Direito Internacional Privado

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Cooperação jurídica internacional: homologação de sentença estrangeira

Texto de apoio: Resolução nº 9/2005 do Superior Tribunal de Justiça, em versão completa. Vide final desta página.

Hoje vamos falar de cooperação jurídica.

Recapitulando a parte de processo internacional: vimos competência, litispendência, vimos forum shopping, eleição de foro, imunidade. Hoje vamos entrar na parte de cooperação jurídica internacional. Na verdade, são vários institutos de cooperação jurídica internacional. Hoje vamos ver um deles, que é a homologação de sentença estrangeira. Na próxima aula vamos ver carta rogatória e auxílio direto. Hoje, fundamentalmente vamos ver homologação de sentença estrangeira.

Vejam: os três institutos que vamos olhar ao longo desta e da próxima aula são a homologação de sentença estrangeira, a carta rogatória e o auxílio direto.

A primeira coisa que podemos imaginar é: por que existe cooperação jurídica internacional? Por que, a princípio, toda sentença estrangeira, ou todo ato que provenha de uma autoridade administrativa de outro país tenha efeitos no próprio país de origem dela, claro. Da mesma forma aqui no Brasil. A presunção é de territorialidade. A sentença do juízo brasileiro produz efeitos no próprio Brasil. A sentença de um juiz ou de um acórdão de um tribunal produz efeitos naquele país. O princípio que rege toda a parte jurisdicional é um princípio de territorialidade. E aí podemos pensar? Por que existe cooperação jurídica? Temos que parar um pouquinho para pensar na razão. Na verdade, nenhum país é obrigado a homologar a sentença de outro. A homologação da sentença estrangeira é uma possibilidade que existe, mas nenhum país é obrigado a fazer isso. O Brasil poderia, por exemplo, ter uma disposição legal prevendo que “não se homologam sentenças estrangeiras no Brasil”. Poderia, sem problema nenhum. Há países que não homologam. Decisão do legislador, decisão daquela sociedade. Afinal, o que é uma sentença estrangeira? É uma sentença que veio de um juiz que não conhece, de uma justiça que você não conhece, exarada num procedimento legal que você não conhece, e que pode produzir efeitos no seu país a partir da homologação. Da mesma maneira esse raciocínio se aplica ao conflito de leis no espaço. Por que aplicar a lei estrangeira no meu país?

A ideia que move tanto a aplicação de leis estrangeiras quanto a homologação de sentença estrangeira é, no sentido de cooperação entre os países, na visão de alguns, é talvez a ideia de justiça global, ou seja, as pessoas não estarão a salvo em nenhuma jurisdição. Digamos que eu viole a lei e cometa um ato ilícito em outro país, em seguida volto para meu país de origem para fugir da jurisdição daquele país. Notem: a ideia da cooperação jurídica é exatamente para não haver o que se chama de portos, paraísos ou refúgios nos quais as pessoas podem se encontrar protegidas porque estão fora do alcance da jurisdição. É a mesma ideia que temos no campo penal, no instituto da extradição. Mas, aqui, no campo civil. Aqui também temos a ideia de atingir as pessoas fora de suas jurisdições em função dessa ideia de cooperação.

Anotem, portanto, o primeiro conceito de homologação: homologação é o pronunciamento, por meio de um processo no qual se dá o reconhecimento da eficácia jurídica de ato estrangeiro, uma sentença, por exemplo, na ordem jurídica de determinado país.

Temos que apontar algumas coisas nesse conceito. A primeira delas é que a homologação é um processo que, no Brasil, particularmente, é autônomo, que corre perante o Superior Tribunal de Justiça. Cada país tem seu próprio modelo de homologação de sentenças. No Brasil é um processo autônomo, no qual cabem todos os requisitos previstos no Código de Processo Civil, além das particularidades de um processo de homologação de sentença estrangeira. Por exemplo, a sentença tem que vir traduzida, como vamos ver logo mais nos requisitos para a homologação.

É um processo autônomo.

Outro detalhe que devemos notar é o que está, no conceito acima, entre vírgulas: “uma sentença, por exemplo, [...]”. É que não são somente as sentenças que são homologadas. Há outros atos estrangeiros, que provêm de autoridades administrativas, que também precisam ser homologados. Além disso, sentença arbitral estrangeira também precisa ser homologada. Não só sentença em sentido estrito, algo que tenha sido prolatado pela justiça estrangeira ou tribunal estrangeiro que precisa de homologação. Atos administrativos também. Caso mais comum: divórcio administrativo no exterior. Divórcio que correu perante autoridade administrativa no estrangeiro precisa passar por um processo de homologação para que produza efeitos aqui no Brasil. Quais são esses efeitos?

