direito Grego e no Direito Romano.
Fatos atípicos, fatos incomuns, fatos extraordinários e relações jurídicas anormais.
O primeiro fato a se chamar atenção, nessa parte introdutória, é que o DIPr regula as relações cada vez mais atípicas, e extraordinárias, anormais. O fato de tratarmos de estrangeiros, a relação de nacionais com estrangeiros, ou relações privadas que tenham elementos de conexão estrangeira, por si só nos leva a afirmar que o Direito Internacional Privado é o Direito que regula fatos extraordinários, incomuns, anormais e atípicos.
A economia brasileira é aberta, e Brasília é cheia de estrangeiros. Além disso, as relações virtuais proporcionam cada vez mais o contato com os estrangeiros. Temos cada vez mais questões comuns, ordinárias e típicas no dia-a-dia! Globalização, por exemplo. No ponto de vista do jusprivativista internacional é algo que contribui para que a matéria cresça mais ainda. Basta abrir jornais para notar os elementos do DIPr.
A disciplina tem como objeto as relações privadas com elementos de conexão internacional. Como advogados, temos que complicar as coisas. “Casos jusprivativistas internacionais”, aliás, é outro termo para a matéria usado por um professor chamado Werner Goldschmidt. Ou então “Relações Jusprivativistas Multinacionais”.
O que é importante é notar que são relações privadas. Direito Civil e Comercial, precipuamente. Saímos do Direito Público e entramos no Privado.
O Direito Internacional Privado só existe porque existe, antes, um elemento alienígena. Não no sentido do ET, claro, mas do de haver conexão estrangeira. Daí vem a expressão “Direito Alienígena”.
O que vemos no quadro do objeto do Direito Internacional Privado é como essa matéria é comumente estudada nos demais países. Brasil, França, Alemanha e Estados Unidos: quais deles têm uma abordagem ampla em Direito Internacional Privado? Brasil e França, que inclusive têm muito em comum. Estes dois assuntos são sempre de Direito Internacional Privado: conflito de leis no espaço e conflito de jurisdições. É o fato de uma justiça ser competente para conhecer de uma matéria ou não em caso de Direito Internacional Privado. Existem variações: a parte de nacionalidade é tratada no Brasil e na França. Reconhecimento de sentença estrangeira também é algo em comum entre os dois países, com algumas restrições quanto à França.
Temos que é matéria de Direito Internacional Privado porque remete à nacionalidade da pessoa. Para termos uma ideia: a matéria de Direito Internacional Privado, nos Estados Unidos, é dada sob a denominação de “Conflito de Leis e Jurisdições”. O mesmo na Alemanha.
O que queremos dizer com “conflito” e com “espaço”? Quando falamos nesses dois termos, imaginem um mapa do Brasil, outro dos Estados Unidos e outro da Alemanha. Estamos falando de espaço territorial mesmo. Onde está a soberania alemã, americana e brasileira? A princípio, dentro de seus próprios territórios que vocês desenharam em seus mapas mentais. E por que temos conflito, não no sentido bélico, de guerra? É que temos pessoas de um Estado que está adentrando em relações jurídicas com pessoas de outro. Então, a ideia de conflito é simplesmente a ideia que pode haver aplicação do Direito material desta soberania ou daquela, dependendo de cada caso. O que fará com que se aplique este ou aquele direito são exatamente os elementos de conexão de Direito Internacional Privado.
Notem que, quando falamos de espaço, estamos falando de território físico mesmo. A ideia de que, em princípio, só se aplica a lei daquele Estado em seu território.
Pode ser aplicada a legislação de outro Estado. É claro que você não precisa aplicar o Direito Processual estrangeiro. Usam-se as regras procedimentais do local do procedimento, mas o Direito Material estrangeiro poderá ser aplicado.
A ideia de concorrência é no sentido de que, como existem várias soberanias, de certa forma elas estão concorrendo para que se aplique o Direito Material delas numa mesma relação jurídica.
Pois bem.
E vamos ouvir também algumas discussões: em todos os países existem conflitos. São duzentos e poucos. Imaginem duzentas soberanias! Há conflitos o tempo inteiro. Isso ensejaria conflito de leis no espaço. E isso depende da perspectiva com que vemos o problema. É mais uma aparência de conflito do que um conflito em si, a depender da perspectiva. Opa, mas o conflito existe, só que as regras de Direito Internacional Privado tentam resolver o conflito criado. É uma discussão teórica, mas, para o professor, é muito mais uma questão de como enxergar o problema. Copo meio cheio ou meio vazio?
