Direito Internacional Privado

sexta-feira, 16 de março de 2012

Conflitos de leis no espaço, personalidade jurídica, pessoas jurídicas e contratos


Vamos começar a matéria hoje com as primeiras regras de conflito de leis no espaço. O professor postou a LINDB e um texto pequenininho. Vamos ter que analisar algumas regras de conflito de leis no espaço.

Na aula que vem vamos falar de família, sucessões e bens. Com isso, vamos fechar, pelo menos, as regras básicas da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

Outro ponto que o professor chama atenção é para que tragamos a Lei de Introdução para fazermos comentários.

De onde vem a Lei de Introdução? Há uma ordem cronológica. As raízes estão no Código Civil de 1916. Aquele Código não tinha uma lei de introdução separada. Tinha uma espécie de um preâmbulo, um introito. As regras estavam lá. O que acontece é que, em 1942, houve uma separação, mas em que sentido? Foi criado um novo instrumento, o Decreto-lei 4657 de 1942, que é a Lei de Introdução que está em vigor até hoje. 70 anos! A primeira observação, portanto, é: é uma lei bem antiga. Não existe mais decreto-lei hoje, mas existe a figura mais próxima que é a medida provisória. O Decreto-lei, que tem força de lei, que foi recepcionado pela Constituição é a ideia, mutatis mutandis, a ideia de medida provisória.

Em 42 veio esse decreto-lei que separou a Lei de Introdução do Código Civil. Voltando à questão do ano, temos que já se foram setenta. Nem por isso o diploma é obsoleto. A solução adotada lá fazia e faz muito sentido. Nem todas as regras, entretanto. Quem ia pensar em Internet em 1942? Ninguém. Facilidades tecnológicas que trariam uma série de preocupações. Pensavam-se em cartas e telégrafo.

Ainda dentro do campo normativo do Direito Internacional Privado, outra evolução importante é o Código Civil de 2002, que derroga o Código Civil de 1916, trazendo nova materialidade. Por fim, a Lei 12376/2010 nada mais fez do que mudar o nome de Lei de Introdução ao Código Civil para Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. É que dava a impressão de que ela só se aplicava ao Código Civil, mas é a todo o Direito Brasileiro. Regras de temporalidade, por exemplo.

Aí olhamos que falta a Constituição nesse nosso comentário. A Constituição, como norma maior do ordenamento, influencia tudo. Principalmente a parte civil. Já ouviram falar em constitucionalização do direito privado? Interpretar as normas de direito privado à luz de princípios constitucionais, o que também de vez em quando se vê com o nome de “publicização do direito privado”. É a ideia de que temos um instrumento, que é a Constituição da República de 1988, que dá uma grande interpretação, mais ampla, de institutos até então tratados preponderantemente pelo Código Civil, introduzindo a ideia de função social do contrato, por exemplo. Os privativistas têm uma função muito mais restrita do que seja isso, ao passo que os constitucionalistas têm uma visão mais ampla.

Este é só um esquema cronológico para nos situarmos. Vamos falar basicamente disso, e, obviamente, o que se relaciona diretamente com essa discussão no Código Civil. É para termos uma boa noção de como foi essa evolução legislativa da matéria.

Como são essas normas do Direito Internacional Privado?

Se notarmos, as normas do Direito Internacional Privado têm uma característica bem interessante. Normas de conflito de leis no espaço, por exemplo, são normas que chamamos de indiretas, ou normas indicativas. São diferentes de uma norma direta. Há uma disposição no Código Civil:

Art. 391. Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor.

Vejam essa norma. Inadimplemento, obrigações, responsabilidade, todos os bens, devedor. Notem que temos uma hipótese de incidência e uma consequência jurídica. Essa consequência jurídica fala materialmente qual é a resposta do Direito para aquela hipótese de incidência. É a mesma hipótese de incidência que temos no Direito Tributário, ou mesmo do Direito Penal.

Qual é o Direito aqui? Se há inadimplemento da obrigação, então os bens do devedor respondem a pela obrigação. É uma norma direta.

