Direito Internacional Privado

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Imunidade de jurisdição

Texto de apoio: acórdão do STJ sobre a promessa de recompensa feita pelos EUA para quem achasse o esconderijo de Saddam Hussein

Prova dia 15. Não é bom fazer a última prova. Só para quem não conseguiu a média ou perdeu uma prova. Nada de fazer prova somente para aumentar a nota.

Na última aula começamos a ver a parte de competência internacional, as hipóteses de competência internacional, tanto do ponto de vista da concorrencial quanto do ponto de vista da competência exclusiva da jurisdição brasileira. São os arts. 88 e 89 do Código de Processo Civil. Vimos também a questão da litispendência, ou melhor, a questão da não litispendência. Como vimos, a ação internacional não induz litispendência na justiça brasileira. Podemos ajuizar a mesma ação com o mesmo objeto, mesma causa de pedir, mesmas partes sem que isso induza litispendência na justiça brasileira.

Essa foi fundamentalmente a aula passada.

Imunidade dos Estados

Hoje vamos avançar em cima da processualística internacional com a discussão de alguns casos. O primeiro deles é o caso do Saddam Hussein. Um paranormal brasileiro, Jucelino Nóbrega da Luz, cobrava indenização dos Estados Unidos pelo não recebimento de uma recompensa prometida pelos americanos. O brasileiro era dotado de clarividência. Os fatos desse caso são que esse indivíduo, no Brasil, julgava saber onde ficava o esconderijo de Saddam Hussein. E, do outro lado, tínhamos um ente soberano, que eram os Estados Unidos, oferecendo uma recompensa para quem dissesse o local no qual Saddam estava escondido. 25 milhões de dólares. Mais ou menos 50 milhões de reais. São algumas Megas Senas acumuladas. O sujeito mandou cartas para os Estados Unidos, não se sabe via Sedex, carta registrada, para o governo americano dizendo o local no qual Saddam Hussein estava escondido. Esperava o recebimento de seus 50 milhões de reais. O governo americano não pagou, então Jucelino resolveu ajuizar uma ação contra o Estado Americano aqui mesmo no Brasil. O juiz de primeira instância alegou a incompetência da justiça brasileira para conhecer do assunto. Alegando incompetência, o clarividente pensou em interpor um recurso ordinário para o STJ nessa matéria.

A segunda pergunta é: o Superior Tribunal de Justiça disse haver competência ou não haver competência da justiça brasileira para conhecer desse caso? A justiça brasileira poderia estabelecer jurisdição neste caso, sim, não e por quê? Sigamos o raciocínio do art. 88 do Código de Processo Civil:

Art. 88. É competente a autoridade judiciária brasileira quando:

I - o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil;

II - no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação;

III - a ação se originar de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil.

Parágrafo único. Para o fim do disposto no I, reputa-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que aqui tiver agência, filial ou sucursal.

O réu é domiciliado no Brasil? Não. O Réu é quem, Saddam? Não, são os Estados Unidos da América. Mas o parágrafo único do art. 88 fala que se a agência, filial ou sucursal no Brasil, o réu é considerado domiciliado no Brasil. Não é o caso. O STJ, então, não estabeleceu jurisdição com base no inciso I do art. 88. Mas e o inciso II? Vamos assumir que o sujeito sabia mesmo do paradeiro do líder iraquiano. O cumprimento da obrigação, neste caso, se daria aonde? Nos Estados Unidos. Provavelmente, claro. O caso não fala explicitamente, mas inferimos que o pagamento se daria nos Estados Unidos. Também não serviu. E o inciso III? Opa. Fato ou ato praticado no Brasil. Foi o que se serviu para o fato ter sido praticado no Brasil: ter escrito a carta aqui no Brasil. Serviu para que, nesta ação, o STJ estabelecesse jurisdição sobre esta matéria. O inciso III do art. 88 aumenta consideravelmente as hipóteses nas quais a justiça brasileira possa estabelecer jurisdição sobre uma matéria internacional. A ação se origina justamente das cartas. Se não tivesse mandado carta alguma, não teríamos esse nexo. Mandou as cartas escritas aqui no Brasil.