Até aqui chamamos atenção para o conflito de leis no espaço. É um dos principais conflitos que temos. E o conflito de leis no tempo? Típico caso? Em um conflito intertemporal de leis usamos o quê? A regra mais usada é a Lex posterior derrogat priori. No tempo usamos esse princípio. E no espaço, no território? É outra questão. E por que colocamos isso aqui? Não vamos falar muito de conflitos de leis no tempo, embora algumas regras estejam no mesmo instrumento de conflitos de leis no espaço, que é a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Ela trata tanto do conflito de leis no tempo quanto do conflito de leis no espaço. A fonte é a mesma. Mas são problemas distintos. Temos que aprender a quebrar, a compartimentalizar o problema. Dentro de um problema jurídico temos vários problemas. Uma questão é o conflito de leis no tempo, outra é o conflito no espaço. Raciocinem, porque vamos complicar a partir de agora.
A ideia aqui é o seguinte: imagine que Adelino Rocha, nosso personagem dos slides que nos acompanhará pelo menos por hoje, está com uma camisa da seleção brasileira e segura uma bandeirinha dos Estados Unidos. Mas não sabemos a nacionalidade do Adelino Rocha! E agora? O professor não nos contou. Adelina, por sua vez, apareceu na vida de seu xará e é brasileira. Essa informação é dada.
Depois divulgamos que, na certidão de nascimento do Adelino Rocha, consta que ele nasceu em Belo Horizonte. Significa que ele é brasileiro? Não necessariamente! Mas vamos assumir que ambos são domiciliados aqui no Brasil. Temos essa informação agora. Outra informação dada agora é que eles estão contratando. Um contrato de compra e venda de bem imóvel, por exemplo. É uma típica relação privada, duas partes contratando a compra e venda de um bem. Esses são os fatos do caso até agora. É hipotético, hein. Esta é a entrada da quitinete.
O contrato foi celebrado aqui no Brasil. Então é um contrato que envolve Direito Internacional Privado? Aparentemente não.
Agora sim chegou a informação de que Adelino Rocha é casado com uma estrangeira, e que ela é menor. Opa, agora sim este pode ser um caso de Direito Internacional Privado. No princípio, não era um problema de DIPr. Notem a diferença agora. E, finalmente, dizemos que Adelino é norte-americano. Não é filho de diplomata brasileiro. Tem um birth certificate.
Variações do problema: nacionalidade, domicílio da pessoa, que é domiciliada no estrangeiro; o local de assinatura do contrato é não no Brasil, mas fora, o imóvel não está aqui, mas no exterior... O que começamos a ter, então? Temos local de assinatura do contrato, e local do bem imóvel. O que é isso tudo? Elemento de conexão! São elementos que lei brasileira diz que são elementos de conexão e que variam no espaço. O local de situação dos bens é um deles. Ou o local da assinatura do contrato, que pode ter repercussão jurídica enorme aqui no Brasil, no Direito Internacional Privado brasileiro.
A partir daqui podemos complicar o caso da maneira que quisermos. Imaginem agora que Adelino Rocha é norte-americano, tem domicílio na Espanha, está contratando com Adelina Rocha, que é francesa domiciliada no Brasil, o contrato versa sobre bem imóvel no Brasil e o contrato foi feito no Japão. Acontece! Essas relações são crescentes. Com domicílios diversos, com mobilidade para assinar o contrato, contrato na nuvem! O contrato não foi assinado no iPad, claro. Mas, ao final, estaremos mais aptos a responder, ou ao menos a começar a responder perguntas como essas.
Vejamos um exemplo da realidade. Aliás, neste parágrafo e nos três próximos, temos uma historinha, com a pergunta no parágrafo subsequente. Não se anime, porque a resposta não está dada; é um desafio jurídico, inclusive um possível tema para monografia ou coisa além. Se não estiver interessado, desça três parágrafos.