E a norma indireta ou indicativa? Como o próprio nome diz, ela é indireta, e não responde o que é o Direito, qual a consequência jurídica do ponto de vista material. Ela, ao invés disso, indicará qual é o Direito aplicável.

Veja a LINDB:

Art. 9º Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituirem.

[...]

Não diz o que dizem as leis do país. Só remete para qual o Direito Material aplicado. É uma metanorma, um Sobredireito. O que se resolve é o conflito de leis no espaço. Não é propriamente a solução do problema jurídico. É, na verdade, a solução do problema jurídico de conflito de leis no espaço. Somente. É uma diferença bastante relevante.

Uma coisa é a norma direta, que normalmente trabalhamos no direito material, no Direito Civil, em vários campos, e outra coisa é a norma indireta, que simplesmente fala: neste caso, é a lei brasileira que se aplica, e nesse outro, será a legislação estrangeira.

Pessoas, personalidade e capacidade

Vamos ver alguns exemplos interessantes.

Art. 7º A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.

[...]

Esse é o art. 7º da LINDB. A lei do país em que domiciliada a pessoa. Vamos pegar um exemplo de capacidade para entendermos. Imaginem que temos um brasileiro domiciliado no Brasil, um alemão, que tem domicílio no Brasil, e um contrato celebrado entre eles, um negócio jurídico. Um contrato bilateral oneroso. Venda de serviços, compra e venda de um produto, o que for. Temos duas pessoas que têm domicílio no Brasil e uma delas tem nacionalidade brasileira. Quais os requisitos da validade do negócio jurídico? Agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei. O primeiro é o agente capaz. Tomemos a capacidade do agente. Nesse contrato entre o brasileiro e o alemão, a capacidade do alemão se dá conforme o Direito Brasileiro ou Direito Alemão? Para responder, temos que ver a indicação do art. 7º da Lei de Introdução, transcrito acima. O alemão está domiciliado no Brasil. Mesmo sendo alemão! Então essa regra acima faz é jogar o domicílio, aliás, estabelecer que o domicílio da pessoa rege sua capacidade. Nessa relação, portanto, a regra é: domicílio brasileiro rege a capacidade das pessoas. É vista sob a ótica do direito material brasileiro. O que a norma da capacidade diz? Menoridade cessa aos 18 anos. Depois disso, o indivíduo é plenamente capaz.

Imaginem que, ao invés de domicílio, estivesse escrito “nacionalidade” no artigo acima. E agora? Isso é uma hipótese, apenas. O mesmo problema do alemão com domicílio no Brasil, contratando com esse brasileiro no Brasil. A pergunta é: o alemão seria capaz conforme as regras do Direito Brasileiro ou do Direito Alemão? Seria capaz conforme as regras do Direito Alemão. Se o critério fosse a nacionalidade, que tipo de consequência isso teria no dia-a-dia das pessoas que contratam com estrangeiros? Teria que saber a nacionalidade dele, e remeteria ao Direito do país dele. Seria impossível!

E se o Direito alemão acompanhasse a pessoa? Aí teremos um fenômeno chamado “reenvio”. Remete à lei exterior, e a exterior remete à nossa. Esse ping pong será esclarecido no futuro. Se adotássemos o critério da nacionalidade, que tipo de consequência isso traria para o dia-a-dia das pessoas? Saber a lei de origem dessa pessoa. Do ponto de vista legal, claro. Do ponto de vista prático, eu não contrataria com estrangeiros. Não saberia nem se o sujeito é capaz! Imagine contratar com uma mulher de feições médio-orientais. Ficaríamos na dúvida se ela é saudita ou de qualquer país em que as mulheres não têm capacidade e para tudo precisam de autorização do marido.