Mas, com base na escritura da carta aqui no Brasil, o STJ estabeleceu jurisdição no caso.

Estabelecida a competência para julgar a matéria, entra outro problema neste caso: antes mesmo do Direito Material, superada a questão da jurisdição, tem também a questão da imunidade! É a nossa matéria de hoje. De um lado temos um particular, e de outro temos um sujeito de direito público internacional que é um Estado. A pergunta que se coloca é: o Estado tem ou não imunidade na jurisdição de outro país?

Muito bem. Notamos o problema.

Agora temos que entender algumas coisas para resolvermos esse problema da imunidade. Esse caso do Saddam Hussein tem a ver com a imunidade do Estado, do ente soberano, do sujeito de Direito Internacional Público que são os EUA. A imunidade do Estado é diferente da imunidade dos agentes do Estado. Diplomatas e cônsules, basicamente. Uma terceira coisa é imunidade de organização internacional, e uma quarta é a imunidade dos agentes das organizações internacionais. Todas são categorias distintas dentro do mesmo instituto, que é a imunidade. Todas elas com regras distintas sobre o grau de imunidade e as consequências da imunidade. Distingam isso! O que está em jogo aqui é a imunidade do próprio Estado. Nisso, temos que entender que origem da imunidade do próprio Estado é fundamentalmente de base consuetudinária, dos costumes. Ou seja, os estados possuem imunidade para não serem julgados em outra jurisdição dentro de um contexto histórico. Quando os Estados-nação foram surgindo, mais ou menos no século XV, a ideia era de que os Estados não poderiam julgar outros, porque são pares, e entre pares não existe jurisdição: par in parem non habet judicium. Minha justiça não julgará seu Estado, do mesmo modo que sua justiça não julgará meu Estado. Essa era a construção costumeira que se foi formando, muito ligada ainda à ideia de que o Estado era a expressão de seu soberano. E a expressão de seu soberano era, na verdade, a expressão da vontade divina, e deuses não julgam deuses. E essa construção teórica da imunidade absoluta do Estado vamos encontrar na Idade Média.

A imunidade dos agentes dos Estados tem uma base convencional muito mais forte. São as Convenções de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961 e sobre Relações Consulares de 1963. São convenções que surgem na década de 60 e que foram ratificadas por 99,9% dos estados. No final da aula vamos falar sobre a imunidade dos agentes das organizações internacionais.

Como funciona a imunidade dos Estados? No passado, tínhamos que era absoluta. Um Estado não julga outro em sua jurisdição. Essa posição foi consagrada também no Brasil, não no passado, mas na década de 70. Um eminente professor que era Procurador-Geral da República, hoje professor da Casa, Francisco Rezek, em determinado caso foi instado a se manifestar em nome da PGR, em que confirmava que era mesmo absoluta a imunidade do Estado.

Na década de 80, e 1982, Rezek mudou de opinião. Em outro caso, que envolvia um imóvel sito no Brasil e um Estado estrangeiro. Ele pensou: neste caso, não podemos ter imunidade absoluta. Por quê? Porque é caso de competência exclusiva da jurisdição brasileira! Se denegássemos a jurisdição brasileira sobre aquele caso, não haveria qualquer outra jurisdição que poderia julgar. Isso porque desde 73 o Brasil reserva competência exclusiva para a jurisdição brasileira em determinadas matérias. Foi o que Rezek notou: que há matérias de competência exclusiva da jurisdição brasileira. Essa foi a primeira relativização.

E depois, em 86, com base no Direito Comparado, disse outra coisa: não é questão de ser imóvel ou não. O que distingue se um Estado tem ou não imunidade é se ele atua como império ou como se particular fosse. Se fosse um ato de império, o Estado estrangeiro teria imunidade. Se atua como se estivesse numa relação comercial, ele praticaria um ato de gestão, e não teria imunidade. Há uma zona cinzenta entre essas duas coisas. Podemos argumentar que o Estado atua como império, ou, por outro lado, que atuou como particular. Peguem o caso da promessa de recompensa para quem achasse Saddam. Era uma situação bélica, com um país com uma situação belicosa com outro Estado. Isso é obviamente ligado muito mais a império do que a gestão. Agora encontre um bom argumento para classificar isto como um ato de gestão. Temos um: isto parece muito com uma promessa unilateral de vontade, que é a promessa de recompensa, que temos no Direito Civil.

