Textos de apoio:
Vamos tratar hoje da nacionalidade, tema que já vimos em Direito Internacional Público, e provavelmente um pouco em constitucional. E por que estamos vendo aqui em Direito Internacional Privado? Porque é intrínseca à matéria de DIPr a questão da nacionalidade. Elemento de estraneidade. Muitas vezes esse elemento é o próprio estrangeiro, daí um pouco da revisão de nacionalidade do estrangeiro.
Como vimos na Lei de Introdução, as principais regras brasileiras giram em torno do domicílio. Capacidade, personalidade, domicílio do falecido, Direito de Família, mas isso não é assim no mundo todo não. A Europa, por exemplo, joga para o critério da nacionalidade ao invés de usar o do domicílio. É importante retomarmos o debate da nacionalidade no contexto do Direito Internacional Privado.
O texto de Carmen Tiburcio é importante porque amplia um pouco a questão na nacionalidade. Quando falamos do “nacional”, falamos do estrangeiro. Quando falamos em estrangeiro, temos que pensar que isso está ligado a um problema muito maior que é a xenofobia. O texto traz a notícia de que uma alguém na Alemanha dissera que as pessoas estavam ficando mais burras em razão do alto número de estrangeiros. Não foi Hitler, mas um ministro alemão, recentemente. “Provavelmente um nacionalista que falou!” – pensaríamos. Negativo, isso foi dito há cerca de três anos.
Nos Estados Unidos, alguns estados têm autonomia legislativa para questões penais. Alguns estão editando leis que permitem a detenção de uma pessoa sem decisão judicial, mas fundada em motivos: ser parecido com estrangeiro. Não em 1930, mas ontem.
E o Brasil? É tolerante com estrangeiros? Demais!
Já o Haiti é um país que foi desgraçado: colonização francesa, ditadura de François Duvalier, o Papa Doc, e seu filho Jean-Claude, o Baby Doc, e depois o terremoto de 12 de janeiro de 2010 para fechar o caixão. É um país que, de forma infortuna, sofreu várias coisas negativas. Por causa de eventos como esse surgiu até o termo “refugiado ambiental”. E muitos haitianos estão vindo para cá via Acre. Vieram dez, e os que recepcionaram disseram: “que bacana!”. Dias depois mais dez, e a recepção foi a mesma. Daí mais dez, e depois mais 4000. O prefeito de uma cidade que de repente se viu povoada de haitianos esbravejou: “manda todo mundo embora! Eles estão tomando nossos hospitais!” Quando o estrangeiro começa a ocupar trabalho e recursos, até o próprio brasileiro fica xenófobo.
A Europa está hoje com índice de desemprego altíssimo. 50% entre jovens na Espanha. Isso não é novidade. Existiu, existe e existirá.
O texto traz alguns aspectos relativos a isso, inclusive com citação de Hugo Grotius (1583 – 1645), dizendo que a xenofobia é típica dos povos bárbaros. Quando a situação aperta, algo tem que ser feito.
Notem: quando falamos em nacionalidade, temos que notar que ela está na acepção jurídica, que é distinta da acepção sociológica. A definição sociológica não corresponde à definição jurídica. “Nação árabe”, por exemplo, não é um termo usado em sua acepção jurídica. Não existe “nação árabe”, mas sim “nação egípcia”, ou “nação saudita”. Na acepção sociológica também se fala em “nação judaica”, mas não necessariamente para se referir somente ao Estado de Israel. A concepção sociológica pode estar ligada a mais de um território, ou a território nenhum. Nação palestina. Não existe o Estado palestino ainda. Há o vínculo político: nação guarani, nação xingu, nação xavante, entre outras.
Vamos nos concentrar na acepção jurídica da nacionalidade.
Pois bem. Quem define os critérios sobre nacionalidade? Cada Estado. Cada Estado é soberano para definir quem são, e, por exclusão, quem não são seus nacionais. Está dentro da autonomia de cada Estado? Está. Existe tratado sobre isso? Não. Não há tratado versando sobre nacionalidade e o Brasil não vai assinar. Até porque o vínculo político com a nação é muito forte. Os países não abrem mão de sua autonomia para definir quem são seus nacionais.