Efeitos da sentença estrangeira homologada

Uma vez homologada, a sentença estrangeira produz os mesmos efeitos tal qual fosse uma sentença nacional, prolatada por autoridade judiciária brasileira. O efeito da homologação é muito forte, porque a partir do momento em que se homologa algo, tal ato produz efeitos como se tivesse sido proferido pelo Judiciário Brasileiro. Coisa julgada, por exemplo. Produz efeito de coisa julgada! Por isso que o processo de homologação tem uma série de requisitos que precisam ser seguidos, já que os efeitos são muito fortes. E, de novo: um juiz que não conhecemos, uma justiça que não conhecemos e um sistema legal que não conhecemos. E há sistemas jurídicos estáveis, e outros nem tanto. Sabemos, por exemplo, que o sistema legal mexicano não é dos mais santos, não. Na Colômbia, até há um tempo atrás, o sistema judiciário também era bem problemático. E aí chegavam sentenças proferidas por juízes colombianos aqui, e começava o debate: homologar ou não? Então precisa passar por um processo de homologação, em que se verificarão alguns requisitos formais principalmente.

Valor da sentença estrangeira: casuística

Muito bem.

Como colocamos, a homologação varia de país para país. Há país que nem homologa, ou seja, neles, para que tenhamos uma decisão judicial que produza efeitos jurídicos naquele país, requer-se nova ação. Um processo novo. Exemplo: países nórdicos. Dinamarca, Noruega, Suécia... tradicionalmente, são países que não homologam sentenças estrangeiras. Um divórcio relacionado a um casamento de uma brasileira com um sueco. Ter-se-á que ajuizar uma ação lá.

Observação: Argentina manifestou-se que irá promover o casamento de turistas. Brasil se antecipou e disse que não irá reconhecer. Mas o casamento realizado no exterior, pela lei brasileira, é válido, e casamento não é um ato que precisa passar por processo de homologação. O casamento realizado no exterior pode passar por um processo de registro no cartório, mas não por um processo de homologação. Na verdade, é só uma publicidade que se dá ao ato a partir do momento em que se registra no cartório. Não tem efeito constitutivo; os nubentes são considerados casados desde que casam, e não é o registro no cartório brasileiro que constitui sua situação jurídica. Ela será meramente declaratória com efeito retroativo, mesmo se o casamento tiver sido realizado no exterior.

E outra pergunta: por que o divórcio precisa de homologação? No divórcio, analisam-se vários requisitos, mas não no casamento. É talvez pela questão patrimonial, já que temos que imaginar que há países em que o sistema legal funciona muito bem, e em outros não. Então, da mesma forma que podemos ter uma sentença proferida por um juiz alemão, que é um país com estabilidade jurídica e política, podemos ter também uma sentença do Haiti, que é um país menos estável. Não conhecemos a fundo o sistema haitiano, mas é um país pequeno, em que o sistema legal talvez não tenha uma segurança jurídica muito grande. É nesse sentido que alguns atos que estão sujeitos ao processo de homologação.

A lei, anteriormente, discriminava as sentenças de efeito meramente declaratórias de estado de pessoas não precisavam ser homologadas, mas hoje isso já caiu também. Hoje tudo precisa ser homologado. É um bom questionamento: por que alguns atos precisam de homologação, outros não? Normalmente, os atos que ensejam efeitos patrimoniais, ou mesmo as sentenças de efeitos meramente declaratórios do Estado de pessoas passam pelo por esse controle jurisdicional que é o juízo de delibação que vamos ver daqui a pouco.

Então alguns países simplesmente não homologam. França está aqui também. “Ah, mas já ouvi falar de uma sentença brasileira que foi homologada na França, não por força na lei geral da França, mas porque ela tem um tratado bilateral com o Brasil relativo à cooperação em matéria civil e comercial.” Então não é porque a França, em sua lei processual, permite tal qual a lei brasileira permite de forma ampla a homologação, mas sim por força de um tratado bilateral que foi firmado. Então a França optou por um modelo em que a lei não dispõe sobre homologação, mas uma vez havendo tratados bilaterais ou regionais dentro da União Europeia, aí sim poderá haver homologação. Cuidado, a sistemática dentro da União Europeia é diferente. Mas quando um país membro da União Europeia se relaciona com um país fora do Bloco, temos que ter um tratado bilateral, pelo menos com a França, para que haja a possibilidade de homologação.