Para evitar isso, então, o critério do domicílio é utilizado. Mas outro critério que costuma se usar no mundo é o da nacionalidade. E há diferenças. O critério do domicílio é utilizado de forma mais generalizada nos países da América Latina, Estados Unidos, Austrália. Alguns países europeus e Canadá também. Há uma questão histórica, porque esses países recebiam estrangeiros. Eles tinham a intenção de que os estrangeiros fixassem domicílio no país e não tivessem problemas básicos de capacidade jurídica. Os que usam o critério da nacionalidade tinham a ideia de que carregassem a nacionalidade para fora, o que, na realidade, dá problemas. O domicílio, assim, de certa forma aproxima o estrangeiro do Direito Local. A regra do domicílio faz com que se apliquem as coisas básicas da vida a regra do local em que ele tem domicílio. Se você joga para a nacionalidade, você cria um problema de: qual é o direito material do país de origem dessa pessoa?

Essa é a primeira regra com relação à capacidade.

Personalidade

Imaginem a seguinte situação: um casal de franceses, cuja mulher está grávida, vem para o Brasil a passeio, no oitavo mês de gravidez dela. Estão passeando na praia, e a criança nasce ali mesmo. E nasce sem vida; não chegou a respirar. Isso em território brasileiro. Filhos de pais franceses, com domicílio na França. Segundo o Direito Civil Brasileiro, essa criança não tem personalidade jurídica. Nunca adquiriu. Qual regra se aplica?

Vamos voltar. O bebê tem domicílio? Sim, é o dos pais. O domicílio dos pais, neste caso, é a França. A regra de personalidade segundo o Direito Internacional Privado Brasileiro remete para o local do domicílio, que é a França. Se essa criança tem ou não personalidade jurídica quem dirá é o Direito francês. E o que o Direito francês fala? Essa criança tem sim personalidade jurídica no Brasil, mesmo nascendo morta! Terá nome, personalidade e existiu no mundo jurídico.

Digamos, agora que são pais norte-americanos domiciliados no Japão que vêm aqui para o Brasil e a criança nasce morta. Adquiriu personalidade? Depende do quê? Do Direito Japonês.

Observação: a nacionalidade só existe se a pessoa existe no mundo jurídico. Com a existência, ela adquire a personalidade.

O que vale para nós é o raciocínio jurídico. Podemos ter consequências sucessórias, por exemplo.

A regra do domicílio faz é exatamente jogar a questão da personalidade para o local do domicílio da pessoa. Art. 7º da LINDB.

Vamos elaborar mais um pouco agora.

Agora imaginem que são pais italianos, domiciliados no Brasil, e acontece de a criança nascer sem vida. Segundo do Direito Internacional Privado brasileiro, que indica que a personalidade será regida pelo local do domicílio, a criança não teria personalidade jurídica. Vale a lei brasileira porque os pais são domiciliados no Brasil.

E se o Direito do outro país for completamente absurdo, que fira nossas concepções do que entendemos como Direito? Teremos algumas hipóteses com as quais não se obriga o magistrado brasileiro a aplicar o Direito Estrangeiro. Pode ser tão diferente do nosso, tais como questões sucessórias de países árabes. O resultado pode ser tão chocante que não se aplica. Vamos ver depois. Aqui estamos preocupados em resolver o conflito de leis no espaço. Aquilo será outra etapa do raciocínio, lá na frente.

Pessoa

Temos que prestar atenção em algumas disposições da Lei de Introdução que não fazem mais sentido. § 7º do art. 7º:

§ 7º Salvo o caso de abandono, o domicílio do chefe da família estende-se ao outro cônjuge e aos filhos não emancipados, e o do tutor ou curador aos incapazes sob sua guarda.

Existe chefe de família? Esse conceito não foi recepcionado pela Constituição de 1988. Algumas disposições que estão na LINDB não foram recepcionadas. Não foi caso de revogação expressa. Isso porque isso foi escrito em 42, quando o conceito de chefe de família era muito forte.

§ 8º:

§ 8º Quando a pessoa não tiver domicílio, considerar-se-á domiciliada no lugar de sua residência ou naquele em que se encontre.