Ao mesmo tempo em que não existe um tratado sobre nacionais, há um sobre os apátridas. O que é um apátrida, o que é a residência do apátrida, mas critérios de nacionalidade não há em tratados. Quem sabe nos próximos 100 anos.
Jus soli, jus sanguinis e jus laboris/funcional. Os critérios variam. Normalmente vamos ver três: um relativo ao próprio solo, em que a nacionalidade é adquirida pelo nascimento no território daquele Estado. Outro é o critério sanguíneo. O sujeito adquire a nacionalidade porque seus pais a detêm e vem para ele. E também o critério funcional, que depende dos pais estarem ou não a serviço de seu país.
Os países que adotaram o critério jus soli adotaram em virtude da colonização. São, em geral, os que estão “deste lado” do Atlântico. Estados Unidos, Brasil, Canadá e outros que receberam levas de imigrantes e precisavam de gente para formar uma identidade. Queriam que os filhos ali nascidos tivessem identidade com o país que colonizaram.
O critério jus sanguinis é justamente o contrário: É o típico de países dos quais as pessoas saíram. Europa, em particular. Esses países tinham o interesse de que aquele vínculo do egresso fosse mantido; que subsistisse o vínculo com a cultura europeia. E também o interesse em manter a cultura em outro país, e assim por diante. O ser humano não sobrevive sem laços de identidade.
Nas duas grandes guerras, pessoas saíram por todos os lados da Europa. Brasil recebeu levas de japoneses, italianos, espanhóis, alemães e outros povos. Livro: Corações Sujos, de Fernando de Moraes. Conta uma história da imigração japonesa para o Brasil depois da segunda guerra mundial. Os japoneses não aceitavam a perda da guerra. Havia grupos que cortavam a garganta dos que admitiam que a guerra foi perdida, já que o Japão ficou milênios sem perder uma guerra. Alguns foram até confinados em campos de trabalho aqui no Brasil, em São Paulo. É, temos história!
Normalmente os países possuem duas formas de aquisição em geral, que é a condição nata, primária, originária, de primeiro grau; e a naturalização, que é a nacionalidade secundária, derivada, de segundo grau.
Vamos falar da originária primeiro. E por que é importante distinguir se o sujeito é brasileiro nato ou naturalizado? Para exercer determinados cargos, como de Presidente da República, Presidente do Senado, Ministro da Defesa, Ministro do STF, oficial das Forças Armadas, cargos com reservas constitucionais. E também o exercício de certas atividades econômicas, como a de radiodifusão e o controle de companhias aéreas. E brasileiro nato também não pode ser extraditado, enquanto o naturalizado pode.
Por esses motivos e outros, há diferença entre os dois.
A primeira regra se refere aos nascidos no Brasil, ou melhor, na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país. Peguem um diplomata francês e uma diplomata francesa. Eles trabalham no Brasil a serviço de seu país, a França, e têm um filho aqui. O filho é brasileiro? Não. Mesmo nascido no Brasil. A regra constitucional que vamos ler fala em “nascidos na República Federativa do Brasil...” vírgula! Antes, jus soli, depois, jus sanguinis. Não há nacionalidade brasileira nata da criança.
Art. 12. São brasileiros: I - natos: a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país; [...] |
E um diplomata francês com uma diplomata alemã? Continua não sendo brasileiro o filho. Aqui a redação não é aquela que vimos antes: “do país de ambos”, dando a entender que o país e o mesmo. E se o diplomata é casado com uma funcionária da ONU? Aí as coisas mudam. Os dois têm que estar a serviço do país. Neste caso, o filho nascido aqui será brasileiro. O caso da organização internacional é interessante, porque a pessoa não trabalha para seu país de origem, mas para a organização. UNESCO, por exemplo. Não trabalha para o Brasil na UNESCO, mas para a própria UNESCO. O candidato a trabalho na organização assina um termo declarando que está a serviço dos interesses da organização, muito embora seu país seja o mesmo desta.
A norma de exclusão da nacionalidade brasileira é bastante restrita, porque há interesse que a criança seja brasileira.
E o que é a República Federativa do Brasil? Não só os limites territoriais, mas também as ficções jurídicas. Aviões e navios com bandeira brasileira. Nascem crianças em alto-mar. A bandeira do navio é a que conta para efeito de nacionalidade jus soli.