Então vejam: esse é o modelo. Exige-se nova ação e simplesmente não se homologa sentença estrangeira. Há outros países que também não homologam mas permitem que a sentença estrangeira tenha algum tipo de força probabilidade. Estados Unidos e Reino Unido. Há uma ação específica, que é trazer uma ação em julgamento com base numa sentença estrangeira. É uma ação, um rito específico que permite que sentenças estrangeiras sirvam como prova nos Estados Unidos e no Reino Unido.

Entretanto, podemos notar que isso é bem parecido com o que estamos vendo até agora. Embora tenhamos que ajuizar uma nova ação, se tivermos uma ação que já foi julgada, com certeza vamos instruir esse novo processo com a sentença proferida nessa ação. A diferença é que aqui existe um rito específico. Já há um procedimento regulado em que podemos iniciar uma nova ação nesse país e usar a sentença estrangeira com força probatória. Tem muito mais a ver com inversão do ônus da prova.

Há também países que adotam a reciprocidade. Caso típico é a Alemanha. A reciprocidade aqui opera no seguinte sentido: “eu homologo sentença do seu país se você homologar sentença do meu.” Vamos pegar a Alemanha. Chega uma sentença brasileira lá. Então a justiça alemã se pergunta: “o Brasil homologa sentença alemã?” A resposta é sim. Não só sentenças alemãs, mas de qualquer outro país, e não exige reciprocidade. Então a Alemanha também homologará sentença estrangeira. Isso é a reciprocidade. O Brasil não observa a reciprocidade. Pode vir uma sentença lá da Noruega, que não homologa, e o Brasil pode homologar. Claro, ela deverá passar pelo juízo de delibação brasileiro. Não necessariamente será homologada, mas poderá ser submetida ao processo de homologação. E não é porque aquele país não homologa a sentença brasileira que a sentença de lá será negada; esse critério não conta aqui, em hipótese alguma. Nem adianta defender: “ah, mas aquele país não homologa sentença brasileira!” Tanto fez, tanto faz. Não é critério para se indeferir a homologação de sentença estrangeira no Brasil.

Observação: quando falamos em homologação de sentença estrangeira, normalmente estamos falando em sentenças cíveis. Em questões criminais, temos mais auxílio direto do que homologação propriamente. Há uma discussão teórica com relação a isso, mas veremos que o auxílio direto é o modelo mais utilizado para casos no Direito Penal, muito mais que homologação de sentença estrangeira. Quando falamos em homologação de sentença estrangeira, os casos são, principalmente, em esfera cível. Vamos ver auxílio direto na próxima aula. Depende da autoridade central.

Os modelos são diferentes e variam. Cada país tem o seu, nenhum país é obrigado, e o Brasil adotou um modelo que é o juízo de delibação, que vamos ver já, já. É o modelo português. Delibar é verificar, olhar. Olhamos mas não olhamos muito; checamos alguns aspectos formais da sentença estrangeira, tais como a competência da autoridade que proferiu a sentença, se ela está traduzida, se está contextualizada e outros requisitos; e, de maneira muito limitada, o aspecto material da sentença. Faz-se um controle de materialidade por tema. Isso é o Brasil; há países que atentam mais para o aspecto material, a Alemanha, por exemplo, que observa a existência ou não de reciprocidade. Vamos ver que no Brasil o juízo de delibação é bem constrito a alguns fatores que vamos olhar.

Pois bem.

Procedimento da homologação no Brasil

Tradicionalmente, quem fazia a homologação aqui era o STF. Era assim desde 1894, quando foi editada a Lei 221/1894. Era competência do Supremo Tribunal Federal. Isso veio até 2004, quando essa competência passou ao STJ, com a Emenda Constitucional nº 45. E por que fizemos isso? Por que tiramos todos os procedimentos que estavam no Supremo havia mais de cem anos e passamos ao STJ? O primeiro motivo é diminuir o volume de processos. Por que haveríamos de ocupar a corte mais alta do país com processos de homologação de sentença estrangeira? E outra coisa: a maioria das questões discutidas em homologações de sentenças estrangeiras versa sobre interesses particulares, divórcio, guarda de filho, alimentos, sucessões, contratos. Por que oneramos ou alocamos os recursos do STF com homologação de sentença estrangeira? Passamos, portanto, para outro tribunal, o Superior Tribunal de Justiça, e assim foi feito.