Vejam a diferença. Primeiro, olha-se o domicílio. Depois procuramos a residência, depois o local em que se encontra. Vocês conseguem imaginar situações de DIPr em que as pessoas não têm domicílio? Ciganos, por exemplo! Há grupos de pessoas também que ficam na fronteira entre Brasil e Paraguai que não têm domicílio certo. Ficam aqui e ali. Sacoleiros.

É isso que as regras de conflito de leis no espaço irão tratar. Com algumas alterações.

Pessoas jurídicas

Há uma consequência interessante sobre elas também. Um ponto relativo às pessoas jurídicas, como dissolução, constituição de uma empresa, poderes dos prepostos, tudo isso podem gerar problemas de DIPr. Por quê? As pessoas hoje podem ter uma dispersão geográfica enorme. Digamos que uma empresa tenha sido constituída nos Estados Unidos. Os proprietários dela são de nacionalidade brasileira e argentina; digamos que esse encontro dê certo. A exploração da atividade dessa empresa constituída nos EUA cujos sócios são nacionais brasileiros e argentinos se dá na África. A sede da administração da empresa, que foi constituída nos EUA cujos sócios são brasileiro e argentino está num paraíso fiscal. A empresa, portanto, está dispersa. Os sócios têm diferentes nacionalidades, a constituição foi feita em algum lugar diferente do país de origem deles, manobras foram feitas para jogar a tributação para outro lugar... Então como tudo isso se rege? Essa é a pergunta que se põe no DIPr. Pode ter sido constituída nos EUA porque leis são mais simples, burocracia é menor, há incentivo tributário, ou qualquer outro motivo. Qual a lei aplicável a essa empresa?

Temos duas teorias, basicamente. Uma é a teoria da incorporação, e a outra é a da sede dos negócios. Na teoria da incorporação, vale o local onde ela foi constituída, incorporada. No caso, Estados Unidos. Essa outra teoria, da sede dos negócios, não é a sede física, mas onde está a atividade da empresa. O centro de gravidade, onde ela existe do ponto de vista fático? Parece com Savigny; é um conceito Savigniano. Não é porque foi incorporada em algum país que ali será a sede dos negócios.

Existem essas duas teorias. Qual foi adotada pelo Brasil? LINDB:

Art. 11. As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se constituírem.

[...]

Significa que o Brasil adotou a teoria da incorporação. Não é assim no mundo inteiro. Outros países adotam outros critérios.

Existe mais um ponto relativo a isso, que é o que está no § 1º do art. 11, que diz o seguinte:

§ 1º Não poderão, entretanto, ter no Brasil filiais, agências ou estabelecimentos antes de serem os atos constitutivos aprovados pelo Governo brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira.

A ideia aqui é: imaginem o grupo Fiat. Foi constituído na Itália em algum momento do século XX. Segundo o DIPr Brasileiro, esse grupo que fabrica carros na Itália rege-se segundo a lei italiana. Agora imaginem: podem acontecer duas coisas. Uma hipótese é o grupo constituir uma empresa aqui no Brasil segundo as leis brasileiras. “Fiat Brasil”, por exemplo. Outra hipótese que pode ocorrer é que essa pessoa jurídica de direito privado estabelece uma filial, uma agência, uma subsidiária aqui no Brasil para desenvolver alguma atividade. Nessas duas hipóteses, pelo simples fato de serem incorporados aqui no Brasil, aplica-se a lei brasileira. Se tem a presença de firmas no Brasil, aplica-se a lei brasileira. Exemplo: Google Brasil e Google Inc. Problema do Orkut em 2006: depois de ter se instalado aqui no Brasil constituindo uma empresa chamada “Google Brasil”, a gigante de buscas americana foi demandada pelo Ministério Público para remover comunidades de cunho preconceituoso e odioso do Orkut. Algumas decisões foram proferidas em favor do MP. O órgão requereu também a imposição de multa para cada dia de descumprimento da decisão judicial. Aí veio o questionamento da Google Brasil, que alegara nada ter a ver com o Orkut, afinal os servidores estavam localizados no Googleplex, no Vale do Silício, e eram administrados pela Google Inc. e não pela Google Brasil. O problema é de imaturidade jurídica quanto às relações no meio digital.