Segunda hipótese: nascer no estrangeiro. Não é nascer no Brasil, mas ter pai brasileiro ou mãe brasileira. Pode ser um brasileiro com mãe estrangeira. Basta que pelo menos um dos pais seja brasileiro e esteja a serviço do país. Norma do art. 12, I, b da Constituição.
Art. 12. São brasileiros: I - natos: [...] b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil; [...] |
A hipótese é que qualquer um dos pais seja brasileiro a serviço do Brasil. “A serviço do Brasil” é uma expressão interpretada de forma ampla. O que queremos dizer? Não é apenas o filho do diplomata brasileiro que nasce no exterior, mas funcionários de sociedades de economia mista, entidades da Administração Indireta, secretaria da fazenda de São Paulo que por algum motivo viaja para Bornéu, tudo amplo. Não é só a serviço da União.
Essa é a segunda hipótese. Considera-se brasileiro o nascido no estrangeiro com qualquer um dos pais a serviço do Brasil, de forma ampla.
E quando nenhum dos dois está a serviço do Brasil? Alguém foi à Alemanha para um mestrado ou para trabalhar numa empresa alemã, e lá teve filho. Esse filho se encaixa em alguma dessas duas hipóteses do inciso I do art. 12 da Constituição Brasileira? Não. Ele entra exatamente no caso dos brasileiros apátridas. Note que a redação constitucional não fala em relação trabalhista, mas em “estar a serviço”.
Notem: em 1994, a Constituição foi alterada pelo Poder Constituinte Revisional. A redação da alínea c do inciso I do art. 12 ficou: (são brasileiros natos...)
c) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira; |
Trata-se de filho de brasileiro que está no exterior. A criança terá que esperar até os 18 anos fazer a opção pela nacionalidade brasileira. Feita a opção, esta terá efeitos ex-tunc, retroagindo à data de seu nascimento.
A nacionalidade dessa criança ficava suspensa, porque existiam dois critérios adicionais: exigência de residência e opção. Dependia de um ato voluntário, que só poderia ser praticado quando se atingisse a maioridade. Então o jovem só poderia optar a partir dos 18 anos. Ficava em condição suspensiva que dependia de residência e opção. A primeira até poderia se configurar antes, mas a opção só depois que o indivíduo pudesse praticar os atos da vida civil.
Qual foi o problema com isso? É que crianças filhas de brasileiros na Europa, onde o critério é o de sangue, ficavam sem pátria. Então o que a modificação feita pelo constituinte derivado fez foi criar um limbo jurídico. Por quê? Porque os consulados, normalmente, expediam uma espécie de registro provisório da nacionalidade, e essas crianças não eram nem brasileiras, e, se tivessem nascido num país adepto da regra do jus sanguinis, elas também não seriam nacionais daquele país. Caso típico é a Europa. Se tivessem nascido num país europeu que adota o critério de nacionalidade jus sanguinis, filhas de dois brasileiros, elas estariam com a condição de brasileiro nato suspensa e também não seriam européias. Então eram o quê? Apátridas! Como responderiam à pergunta “qual sua nacionalidade?” A resposta deveria ser “brasileiro nato com condição suspensa.” E alguns completariam: “tinha até vontade de ser europeu, mas não consigo ser.” É até triste!
Então isso criou a figura do brasileiro apátrida. O fenômeno é chamado de apatridismo, ou, em inglês, de statelessness, ou heimatlosen, em alemão. Muitas crianças ficaram desse jeito. Os pais também achavam muito chato ter que dizer isso sobre a condição de seus filhos. Então houve movimento para que se alterasse a redação constitucional por meio de emenda.