A competência era, portanto, do STF. E o Código de Processo Civil remetia ao Regimento Interno do STF a elaboração das regras sobre homologação. A Lei de Introdução também trazia algumas regras sobre homologação. Quando houve essa reforma constitucional, todos os procedimentos de homologação passaram ao STJ. O que temos que entender é que houve, basicamente, uma continuidade. O STJ não trouxe grandes inovações interpretativas com relação à interpretação. O STJ simplesmente vem fazendo, ou vem aplicando o que o STF já tinha assentado em seus mais de cem anos de jurisprudência relativa à homologação de sentença estrangeira. Houve uma continuidade. Pouca coisa mudou com relação à interpretação. Basicamente se seguiu a mesma coisa.

O que aconteceu? O que estava no Regimento Interno do STF passou para uma resolução do STJ. Resolução essa que deveria ter sido temporária, já que o teor dela deveria ter sido incorporado ao Regimento Interno do STJ, mas por algum motivo isso até hoje não foi feito. Por isso que o procedimento de homologação é previsto na Resolução nº 9/2005, do STJ. Lá temos o procedimento de A a Z. Não só para homologação de sentença estrangeira, mas também os procedimentos de carta rogatória. É a fonte normativa primária de todo esse arcabouço jurídico. Primeiro a própria Constituição, que remete a competência para o STJ, o Código de Processo Civil, que remetia ao Regimento Interno, havendo obviamente a substituição de um pelo outro (do STF para o STJ), e uma Resolução do STJ que ampara o rito da homologação de sentença estrangeira.

Basicamente é isso que vamos ver em todo esse procedimento de homologação.

Antes de saber como é esse procedimento, cabe observar que a reforma feita pela Emenda 45, que alterou a competência para o procedimento de homologação de sentença estrangeira para o STJ pode não ter sido, no entender de alguns, a melhor coisa a fazer. Talvez criar uma vara especializada nisso, já que o STJ também é um tribunal cheio de processos. É um questionamento válido. Porém, temos ao mesmo tempo pensar que temos que ter algum tipo de controle maior em função da produção do efeito que a sentença, uma vez homologada, possui. O efeito final é que a sentença homologada possui os mesmos efeitos da sentença nacional. Por isso que, durante a homologação, o Ministério Público Federal tem vista do processo. Paradoxal, porque para o juízo de delibação, que não é um juízo muito acirrado em termos de o que se verifica, remetemos a um tribunal superior e ainda abrimos vista ao MPF, para avaliar se houve violação a norma de ordem pública, se não houve violação de bons costumes ou outra coisa.

Talvez se pudesse fixar a competência no juiz de primeiro grau, um juiz federal, no caso. Mas aí estaríamos indo para outro extremo, porque seria uma descentralização completa. Talvez até faça sentido do ponto de vista da alocação de recursos, mas fato é que até hoje é o STJ que faz esse juízo e provavelmente não irá mudar tão cedo. E o procedimento não é demorado, a não ser que haja uma intervenção do Ministério Público, que a parte conteste muita coisa, mas a homologação, geralmente, é relativamente rápida.

E outra coisa, quando não há contestação por parte do réu na homologação, quem decide é o Presidente do STJ. Quando há contestação, o processo é remetido à Corte Especial.

E como é esse procedimento, grosso modo? Com relação ao rito, temos que é uma ação autônoma, é uma ação homologatória, iniciada originariamente no STJ. Tem citação? Tem. Também tem prazo para contestação, tem possibilidade de agravo e tutela antecipada. Tudo está regulado na Resolução nº 9/2005 do STJ. O que se faz, nessa ação homologatória, é o juízo de delibação. E no que resulta, ao final do processo de homologação? O que temos como resultado é extrair uma carta de sentença e seguir o que o STJ manda fazer, que é o execute-se, ou exequatur. Execute-se a carta de sentença.