Desde a Aurora da Internet além dos ambientes universitários existem os programas de compartilhamento e troca de arquivos, chamados Peer-to-Peer, ou simplesmente P2P. Se você está lendo este site, você tem uma probabilidade maior de 95% de ter ouvido falar sobre Napster, Morpheus, KaZaA, iMesh, Soulseek, eMule, Limewire e Frostwire, para citar só alguns. Esses são programas que permitiam que pessoas de qualquer parte do mundo se interconectassem para a troca de arquivos, em especial, músicas. E, como não havia nenhum controle de qual arquivo .mp3 era enviado para quem, é evidente que a maioria das músicas eram distribuídas ilegalmente, por quem não detinha os direitos autorais. A RIAA, a associação das gravadoras norte-americanas, eventualmente conseguiu frustrar uma por uma dessas redes, primeiramente mediante a inserção de arquivos corrompidos em grande quantidade, ou músicas em loop, no intuito de desencorajar os downloads. Ao mesmo tempo, ia promovendo demandas judiciais individuais aleatoriamente, tomando como réus cidadãos comuns que foram obrigados a pagar centenas de milhares de dólares. Para evitar a judicialização, a própria autora dessas ações induzia a um acordo que fazia reduzir a aproximadamente 10% do valor da causa, mas gerando, ainda assim, muita dificuldade para aquele que seria, ao final, condenado. Uma das acusadas foi uma senhora na casa dos 60 anos de idade cujo neto havia baixado umas duas faixas.
Esses programas, que tinham cada uma sua própria base de usuários e rede para permitir a comunicação entre eles era um alvo relativamente fácil. Até que, em 2001, trabalhando até 2004, um cidadão americano chamado Bram Cohen desenvolveu uma nova tecnologia de troca de arquivos, projetada para facilitar a disseminação de arquivos grandes, chamada Bit Torrent. A diferença é que este não tinha um servidor centralizado ou poucos para gerir a rede. Há, na verdade, várias pequenas redes e os arquivos não ficam armazenados em servidores de hospedagem como ficam os conteúdos de sites da web, mas nos computadores domésticos dos usuários. Com a descentralização, derrubar a rede seria tecnicamente impossível, até porque não há somente uma, mas várias, independentes. RIAA e MPAA, a associação análoga que representa os produtores de cinema, foram ao desespero que culminou na realização de lobby, no final de 2011 e início de 2012, para a aprovação no Congresso Americano dos projetos de lei SOPA e PIPA, que têm por objetivo combater a pirataria através da sanção de qualquer um que, de qualquer forma, colabore para a disseminação do conteúdo protegido por direitos autorais, o que incluiria sites de notícias, mecanismos de busca, redes sociais e hospedeiros de vídeos como o YouTube.
Enquanto não chegam a isso, o sistema que subsiste é o Bit Torrent, meio de transmissão de grande parte do conteúdo reivindicado pelas gravadoras e produtoras. E muito do conteúdo veiculado via Bit Torrent é divulgado em sites fechados, onde só se entra com convite ou quando os donos resolvem abrir para as pessoas se cadastrarem. Esses sites são administrados por pessoas que só se conhecem das comunidades de IRC (internet relay chat), por meio de apelidos, não necessariamente são do mesmo país e dificilmente estão nos Estados Unidos. Há administradores na Europa, enquanto o fundador do site é de Taiwan ou da Rússia. Os usuários que “postam” conteúdo também não conhecem os administradores pessoalmente e às vezes nem divulgam seus próprios países. Eles postam um link contendo um pequeno arquivo para download, que conterá as informações sobre o arquivo maior, um filme talvez, que é grande, e também o objeto de interesse da MPAA ou das grandes produtoras, como Sony, Warner, UIP, 20th Century Fox, Walt Disney, entre outras. Depois que o usuário comum, você, carregando esse pequeno arquivo baixado do site num programinha específico, este automaticamente começará procurar por outras pessoas no mundo que já têm aquele arquivo pronto para lhe enviar diretamente, sem precisar se comunicar com um servidor central. E essas pessoas podem ser de mais de cem países. Aquele site fechado, onde só se entra com convite, nada mais é do que o local de conversa dos usuários, mas não hospeda nenhum arquivo propriamente dito. E aqui complica a análise da relação jurídica porque você não sabe, a priori, nem de quais Estados são as 20 pessoas que já tinham o arquivo completo e lhe enviaram 5% dele cada. E, admitindo que o “uploader”, como é chamado o sujeito que primeiramente disponibilizou o arquivo completo com o filme ou álbum para download, violou direito por entregar a terceiros conteúdo protegido por direitos autorais, o que dizer daquele que só repassou 11% do total do tamanho do arquivo? Ele violou direito? Com apenas 11%, não se chega a obter o arquivo utilizável. Ele concorreu para a prática ilícita? Mas e se ele, por uma epifania, resolvesse cessar o compartilhamento do arquivo assim que você, interessado em obtê-lo, entrasse no “enxame” (grupo de pessoas interconectadas para receber o arquivo) para começar a baixar de todas as pessoas que têm o arquivo? As outras 19 pessoas ainda teriam a integralidade do arquivo para enviar, e, ainda assim, nenhuma delas terá enviado a totalidade.