Imagine uma mesma promessa de recompensa. Isso para um criminoso foragido. Isso seria mais um ato de gestão ou de império? A fuga do criminoso poderia escalar para uma questão de segurança nacional, ou de soberania. Vejam que existe uma zona cinzenta ali no meio. E no caso do Saddam? Avaliou-se como ato de império ou de gestão? Cuidado para não confundir “gestão” com “administração governamental”. Ato de gestão é aquele por meio do qual o Estado atua como particular. E não gestão governamental é ato de administração ínsito, mas não exclusivo do Poder Executivo. Interessa a materialidade do ato, a natureza do ato. O que o STJ viu nisso, então? Considerou a promessa de recompensa como ato de império. Vejam o item 5 do acórdão proferido nos autos do Recurso Ordinário nº 2004/0088522-2 pelo STJ:

5 - In casu, seja com fulcro na distinção entre atos de império e gestão, seja com lastro na comparação das praxes enumeradas em leis internas de diversas Nações como excludentes do privilégio da imunidade, inviável considerar-se o litígio, disponente sobre o recebimento, por cidadão brasileiro, de recompensa prometida por Estado estrangeiro (EUA) enquanto participante de conflito bélico, como afeto à jurisdição nacional. Em outros termos, na hipótese, tal manifestação unilateral de vontade não evidenciou caráter meramente comercial ou expressou relação rotineira entre o Estado promitente e os cidadãos brasileiros, consubstanciando, ao revés, expressão de soberania estatal, revestindo-se de oficialidade, sendo motivada, de forma atípica, pela deflagração de guerra entre o Estado ofertante (EUA) e Nação diversa (Iraque), e consequente persecução, por aquele, de desfecho vitorioso; por outro lado, não se inclui a promessa de recompensa, despida de índole negocial, entre as exceções habitualmente aceitas pelos costumes internacionais à regrada imunidade de jurisdição, quais sejam, ações imobiliárias e sucessórias, lides comerciais e marítimas, trabalhistas ou concernentes à responsabilidade civil extracontratual, pelo que de rigor a incidência da imunidade à jurisdição brasileira.

Expressão de soberania estatal. O fundamento, aqui, está em torno de essa promessa ser ou não rotineira, o que poderia estar no lado da gestão, mas mais que isso, estava ligado a uma guerra. É difícil diferenciar.

No caso de Saddam, as relações internacionais de um país em situação de guerra com outro puxa mais para a expressão da soberania. Ato de governo mesmo. Neste caso especificamente, o professor entende que está mais para ato de império.

E vejam: a conclusão do STJ é o seguinte: conheceu e proveu o recurso ordinário, reconhecendo-se a competência concorrente da autoridade judiciária brasileira nos termos do art. 88, inciso III do Código de Processo Civil para estabelecer a jurisdição. E simultaneamente, as imunidades de jurisdição e execução do Estado estrangeiro. Ou seja, é um ato de império. O ponto aqui, e esse é um detalhe meramente processual, é que se mandou notificar e citar o Estado demandado afim de que exerça a imunidade jurisdicional ou não. O Estado norte-americano pode alegar, no processo, que tem imunidade. Vamos admitir, por hipótese, que os Estados Unidos não tivessem exercido a prerrogativa da imunidade. Qual seria a terceira questão enfrentada nesse problema? O Direito Material ou o conflito de leis no espaço. Toda a questão da Lei de Introdução entraria em vigor. É uma promessa unilateral. O que se aplicaria? Provavelmente o art. 9º:

Art. 9º Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.

§ 1º Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato.

§ 2º A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente.

Observação: se o Estado, imune, reconvém, é como se aceitassem a jurisdição.

Muito bem.