Com ou sem prejuízo de se ajuizar uma ação de execução aqui, ou dar início à fase de cumprimento de sentença? Vamos olhar com um pouco mais de cuidado. o que temos que pensar aqui é que a partir do momento em que o exequatur foi expedido, o que temos na mão é um título executivo judicial. Um título executivo judicial pode ser executado como qualquer título executivo judicial dentro dos procedimentos de execução de título previstos no próprio CPC. Mais que isso, é como se tivéssemos, na antiga lei processual, ao final de um processo de conhecimento, aquele em que, ao final, depois de estar a parte com o título na mão, deveria ser seguido de um processo de execução. Tanto é que, depois que o exequatur é concedido, a parte deverá ir à Justiça Federal para que se execute o que foi homologado. Sempre na Justiça Federal. A homologação resulta numa carta de sentença, que é um título executivo judicial, que necessariamente precisa passar pela Justiça Federal, sempre, em qualquer hipótese.

Mas teríamos que ir à Justiça Federal para promover uma execução? Que sentido teria? Afinal as questões aqui são predominantemente particulares! Podemos parar até antes disso. Poderíamos questionar o porquê de ir ao STJ, já que é, na verdade, uma lide entre particulares. O ponto é que nossa lei mandou, e isso é mandatório, que a competência de execução do exequatur seja da Justiça Federal. Também é um questionamento válido.

É um novo processo, um processo de execução. É que entramos no curso de Direito depois da Lei 11232/2005, que fez uma grande reforma processual. Antes, o processo de conhecimento terminava e a parte só conseguia um título executivo judicial, que então serviria para o ajuizamento, necessário, de uma nova ação, esta de execução, com citação do executado e todas as formalidades. Hoje é tudo sincrético. No mesmo processo fazemos o conhecimento e a execução. É um dos poucos processos em que temos essa remanescência da existência de duas fases, uma de conhecimento, outra de execução, com duas ações autônomas. Procedimentos distintos. E há vários detalhes processuais, que não é nosso objetivo aqui. O que temos que ter é uma visão geral. Nessa visão geral pensem sempre que é uma ação autônoma, um juízo de delibação que é feito, a concessão do exequatur em função da carta de sentença, e a remissão à Justiça Federal para que efetivamente se execute o que foi decido.

Atos passíveis de homologação

Não somente a sentença estrangeira, mas também procedimentos conhecidos como de jurisdição voluntária e laudo e sentença arbitral. A homologação engloba todos esses procedimentos. Laudo e sentença arbitral estrangeiros, porque a sentença arbitral nacional evidentemente não precisa passar por homologação. E não confundam, porque até há um tempo atrás as pessoas imaginavam e a arbitragem nacional precisava de homologação pelo Judiciário. Isso já caiu também, há muito tempo. O que se homologa é a arbitragem internacional, em que temos um órgão privado, que tinha competência para emitir um laudo arbitral para decidir uma determinada controvérsia; se esse órgão proferiu sua sentença no estrangeiro, ela precisa ser homologada para produzir efeitos aqui no Brasil também. Independente de quem for o árbitro ou quem estiver mediando. O critério é o território do qual foi proferida a sentença arbitral. Podemos até ter uma câmara brasileira no exterior; se foi fora da jurisdição brasileira, ela é considerada como estrangeira. A Lei de Arbitragem traz esse critério.

A jurisdição voluntária, como colocamos, principalmente nos divórcios administrativos, o que é muito comum no Japão, já que há vários brasileiros casados com japoneses e o procedimento de divórcio é administrativo, mesmo havendo filhos e não havendo acordo entre as partes sobre a distribuição dos bens. O divórcio lá precisa passar por homologação para ter efeitos no Brasil. E por que precisaria da homologação aqui no Brasil, mesmo sendo um brasileiro casado com uma japonesa, se divorciam lá e ele volta para o Brasil. Por que se homologaria essa decisão administrativa aqui? Porque se o brasileiro se casar novamente aqui, ele cometeu um crime, basicamente. Para produzir efeitos, ela precisa ser homologada.

Existia uma disposição da Lei de Introdução que trazia que sentenças declaratórias do estado de pessoas, tais como de interdição, reconhecimento de paternidade não precisavam ser homologadas. Isso foi revogado. Lá em 2009 isso mudou. Hoje, independentemente se a sentença é meramente declaratória de estado ou se tem efeitos patrimoniais, ela precisará passar pela homologação. É que havia uma discussão doutrinária grande, Maria Helena Diniz, por exemplo, defendia que isso fazia sentido, Haroldo Valladão dizia, desde a década de 80, que isso era inconstitucional, com base na Constituição de 1967, então havia uma discussão grande, mas por fim se decidiu que, independente da natureza da sentença, se é meramente declaratória ou não, ela precisa ser homologada. É uma mudança recente, e muitas pessoas esquecem dessa mudança.