O que temos até agora: um filme produzido nos Estados Unidos, cuja produtora é detentora dos direitos autorais, distribuído por um uploader ucraniano num site norueguês, sendo, logo, baixado por usuários dos cinco continentes, inclusive você. Não há normas de ordem pública aqui e o interesse é “meramente” privado. Em outras palavras, não pensem em Direito Internacional Público, pelo menos não agora, pois ainda não aventamos a possibilidade de os Estados encamparem esta briga em potencial. Como resolver esse problema? Viram a quantidade de elementos de conexão estrangeira?
Podemos complicar da maneira que quisermos. Vamos ter que focalizar o problema. É um problema de capacidade civil? Se for, temos que olhar simplesmente o domicílio da pessoa. Se for relacionado a bens, temos que olhar a regra do local de situação dos bens. Então o discernimento é em qual tipo de problema está por trás, e ver qual regra se aplica naquele caso. E tomem cuidado: o fato de existir um elemento de conexão estrangeira não implica, necessariamente, que o Direito Material estrangeiro será aplicado. O fato de existir fato que conectem estrangeiros faz com que somente nasça a possibilidade de o Direito Material ser aplicado. Temos que olhar a regra para saber se ela remete ou não ao Direito Material estrangeiro ou não. Tudo pode acontecer.
O fato de termos relações jurídicas multiconectadas com o mundo não necessariamente irá levar à aplicação do Direito Estrangeiro, por isso existem as hipóteses sobre como isso acontecerá. No Brasil, está tudo na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
Relações virtuais, relações na nuvem, a questão abstrata, onde o contrato está sendo celebrado: é uma questão interessantíssima! E de que forma o Direito Internacional Privado irá resolver? Cada um tem suas teses. A regra não é a mesma em todo lugar. E também as regras mudam no tempo.
O que teremos condições de fazer quanto ao Bit Torrent? Chegaremos à conclusão que a regra não é boa, pois é de 1942. Não dão conta do desenvolvimento pelo qual o mundo passou em 70 anos. Quando escreveram a regra do contrato entre ausentes, pensava-se em cartas, e não em transmissão digital de dados.
Já ouviram falar do site Amazon.com, né? Aplica-se o Direito do Consumidor brasileiro ou o Americano? Há a construção da tese que se aplica o mais favorável ao consumidor. Essa parte relacionada à Internet é fantástica. Mas claro que nada está pacificado.
Temos, aqui, simplesmente, uma sistematização de alguns desses elementos que colocamos aqui. Os elementos de conexão estrangeira podem ser relativos à pessoa, em função de sua nacionalidade, domicílio ou residência habitual; relativo aos bens, em função de seu local de situação ou onde foi feito o registro; ou relativos a outros fatos, tais como o local da constituição da obrigação ou da execução da obrigação.
No caso de constituição da obrigação, há casos em que o Direito que rege aquele contrato internacional segue o local em que ele foi celebrado. Temos uma empresa brasileira e uma norte-americana. A brasileira está exportando para a americana um determinado material. Existe alguma implicação jurídica de o contrato ter sido celebrado nos Estados Unidos ou no Brasil? Se o representante da empresa brasileira viajou para os Estados Unidos e celebrou naquele país, isso tem relevância para o Direito Internacional Privado. Se houver problema e o litígio se iniciar nos Estados Unidos, pode-se aplicar o Direito norte-americano. Não em termos processuais. O processo segue todas as regras do Brasil. Num processo correndo no Brasil, as regras procedimentais serão sempre brasileiras. Isso é regra mundial: em todos os países, usa-se a regra processual do local do procedimento.