Imunidade dos agentes do Estado

Cuidado com a nomenclatura. O que se chama de Estado acreditante é o Estado de origem do agente. Estado acreditado é o Estado onde o agente exerce sua função. Se o diplomata brasileiro vai cumprir um serviço na embaixada do Brasil na Argentina, o Estado acreditante é o Brasil, enquanto o Estado acreditado ou acreditador é a Argentina. Como se dá essa acreditação? Há todo um trâmite por troca de notas diplomáticas. Importante para quem vai fazer concurso para o Instituto Rio Branco, o que é uma carreira bonita. A nomenclatura às vezes induz ao erro, então cuidado. Estado acreditante é o Estado de origem do agente.

E qual é a principal diferença com relação a essas imunidades? Aqui estaremos falando basicamente de diplomatas e cônsules. A imunidade dos primeiros é mais ampla do que a dos segundos. Em outras palavras, o diplomata tem imunidade penal, civil, tributária, administrativa quando está lotado num posto no exterior. Os cônsules não; eles têm imunidade para seus atos de ofício. Quando praticam atos particulares, eles não possuem imunidade. Essa é a diferença mais significativa. Mas qual é a diferença entre as funções? Normalmente o cônsul está em prol dos interesses particulares dos nacionais de outro Estado. Até por isso a extensão das imunidades é distinta.

Poxa, então o diplomata tomou todas aqui em Brasília numa festinha. Ao sair furou sinal vermelho e matou na rua uma pessoa que não tinha nada a ver com a história. Tem imunidade. Onde está escrito isso? Na Convenção. Temos críticas sobre isso. O mesmo para o diplomata iraniano que resolveu bolinar as meninas brasileiras de 9 e 14 anos na piscina do Vizinhança. A embaixada iraniana disse que aquilo era um mal-entendido por diferenças culturais... o sujeito tinha um cargo alto. Essas pessoas passam ilesas a todo e qualquer tipo de ação. Vamos tentar ver o que acontece num caso hipotético:

O Sr. X, diplomata da República de Marte, fez exatamente isso acima: bebeu durante uma festinha meia-boca e, ao sair dirigindo, colidiu com o carro da Sra. Y, cidadã brasileira, que sequer o conhecia e não estava na festa. O Sr. X possui imunidade de jurisdição? Para saber, peguem a convenção. Art. 31:

Artigo 31

1. O agente diplomático gozará da imunidade de jurisdição penal do Estado acreditado. Gozará também da imunidade de jurisdição civil e administrativa, a não ser que se trate de:

a) uma ação sobre imóvel privado situado no território do Estado acreditado, salvo se o agente diplomático o possuir por conta do Estado acreditante para os fins da missão;

b) uma ação sucessória na qual o agente diplomático figure, a título privado e não em nome do Estado, como executor testamentário, administrador, herdeiro ou legatário;

c) uma ação referente a qualquer profissão liberal ou atividade comercial exercida pelo agente diplomático no Estado acreditado fora de suas funções oficiais.

2. O agente diplomático não é obrigado a prestar depoimento como testemunha.

3. O agente diplomático não está sujeito a nenhuma medida de execução, a não ser nos casos previstos nas alíneas "a", "b" e "c", do parágrafo 1º deste artigo e desde que a execução possa realizar-se sem afetar a inviolabilidade de sua pessoa ou residência.

4. A imunidade de jurisdição de um agente diplomático no Estado acreditado não o isenta da jurisdição do Estado acreditante.

É aqui que está o fundamento para a imunidade. A não ser que se trate de: são situações bastante específicas. Peguem, por exemplo, a alínea c:

1. O agente diplomático gozará da imunidade de jurisdição penal do Estado acreditado. Gozará também da imunidade de jurisdição civil e administrativa, a não ser que se trate de:

[...]

c) uma ação referente a qualquer profissão liberal ou atividade comercial exercida pelo agente diplomático no Estado acreditado fora de suas funções oficiais.

O diplomata vem aqui para o Brasil, e também vende churrasquinho. Ou ele exerce o ofício de dentista. Se sai da função diplomática, ele não tem imunidade. Se praticar erro médico, se por acaso for diplomata, não terá imunidade. É raro acontecer, claro.