Juízo de delibação

O juízo de delibação, como dissemos antes, estava na Lei de Introdução e está na Resolução nº 9/2005 do STJ. O que é verificado no juízo de delibação? Está no art. 5º da Resolução:

Art. 5º Constituem requisitos indispensáveis à homologação de sentença estrangeira:

I - haver sido proferida por autoridade competente;

II - terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado a revelia;

III - ter transitado em julgado; e

IV - estar autenticada pelo cônsul brasileiro e acompanhada de tradução por tradutor oficial ou juramentado no Brasil.

O primeiro dos critérios é que a decisão tenha sido proferida por autoridade competente. Autoridade competente já em sentido lato. Não só sentença, não do Judiciário competente, mas da autoridade competente, já que o ato pode ter sido exarado por autoridade administrativa. Como é que o STJ irá saber se a autoridade estrangeira ou o Judiciário daquele outro país era competente? Ele terá que avaliar a lei de lá? As partes vão ter que instruir? E como vamos demonstrar isso? Veio uma sentença de Botswana. E agora? Pois bem. As partes, normalmente, terão que instruir. O que normalmente se faz é: se não é um assunto de jurisdição exclusiva brasileira, tem-se a presunção de que a autoridade competente era estrangeira. Se não é um assunto no qual reservamos exclusividade de jurisdição, a presunção é que há uma autoridade competente que julgou ou que decidiu sobre aquela questão. É uma presunção relativa. A outra parte, obviamente, pode produzir provas em sentido contrário: pode demonstrar que havia um problema de competência. Mas a principal questão a se olhar é: era uma matéria na qual o Brasil tinha exclusividade? Se sim, morre aqui a homologação.

Segundo critério: terem sido as partes citadas ou ter sido verificada, legalmente, a revelia. Como vamos verificar se a parte, lá no exterior, foi regularmente citada ou não? Vamos ter que demonstrar no processo que houve citação. E se a citação, no país, é feita somente por edital? É a regra daquele país. A única exceção que temos é a seguinte situação: quando o réu tem domicílio no Brasil. Para tornar mais claro, vejam:

Imaginem um autor na Alemanha. Ele autor, na Alemanha, ajuíze, na justiça alemã, um ação contra um réu domiciliado no Brasil. Se, ao tempo do ingresso na Jurisdição Alemã, o réu tivesse domicílio no Brasil, a única forma que o Brasil aceita para que tenha havido a citação da parte brasileira é por carta rogatória. Isto é, esse autor teria que ter pedido à autoridade alemã que utilizasse um instrumento análogo à carta rogatória para entrar em contato com a Justiça Brasileira para que se citasse o réu aqui no Brasil. É a única forma admitida quando o réu tem domicílio no Brasil. Se o réu tinha domicílio na Alemanha, tanto fez e tanto faz. Em outras palavras, suponha a mesma situação: autor alemão, réu brasileiro. O autor ajuizou a ação na Alemanha, e ao tempo do ajuizamento, o réu tinha domicílio na Alemanha. O que valerão, neste caso, são as leis processuais alemãs. Então, se depois do réu veio para o Brasil e tentou homologar, então tudo bem. O que se olha aqui é, obviamente, se o réu tinha domicílio no exterior, se ele foi citado regularmente, conforme as regras previstas no Direito daquele outro país. Se ali havia citação somente por edital, então que tenha sido seguida a citação por edital.

E aqui entram discussões teóricas interessantes. Vamos imaginar que, naquela jurisdição, a citação é feita por e-mail. A primeira forma de citação é feita por e-mail. Imagine que o réu, citado no exterior, foi citado por e-mail. O réu não observou e não compareceu em juízo. O processo correu à revelia. E depois, esse réu voltou para o Brasil e a parte tentou homologar a sentença aqui no Brasil. Pergunta: ele foi citado de acordo com a lei do outro país? Foi. Mas podemos entrar numa discussão de ordem pública. Em que sentido? Se a forma processual prevista naquele país é tão anômala em relação ao sistema brasileiro que a homologação é indeferida não por causa disso, mas por violação de ordem pública. E aqui temos a mesma válvula de escape do conflito de leis no espaço. Essa válvula de escape é a mesma que o juiz brasileiro tem no conflito de leis no espaço, quando a norma indicativa, as regras da Lei de Introdução mandam aplicar a lei estrangeira, o juiz nota: “se eu aplicar a lei estrangeira, estarei violando a ordem pública brasileira.”