Caso bem comum: dívida de jogo. Dívida de cassinos contraída no estrangeiro. O que se usa, nessa interpretação, é o princípio da boa-fé. É uma ponderação recente de nossos tribunais: o sujeito que joga em cassinos da área indígena de Connecticut, que, portanto, é obviamente capaz, pode deixar o débito lá e correr para o Brasil, onde é inexigível a cobrança de dívidas de jogo?
Toda essa provocação foi para entramos no texto que o professor nos passou: evolução histórica do DIPr e escolas de pensamento.
O texto que lemos localiza a origem do Direito Internacional Privado no Direito Romano? Não. Tomem cuidado: o Direito Romano não cuidava especificamente de Direito Internacional Privado. O texto fala de duas ordens de Direito: jus civile e jus peregrinum. Aplicava-se o primeiro ao cidadão romano, e o segundo ao estrangeiro, gerando, eventualmente e como síntese, o jus gentium, aplicado ao romano na relação com o estrangeiro. O Império Romano usava o Direito Estrangeiro ao não romano? Não! Essa é uma das razões para não existir Direito Internacional Privado em Roma. Mas não era um conflito de leis no espaço, era sempre o Direito Romano. Não era uma questão de aplicar o Direito Romano ou o Não Romano. Era simplesmente aplicar o Direito Romano numa relação com estrangeiro. Não havia conflito, portanto. A regra era: se envolve romano e não romano, aplica-se uma seção específica do Direito Romano. Não havia a possibilidade de se aplicar o Direito que não fosse Romano em Roma.
Era algo parecido com o Estatuto do Estrangeiro brasileiro, a Lei 6815/1980. A capacidade de um estrangeiro aqui no Brasil para contratar dependerá de seu domicílio de origem. Olhe que interessante!
Então vamos para outra fase de Direito Internacional Privado, que começa na Itália dos séculos XI e XII. O que acontece na Itália naquele momento? Renascimento das cidades e do comércio. Surgimento dos títulos de crédito, letra de câmbio e outros instrumentos. Aqui efetivamente começa a surgir o Direito Internacional Privado. Temos a Itália dividida numa série de províncias, ou cidades-Estados. Cada uma tinha suas próprias leis, e o comércio estava acontecendo; contratos estavam sendo firmados. Roma, Milão, Veneza, cada uma com seu sistema jurídico. E havia problemas: a parte não pagava, ou fornecia produto defeituoso, fora da quantidade. E o juiz decidia quem tinha o Direito. Ele perguntava o seguinte: “do lugar de onde você veio, qual é o Direito?” Foi nessa construção de se perguntar qual era o direito que vinha as primeiras sistematizações. É aqui que se localiza a origem da matéria.
Daqui vêm diversas feições. Com os séculos XV e XVI, temos várias escolas, como a francesa, a italiana e a holandesa. A alemã veio só depois, no século XVIII.
Haroldo Valladão traduziu um livro de Bártolo, de 1314 – 1357. Em latim, claro. Valladão era um monstro!
A escola holandesa nega o Direito Internacional Privado; ela diz: “na Holanda se aplica o Direito holandês, e não o de outro Estado.” Foi a forma como se desenvolveu o Direito Internacional Privado ali.
E tudo até aqui girava em torno da ideia de que o Direito Internacional Privado, quando aplicado, era uma questão de cortesia ou reciprocidade. “Se o outro Estado permite que se aplique meu Direito, então eu aceito aplicar o dele”.
Era o que imperava.
Na fase moderna, houve grande influência dos Estados Unidos e da Escola Alemã. Alemanha é o país de Savigny. Nesses dois, a ideia muda. A escola norte-americana ensina que “não há nada de cortesia.” Podem riscar essa palavra. Existe Direito Internacional Privado porque em algumas situações aplica-se o Direito do estrangeiro por uma questão de justiça. Não é por concessão.