Mudando a pergunta: e se fosse a mulher do diplomata, o Sr. X? A esposa dele aparece bêbada, ao volante, furando sinal, e destrói um ciclista e sua bicicleta. E agora? De novo, temos que ler a convenção. Art. 37:

Artigo 37

1. Os membros da família, de um agente diplomático que com ele vivam gozarão dos privilégios e imunidades mencionados nos artigos 29 a 36, desde que não sejam nacionais do Estado acreditado. [...]

Desde que não seja nacional do Estado acreditado. Se a esposa do Sr. X, diplomata estrangeiro, fosse brasileira, ela seria imune, a não ser que tivesse a mesma nacionalidade do local do fato ou ato. Em outras palavras, se os filhos desse diplomata são brasileiros também, eles não terão imunidade, porque são nacionais. Da mesma forma que o diplomata brasileiro não tem imunidade no Brasil. Se o diplomata brasileiro bate no seu carro, ele tem imunidade? Não, ele deverá pagar pelo dano.

A convenção traz todas as exceções, como a hipótese de trânsito entre dois países.

Vamos seguir.

Mudando a pergunta novamente: há alguma diferença em relação à imunidade se o Sr. X fosse cônsul? Sim, há diferença, porque ele não tem imunidade. São atos de particular, não ligados ao ofício.

Isto dá uma boa ideia do que a Convenção cobre e o que não cobre. Temos ali os principais dispositivos da convenção.

Atenção: imunidade não significa que a pessoa tenha carta branca para fazer o que quiser. O agente do Estado tem que obedecer às regras locais. Não é uma simples proteção ampla; ele tem que se adequar ao local onde trabalha. Mas, se há algum problema, ele tem imunidade. Parece que isso faz ou não diferença, mas há uma sutileza no meio. Tanto é que, se o diplomata comete uma série de abusos, temos previsões. Art. 9º, item 1, com a declaração de persona non grata:

Artigo 9º

1. O Estado acreditado poderá a qualquer momento, e sem ser obrigado a justificar a sua decisão, notificar ao Estado acreditante que o Chefe da Missão ou qualquer membro do pessoal diplomático da Missão é persona non grata ou que outro membro do pessoal da missão não é aceitável. O Estado acreditante, conforme o caso, retirará a pessoa em questão ou dará por terminadas as suas funções na Missão. Uma pessoa poderá ser declarada non grata ou não aceitável mesmo antes de chegar ao território do Estado acreditado. (...)

A primeira possibilidade é a declaração de persona non grata. Tem um efeito muito parecido ao da expulsão. Quando se declara alguém persona non grata, se ela não sair, podem-se usar os meios coercitivos do Estado para que se retire. Normalmente, quando há declaração de persona non grata, o diplomata pega o avião e vai embora. Isso tem implicações também com relação à perda da imunidade do diplomata. No caso do iraniano quase aconteceu isso. É esse, normalmente, o instrumento que é utilizado do ponto de vista dos Estados para retirar uma pessoa indesejada.

A segunda coisa: pode ser processada em seu Estado de origem? Pode, mas dificilmente. Inclusive por causa das questões culturais. O Estado acreditante pode, entretanto, renunciar a imunidade de seu agente. Art. 32 da Convenção de Viena de 1961 (de relações diplomáticas, e não consulares):

Artigo 32

1. O Estado acreditante pode renunciar à imunidade de jurisdição dos seus agentes diplomáticos e das pessoas que gozem de imunidade nos termos do artigo 37.

2. A renúncia será sempre expressa.

3. Se um agente diplomático ou uma pessoa que goza de imunidade de jurisdição nos termos do artigo 37 inicia uma ação judicial, não lhe será permitido invocar a imunidade de jurisdição no tocante a uma reconvenção diretamente ligada à ação principal.

4. A renúncia à imunidade de jurisdição no tocante às ações cíveis ou administrativas não implica renúncia à imunidade quanto às medidas de execução da sentença, para as quais nova renúncia é necessária.