Notem que são controles predominantemente formais. Mas também temos algum controle material, porque para o STJ aferir se houve violação da ordem pública, dos bons costumes ou da soberania nacional, ele terá que fazer alguma leitura do ponto de vista material daquela sentença. Por isso alguns autores falam que o juízo de delibação na verdade tem um controle limitado de materialidade. E que controle limitado de materialidade é esse? Exatamente o controle de ordem pública, soberania nacional e bons costumes. Aqui sim haveria o controle materialidade. Não no sentido de dizer se é A ou B que tem o direito, mas no sentido de dizer se a sentença viola um desses três elementos. Mas e o art. 6º da Resolução 9?

Art. 6º Não será homologada sentença estrangeira ou concedido exequatur a carta rogatória que ofendam a soberania ou a ordem pública.

Observe que a regra acima fala somente em soberania e ordem pública, sem aludir aos bons costumes, porque normalmente se entende que bons costumes, apesar de o professor não saber até hoje o que são, estão dentro do conceito de ordem pública. E também já discutimos o conceito de ordem pública: cabe um monte de coelhos dentro da ordem pública. Tomem cuidado, porque a ordem pública pode ser usada de forma altamente discricionária. Violação de ordem pública: qual ordem pública, a atual, a passada, quais os limites?

O que mais? Terceiro critério: a sentença tem que ter transitado em julgado. E aqui fazemos outra observação. Sempre tem que ter transitado em julgado? Não. Porque o Brasil também tem tratados bilaterais que permitem que sentenças que não transitaram em julgado possam ser homologadas. Tutela de urgência, por exemplo. Existem situações, portanto. Não necessariamente todas as sentenças homologadas transitaram em julgado no país em que foram proferidas. As exceções decorrem principalmente de tratados bilaterais ou regionais. Dentro do Mercosul, por exemplo, algumas sentenças podem ser homologadas independentemente de terem transitado em julgado. É exceção. Na verdade, este assunto é cheio de exceções.

Por fim, a sentença precisa ser autenticada pelo cônsul brasileiro e traduzida por tradutor juramentado. Tradução juramentada não é nada barato. Em Belo Horizonte, por exemplo, há três tradutores juramentados, e não se abre concurso há 30 anos. E parece que não vão abrir. Isso cria um monopólio interessante: há uma tabela de cobrança na Junta Comercial, e os tradutores cobram 30 centavos por linha traduzida. Se você precisa de urgência, eles cobram R$ 1,00 por linha. Colegas testemunham que aqui em Brasília cobra-se por página: R$ 150,00. Uma sentença de cem páginas custará apenas R$ 15 mil!

A sentença, portanto, tem que ter tradução juramentada, e tem que ter sido consularizada. Qual a diferença aqui, entre consularização e tradução, além do preço. O que o cônsul faz, por que ele consulariza o documento lá no exterior? A consularização é feita lá no exterior. Não adianta trazer a sentença do juízo estrangeiro debaixo do braço diretamente para homologar aqui. Se não estiver consularizada pelo Consulado Brasileiro no exterior, o STJ não homologa. O que o cônsul confere? Autenticidade. Ou seria muito fácil a pessoa entrar na Internet, pegar o logo e timbre do tribunal alemão, criar uma sentença, traduz e homologa. Então o cônsul dá autenticidade a esse documento. E onde está previsto esse poder do cônsul de dar autenticidade ao documento? Convenção de Viena sobre Relações Consulares, de 1963. Essa convenção prevê a competência do cônsul de consualarização no sentido de dar autenticidade ao documento. A sentença está lá no exterior. Foi prolatada lá. É consularizada no primeiro momento. Também não é barato. Depois você vem ao Brasil e faz a tradução. Uma vez feita a tradução, e instruído de todos os outros elementos que você quiser colocar nos autos, você pode fazer o pedido de homologação.