Em 2007, a Emenda Constitucional nº 54 veio à tona. O texto da alínea c do inciso I do art. 12 ficou:
c) [são brasileiros natos] os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira; |
Resolveu o problema? Vejamos. O “ou” separa a primeira parte do dispositivo da segunda. Ou se registra a criança na repartição brasileira competente (consulado), ou a criança pode vir a residir no Brasil e depois optar pela nacionalidade brasileira. São condições alternativas, sendo que a segunda vem com um “E” dentro dela. Agrupando como se fosse uma expressão matemática, as duas possíveis leituras seriam:
c) [são brasileiros natos] os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, (desde que sejam registrados em repartição brasileira competente) ou (venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira); c) [são brasileiros natos] os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, (desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil) e (optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira); |
A primeira interpretação é a seguinte: registrou. Ou você registra, ou você vem ao Brasil residir e opta. Resolveu o problema. A segunda é a seguinte: você registra ou reside, mas necessariamente terá que optar pela nacionalidade brasileira. Na segunda interpretação, o que separa os termos é o “e”. E aí começou essa discussão. E agora? O professor consultou alguns colegas no Itamaraty, perguntando-os “o que está acontecendo na prática? Não estou vendo mais problema!” Parece que estão registrando normalmente. Mas a discussão continua. O Supremo não foi provocado porque está-se fazendo um registro que não seria mais provisório. Mas encontraremos argumentos para que a segunda interpretação prevaleça também. Mas, enfim, entraríamos na discussão de que: se a discussão é dessa amplitude, para o brasileiro nato, porque é interpretado também dessa segunda forma? Aliás, por que interpretar dessa segunda forma, partindo do pressuposto que a Emenda 54 veio para resolver o problema? Se mantemos o problema, e aí? Viu como uma vírgula pode fazer toda a diferença? Ou um ponto de interrogação?
Muito bem.
E a nacionalidade secundária?
E nacionalidade secundária ou naturalização, como fica? É também alçada a disposições constitucionais, porém com um detalhe. São brasileiros...
II - naturalizados: a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral; [...] |
Jogamos a regulação para o nível infraconstitucional: “na forma da lei”. Em outras palavras, quem vem de país de língua portuguesa precisa residir aqui por um ano, e ter idoneidade moral. Basicamente, idoneidade é não ter condenação penal. Países de língua portuguesa: Brasil, Portugal, Angola, Moçambique, Guiné Bissau, Cabo Verde, Timor Leste, Guiné Equatorial, São Tomé e Príncipe e a região de Macau, na China.
A naturalização é ato discricionário, e, mesmo cumprindo todos os requisitos, a autoridade administrativa não necessariamente concederá. E quem não vem de país de língua portuguesa? A Constituição remete para uma lei, que é a Lei 6815/80, o Estatuto do Estrangeiro. Hoje essa lei está em revisão. Critérios presentes na lei são residência contínua, por quatro anos, saber ler e escrever em português, ter condições de manutenção, e existe também a condição “de ter boa saúde”. Hoje essa última não é mais aplicada, porque é bem subjetivo e difícil de delimitar. São critérios mais objetivos que são cumpridos. Pode-se negar a naturalização por conveniência política.
A naturalização é distinta da nacionalidade nata, e a Constituição joga para o nível infraconstitucional. Temos que ler a Lei 6815 para ver outras hipóteses existentes. Uma delas é que, se o estrangeiro se casa com uma brasileira, o prazo de residência diminui também.
Continuemos no Texto Constitucional: alínea b do inciso II do art. 12:
II - naturalizados: [...] b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994) |
É uma hipótese um pouco distinta, com prazo de 15 anos: uma vez preenchido, o ato se torna vinculado, não mais discricionário, e há o direito subjetivo da pessoa de se naturalizar. Se está aqui há 15 anos e não tem condenação penal, isso demonstra ânimo de estar no país. E claro, depende da postulação. Neste caso, não haverá discricionariedade. É personalíssima a postulação, que só pode ser feita pelo próprio indivíduo, e não pelos pais. Criança de dois anos no Brasil, que cumpre o requisito dos 15 anos de residência aos 17: pode postular agora? Não, tem que esperar completar 18. O ato também passa de discricionário a vinculado por uma questão de segurança jurídica, dado o grande lapso temporal decorrido.
E se a criança ou adolescente praticar ato infracional nos termos do ECA? Perde a dita idoneidade moral? Não sabemos. Bom tema para pesquisa!
Caso Roberto Carlos: falamos do jogador de futebol.