Houve um caso de um diplomata que queria abrir mão de sua imunidade para provar sua inocência. Decisão pessoal. Mas é uma decisão que cabe ao Estado, e não ele próprio.

Ao ser declarada persona non grata, a pessoa pode responder em seu país de origem.

E a pessoa lesada? É absolutamente questionável. Temos que olhar o instituto da imunidade com alguns olhos críticos. Se olharmos as datas das convenções, tínhamos a década de 60. Guerra fria, no auge. Baia dos porcos, espionagem, crise dos mísseis... então havia uma preocupação grande com relação a isso. Quando o instituto da imunidade foi criado, havia uma preocupação enorme em se protegerem os agentes diplomáticos. Será que isso faz sentido hoje? Se que não vai contra nossa própria Convenção? A Convenção tem nível hierárquico infraconstitucional. Ela adentrou o ordenamento jurídico brasileiro como lei ordinária. A Constituição traz uma série de garantias. Há inconstitucionalidade ou não recepção da Convenção? Temos bons argumentos para falar sobre isso. Em alguns casos, a Convenção não deveria se aplicar. O que é interessante é que, se isso subir para o Supremo, haverá uma ponderação entre legalidade e a questão das relações exteriores. Provavelmente o Itamaraty iria ao Supremo e diria que o diplomata brasileiro no exterior correrá riscos também!

Entramos, portanto, numa esfera em que a convenção é analisada na reciprocidade. Há um interesse em que todos os Estados respeitem essa convenção, muito mais que a legalidade dela.

Há alguns casos interessantes também: nos Estados Unidos, um diplomata da Geórgia, ou outra república soviética, matou uma brasileira enquanto alcoolizado com o carro. O governo americano fez uma pressão enorme para que a República da Geórgia renunciasse à imunidade. E renunciou. Provavelmente a Geórgia depende dos Estados Unidos para várias coisas.

O que acontece muito é que o caso se resolva de forma amigável. Muitos não querem que vá para a imprensa, também.

Para quem está em Brasília, temos as embaixadas aqui, então podemos pegar jurisprudência sobre os agentes diplomáticos. Há vários casos aqui em Brasília, por exemplo, de filhos de diplomatas que batem carros e só lamentam...

Para fechar:

Imunidade das organizações internacionais e dos seus agentes

A imunidade das organizações internacionais é regida também por uma convenção que o Brasil ratificou, de 1947, a Convenção de Privilégios e Imunidades das Nações Unidas. OIT, FMI, Banco Mundial, mas não Greenpeace ou Médicos sem Fronteiras. Falamos em organizações internacionais de Direito Internacional Público, com sua constituição por tratados.

Quem possui imunidade ampla é normalmente o chefe da organização internacional, tal como o diretor executivo do FMI, Dominique Strauss-Kahn, imunidade que quase se equipara à de cônsul. DSK no Sofitel não estava exatamente a serviço do FMI. Diretores de organizações internacionais, em geral, têm imunidade tributária. Não pagam IR no Brasil.

E há também várias questões relativas ao Direito do Trabalho. Funcionários que não eram da organização internacional, mas prestavam serviços foram a juízo, e depararam com a barreira da imunidade... Então quem mexe com Direito do Trabalho terá que ler, necessariamente, essas discussões relativas a essa Convenção.

Vejam: mesmo que estabeleçamos jurisdição para julgar o Estado estrangeiro e ganhos a causa, a fase de execução também pode ser bloqueada por imunidade. Há a imunidade para o estabelecimento da jurisdição, e a imunidade da execução, que são duas coisas distintas. Esta necessariamente cairá sobre os bens do Estado estrangeiro, que são impenhoráveis, por lei. Houve um caso famoso no Rio de Janeiro de uma execução fiscal da embaixada do Japão com relação ao IPTU. No final não conseguiram nada porque era tudo impenhorável.

São coisas para pesquisar em relação à interdisciplinariedade entre o Direito Internacional Privado com o Direito do Trabalho e o Direito Tributário.

Depois: homologação de sentença estrangeira.

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