Regra geral, portanto, é lei brasileira, em função da teoria da incorporação. Diferente dos países que adotam a teoria da sede dos negócios.

Contratos

Como fica a questão de obrigações e contratos nessa discussão? Os critérios, de novo, variam imensamente. Há países que adotam o critério do local de cumprimento da obrigação. Regra lex loci executionis. “ Executionis” não é no sentido processual, mas no sentido de cumprimento da obrigação, portanto uma questão de Direito Material.

Outros adotam a regra do local de celebração – lex loci celebrationis –  e outros adotam regra da autonomia da vontade.

Vamos ver um problema para visualizarmos. Peguem uma empresa brasileira e uma argentina. Elas celebraram um contrato nos Estados Unidos. Se o Brasil adotasse, por hipótese, o local de celebração do contrato, o contrato seria regido por qual Direito? O Norte-americano. Se o Brasil adotasse a teoria da autonomia da vontade, seria regido por qual Direito? Dependeria do que foi escrito no contrato. Vale o que foi estipulado. As duas empresas podereiam estabelecer que, nos casos omissos, use-se o Direito Japonês. Sim, de vez em quando acontece!

Autonomia da vontade joga para o local que as partes estipulam.

Vínculos mais estreitos: o contrato tem vínculo mais estreito com o Brasil, com a Argentina ou com os Estados Unidos? Com o Brasil e com a Argentina. Podemos eliminar os Estados Unidos porque lá só se deu a assinatura do contrato. Mas se está mais próximo daqui ou dali, dependerá de cada caso, talvez da predominância da atividade. Essa relação tem um vínculo mais estreito com qual dos dois países? O vínculo mais estreito é um critério mais subjetivo. Os anteriores são objetivos.

Atenção: uma coisa é conflito de jurisdição, e outra é conflito de regência material do contrato. Por exemplo, uma cláusula resolutiva penal que existe num país não é aceita em outro. Talvez aquela cláusula do contrato não teria validade segundo o Direito Material de outro país.

Em 1916, o Brasil adotava a regra lex loci celebrationis e a da autonomia das vontades. Naquela ocasião, a lei dizia: “salvo estipulado entre as partes, as obrigações se regem pelo local de celebração do contrato.” Lá em 1916, estava claro que havia autonomia da vontade e que, na falta de acordo entre as partes, aplicava-se a lei material do local de celebração do contrato.

Em 1942 veio a redação da Lei de Introdução ao Código Civil (hoje Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro): art. 9º, caput:

Art. 9º Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.

Tiraram a autonomia das vontades! Será? Antes havia: “salvo estipulado em contrário.” Isso sumiu em 1942. Será que agora o que regem as obrigações apenas o local de celebração dos contratos? Teremos duas doutrinas relacionadas a isso, e jurisprudência não uniforme também: para grande parte dos autores, a autonomia das vontades foi realmente tolhida em 1942. Foi um ato deliberado. Para outra parte da doutrina, o que aconteceu passamos a ter uma omissão com relação à autonomia da vontade. Para esses autores, há autonomia caso as partes não estipulem.

Contrato entre ausentes: a regra é que considera-se feito no local de residência do proponente.

§ 2º A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente.