Vários jogadores brasileiros, voluntariamente, adquiriram outra nacionalidade, por naturalização, para ganhar alguns benefícios no país em que jogam. Roberto Carlos recebeu uma polpuda quantia para se naturalizar como espanhol e assim liberar uma vaga para estrangeiros no Real Madrid, já que a Espanha tem uma regra que só admite até 3 jogadores estrangeiros por time. Roberto Carlos perdeu a nacionalidade brasileira?” ¹ |
Em que local vamos encontrar uma solução para essa pergunta? Art. 12, § 4º da Constituição:
§ 4º - Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que: I - tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional; II - adquirir outra nacionalidade, salvo no casos: a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira; b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis. |
O inciso I não é o caso, porque ele é brasileiro nato, e não naturalizado. Essa hipótese de perda de naturalidade só se aplica ao naturalizado. Caso típico é daqueles que praticam o crime de tráfico, que é o que mais acontece.
É essa a hipótese do Roberto Carlos? Não. Vamos ver qual é o caso dele. O jogador adquiriu outra nacionalidade, a espanhola, então temos motivos para começar a ler o inciso II. “Salvo nos casos”: de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira. Essa hipótese é distinta também. Qual é essa hipótese? Pensem, por exemplo, em italianos cujos filhos nasceram aqui no Brasil. Os pais não estavam a serviço da Itália. São, portanto, imigrantes comuns. São brasileiros os filhos? São. Em algum momento da vida, os pais resolvem requerer a nacionalidade italiana para seus filhos também, a nacionalidade originária daqueles. E se a lei italiana reconhece a nacionalidade originária, ou seja, se o filho do italiano que nasceu aqui no Brasil é também um cidadão italiano originariamente, a nacionalidade brasileira é mantida também. Assim, a partir do momento em que os filhos dos italianos adquirem a nacionalidade brasileira, eles não mais a perdem nesta hipótese. Significa que quem adquire outra nacionalidade perde a originária, salvo nos casos de reconhecimento da nacionalidade originária pela lei estrangeira e...
Segunda hipótese: imposição de naturalização pela norma estrangeira para o brasileiro lá residente como condição para a permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis. Inclusive jogar futebol! Roberto Carlos recebeu uma oferta para jogar no Real Madri como nacional espanhol, e isso não foi uma imposição. Por que não poderíamos enquadrar o jogar bola como exercício de direitos civis?
Então notem: normalmente, essa alínea b do inciso II é a que permite que esses brasileiros – caso típico de jogadores de futebol – mantenham a nacionalidade brasileira também mesmo se naturalizando em outro país. E qual seria o interesse da nação brasileira para que as pessoas perdessem a nacionalidade brasileira? É uma pergunta a se fazer. Então a hipótese de perda de nacionalidade brasileira ocorre geralmente quando há um ato voluntário da pessoa quando ela quer se desvincular de seu país de origem.
Entendam isso: quase sempre, para se perder a nacionalidade brasileira, você terá que praticar um ato bem voluntário mesmo. Exemplo: você quer se tornar nacional de outro país por algum motivo, com intuito de assumir vínculo com o novo país e com a intenção de abandonar o vínculo com o seu país de origem. Ao iniciar o processo de naturalização em outro país, por força de algumas convenções, este terá que comunicar à embaixada do seu país de origem. Aí instaura-se um processo de perda de nacionalidade, no qual a outra nacionalidade foi requerida. Mas, se se encaixar nas hipóteses que vimos acima, você não perderá sua nacionalidade originária brasileira.
Exemplo que talvez representaria a perda da nacionalidade: brasileiros que entram nos Estados Unidos, se alistam no exército norte-americano para depois fazer o pedido de naturalização lá. Aí sim talvez fique mais expresso que o ato é voluntário. E mais ainda, se você adota um país para defender em suas Forças Armadas, ficará incompatível que você mantenha sua nacionalidade brasileira.
O indivíduo perder a nacionalidade é desinteressante para o Brasil.
Questão: o que acontece se você perde sua nacionalidade nata e depois a readquire? Você readquire como nata ou naturalizada? Grande discussão.
Observação: a perda da nacionalidade tem hipóteses taxativas. Atinge filhos e esposas? Não. Seus filhos não se naturalizam automaticamente. Facilita, mas não é automático.
E só para completar, a questão das nacionalidades múltiplas: alguém pode ter várias nacionalidades. Luciana Gimenez teve filho com Mick Jagger, Lucas Maurice Morad Jagger. Lucas é norte-americano pelo critério jus soli adotado pelos EUA, inglês pelo critério jus sanguinis, e brasileiro em condição suspensiva, aguardando completar 18 anos para fazer a opção, caso queira.²