A Escola Alemã diz que não; mas sim porque temos a possibilidade de aproximar o Direito com o local com o qual ele guarda a maior relação. Tem a ver com o centro de gravidade da relação jurídica. Para entender, vamos voltar no outro caso, do início da aula, em que falamos que uma empresa brasileira celebra com outra, norte-americana, a exportação de seu produto, enquanto esta paga um preço. Suponhamos que o contrato foi celebrado no Japão. De acordo com a regra que falamos, o que rege materialmente o Direito aplicado é o Direito Japonês. Savigny diria que isso não faz sentido nenhum. Qual é a relação desse contrato com o Japão? A única coisa é que esse contrato foi assinado no Japão. Nem passa por lá, e não é nem a sede da relação. O contrato entre as partes, brasileira e americana, não tem relação com o Japão. A única relação com o país oriental é o fato de lá ter sido assinado o contrato. Poderia ter sido um mero casuísmo. A regra brasileira usa o local de assinatura do contrato. E as empresas sabem disso, então evitam fazê-lo.
E depende da perspectiva: pode-se considerar que o centro da relação está no consumidor. Essa análise é feita caso a caso. A corte terá que, com os fatos do caso, e com todo o contexto, eleger o Direito que tem mais sentido, e o para qual Estado aquele caso tem relação maior. Não parte do pressuposto de que o consumidor é sempre o centro de gravidade. Poderia, no caso das duas empresas, considerar-se que o Brasil é o centro de gravidade, porque aqui os bens são produzidos, aqui se empregam pessoas, daqui parte e lá só se recebe, pagando-se a quantia estipulada. Não há regra para determinar para qual Estado é mais relevante essa relação jurídica privada.
Lembrem-se sempre que o Direito Internacional Privado trata do microcosmo, uma empresa com outra, um estrangeiro trabalhando numa empresa. O Direito Internacional Público pensa no macro, da relação entre Estados. A questão primordial é o objeto de estudo: relações privadas ou relações públicas. Caso típico de Direito Internacional Público é a relação com os estados, incluindo os tratados que regem a relação entre os estados.
Outra diferença fundamental são as fontes. A principal fonte do Direito Internacional Privado é o Direito interno de cada estado. Em outras palavras: no caso do Brasil, a primeira coisa que vamos olhar é a Lei de Introdução. Veja se a lei torna aquele elemento de conexão estrangeira como um problema externo. A fonte primordial é o próprio Direito Interno de cada estado.
No Direito Internacional Público, a fonte são tratados, convenções, costumes internacionais e princípios gerais. No Privado, a norma interna de cada Estado. Algumas são consubstanciadas em tratados, como a Convenção de Haia sobre sequestro internacional de menores. Notem essa diferença. O Direito Interno de cada Estado é uma fonte importantíssima, mas não exclusiva. Podemos ter tratados bilaterais, regionais e multilaterais também.
Vamos imaginar que Adelino Rocha foi contratado por uma empresa brasileira, aqui no Brasil, para ser o gerente de uma indústria. Mas o dono da empresa, por uma série de motivos, resolveu produzir na China. Mão-de-obra mais barata, por exemplo, além de carga tributária, estratégia de mercado, normas sobre meio-ambiente. Ele recebe então uma oferta para trabalhar na China. Acontece muito de empresas ocidentais abrirem filiais por lá, para onde vão gerentes e supervisores. Suponha que um dia Adelino se envolveu num acidente de carro e matou cinco chineses. Isso é um problema de Direito Internacional Privado? Isso é questão penal, direito público! Tem suas próprias regras. É uma relação entre particulares que tem elemento de conexão estrangeira. Mas o que acontece é que há todo um plano de norma pública que rege a questão do acidente.
Outra coisa é a declaração de imposto de renda feita na China. Pode-se abater o que pagou na China para pagar-se menos no Brasil? Não. É uma questão de Direito Tributário, que é direito público também, que tem regras específicas para tratar desse problema. Não são as regras da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
O que queremos mostrar é que há problemas com elementos de conexão estrangeiro, mas não necessariamente são de Direito Internacional Privado.
Por fim, temos que saber que o Direito do Trabalho, o Direito Penal e o Direito Tributário saem de nosso campo.
Podemos falar de conflito de leis no espaço dentro de uma mesma soberania? Imaginem a existência de vários Códigos Civis no Brasil, um para cada estado da Federação. O que vai acontecer dentro do Brasil? Teremos conflito de leis no espaço ao tempo inteiro. Poderei ser capaz segundo o Código Civil de Minas Gerais, mas incapaz de acordo com o Código Civil do Rio Grande do Sul. É como é nos Estados Unidos. Um divórcio aqui é válido ali? Um casamento em Sergipe é válido em Roraima?