O que é residência do proponente? Onde está? A pessoa lhe propõe a celebração de um contrato, você responde propondo uma mudança de cláusulas... isso é difícil porque torna-se complicado saber quem foi, na verdade, o proponente. Imagine que você está afim de viajar para a Argentina, então pesquisa no Google alguns hotéis e escolhe um em Buenos Aires. Você liga manifestando a intenção de se hospedar lá. Pergunta o preço da diária, as suítes disponíveis, e faz uma reserva. Deposita um dinheiro na conta do hotel e marca sua viagem. Quem é o proponente? Havia uma oferta aberta na Internet, o que faz parecer que aquilo é uma relação de consumo e que o proponente é o estabelecimento. É como se a ideia consubstanciada fosse “passe férias no meu hotel por X pesos a diária e desfrute de todo o conforto que nossas suítes podem oferecer.” Isso é uma proposta de um contrato. Essa é uma das maneiras de se olhar para essa relação entre você, pretenso hóspede, e o hotel. Porém, quem pegou o telefone e ligou foi você, que tomou a iniciativa de ir atrás da informação. Por esse prisma, a situação seria como “pago-te X pesos por dia se deixares que eu me hospede em teu estabelecimento nas próximas férias.” Por isso costuma haver divergência sobre quem é o proponente, e isso tem impacto direto sobre a norma aplicável. Claro que, neste caso em particular, é difícil não caracterizar o proponente como o próprio estabelecimento de hotelaria, já que a relação é típica de consumo, e a oferta estava disponível a todo o instante na Internet. Imaginamos, por hipótese, que a legislação argentina não é tão diferente da do Brasil no que tange à relação fornecedor-consumidor. O problema é que alguns países podem não ter um sistema consumerista parecido com o nosso.

Daí tiramos que essa questão envolve grande carga de subjetividade, e deveria haver mais regras. E são contratos cada vez mais comuns, o que representa uma grande dificuldade.

No Brasil se adota a lex loci celebrationis com relação ao direito material. E com relação à forma do contrato? Qual é a forma aplicada? Agora sim é mais fácil. O mundo inteiro adota que a forma é regida pelo local de celebração. A forma é sempre a do lugar de celebração. Diferente do conteúdo do contrato! Se o contrato exige quatro testemunhas, você terá que consegui-las, dependendo do local onde resolver celebrá-lo. Se precisa de solenidade, forma pública, ou qualquer outra formalidade também. Isso é quase que 100% pacífico.

Outra coisa, claro, é o direito material, o conteúdo do contrato. Não confundam!

Então, para fixar: peguemos uma empresa brasileira, que fornece papel para uma editora alemã. O contrato foi celebrado em Paris.

Vamos aplicar o critério da lex loci celebrationis. Direito Francês. Autonomia das vontades: o Direito é o que as partes estipularem. Ou podemos aplicar a teoria dos vínculos mais estreitos. Façam uma abstração: com qual dos dois países o contrato tem mais proximidade? Com a França é que não será. Lá foi meramente o local de celebração do contrato, e é a regra francesa que deverá seguida quanto à forma, mas o contrato envolve muito mais a empresa brasileira e a empresa alemã. Logo, isso varia muito. É um critério subjetivo. Podemos fazer uma interpretação do vínculo mais estreito está aqui ou ali. Uma possível forma de olhar para essa relação é notar que é no Brasil que a matéria prima do papel é extraída, é aqui que se empregam as pessoas encarregadas da produção, é aqui que se tomam as decisões estratégicas em relação aos rumos da empresa produtora, inclusive o de oferecer para a empresa alemã por aquele preço; à empresa alemã caberia somente pagar o preço e transformar o papel, que já está industrializado, em livros. Essa é, portanto, uma possibilidade de se entender que é com o Brasil que esse contrato tem vínculos mais estreitos.

Entretanto, o Brasil não adota a teoria dos vínculos mais estreitos. Estados Unidos adotam.

Para cada caso, portanto, há uma apreciação da Corte.

Peguemos, agora, o local de cumprimento da obrigação. Brasil, Alemanha ou França? França que não, de novo, porque lá foi meramente o local de assinatura do contrato. Restam Brasil e Alemanha. E agora? Depende fundamentalmente da obrigação que estamos falando. A extração pode se dar em Mato Grosso, depois indo de caminhão ao Estado de São Paulo, para a fábrica, em seguida enviada ao Porto de Santos e ali remetidos ao exterior. É aqui que está cumprida a obrigação de remeter? Pode ser que as partes tenham estipulado que a responsabilidade passe à empresa alemã a partir do porto. Ou, então, a brasileira pode ter se responsabilizado pela mercadoria até a efetiva entrega no Porto de Bremen.

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