Resumo dos requisitos para a homologação da sentença estrangeira:

  1. Ter sido proferida por autoridade competente;

  2. As partes deverão ter sido devidamente citadas ou declaradas legalmente revéis;

  3. Ter transitado em julgado e

  4. Estar autenticada por cônsul brasileiro e traduzida por tradutor oficial ou juramentado no Brasil.

Todos esses critérios são, de certa forma, formais. O controle material limitado é feito aqui. Esse é o juízo de delibação. Nele, cada um desses critérios é analisado. Com os quatro cumpridos, homologa-se. Sem um deles, sem homologação. Até por isso que o juízo de delibação é relativamente rápido; não se entra na discussão do direito, a não ser a discussão contida sobre a violação de ordem pública, soberania nacional ou bons costumes, que o Ministério Público inclusive pode se manifestar sobre. Todo processo de homologação tem vistas do MPF sobre essa questão para se manifestar. O Órgão Ministerial pode não se manifestar também, se não quiser.

Alguns casos de homologação

Exemplo 1

SEC 10 / DF

SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA - 2005/0192989-5

HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA. OFENSA À ORDEM PÚBLICA. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO VÁLIDA.

Para que se homologue uma sentença estrangeira é necessário terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado a revelia. Trata-se de requisito decorrente da garantia constitucional do contraditório, não se podendo admitir a homologação de sentença proferida em processo do qual não participaram (ou não tiveram oportunidade de participar) as partes que estarão submetidas aos seus efeitos, pelo fato de tal provimento ser contrário à ordem pública brasileira. Homologação indeferida.

O que aconteceu nesse primeiro caso? Qual é o problema nesse caso aí? Ausência de citação, e aqui não está claro se foi efetivamente uma ausência de citação, se o réu tinha domicílio no Brasil, se ele teve oportunidade de se manifestar, e se ele deveria ter sido citado por carta rogatória. Mas fato é que houve um problema de citação. E, nesse problema de citação, a homologação foi indeferida. E aqui houve todo uma linha de raciocínio para se chegar à conclusão de que a ausência de citação era um problema que ofendia o princípio do contraditório, que é uma garantia constitucional, e que isso ofende a ordem pública. Precisaria chegar à ordem pública? Não, bastava dizer que houve um problema de citação. Não homologa. Aqui se deu certa objetividade à ordem pública, no sentido de se interpretar que a ausência de citação era um problema relativo ao contraditório, que era um problema relativo à garantia constitucional e que isso era um problema de ordem pública. Mas não necessariamente precisaria se chegar à questão da ordem pública. E isso cria jurisprudência sobre o que é ordem pública? Não. Simplesmente se chegou, neste caso, a essa conclusão de que a ausência de citação é um problema relativo à ordem pública, também. Não exaustivo. Ordem pública é um conceito aberto.

Pode ser que o STJ entenda que o problema da falta de citação é uma questão de ordem pública. Mas há vários casos de homologação em que há simplesmente um problema de citação sem que isso seja considerado como questão de ordem pública. Há muitos julgados que citam e muitos que não citam. Claro que há todo uma jurisprudência de que problemas relativos à citação levam a problemas de ordem pública. E aí temos uma reprodução desse entendimento. Mas não necessariamente deveríamos ter chegado a essa conclusão também.

Segundo caso:

Exemplo 2

SEC 5610 / GB

SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA. 2010/0147269-5

HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA. CONTESTAÇÃO. HOMOLOGAÇÃO. DEFERIMENTO.

Empresa norte-americana, ora requerente, que moveu ação de cobrança contra empresa brasileira perante a Justiça inglesa por serviços prestados. Sentença proferida pela Justiça do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte com trânsito em julgado que condenou a requerida, cujo teor não foi impugnado na origem constituindo ato inteligível. Competência do Juízo estrangeiro conforme previsão contratual expressa que não excluiu a jurisdição brasileira. Consularização dos documentos na forma dos regulamentos do MRE e na linha dos precedentes do STJ (SEC 587/CH). Inocorrência de violação da soberania nacional. Exigências da Resolução nº 9 de 2005 da Presidência do STJ plenamente atendidas. Parecer favorável do MP. Pedido de homologação da sentença estrangeira deferido.

Antes de se entrar nos requisitos para a homologação e antes mesmo de analisar a competência da autoridade que proferiu a sentença estrangeira, e ainda antes de discutir a eleição de foro, qual é o grande diferencial aqui? A existência de três jurisdições! Temos um autor que é americano, temos uma jurisdição que está julgando, que é o Reino Unido, e uma ré brasileira. Primeira coisa que chama atenção aqui é que é uma empresa norte-americana que está ajuizando uma ação no RU contra uma ré brasileira. Três jurisdições. Por que essa ação foi ajuizada no RU e não nos Estados Unidos ou no Brasil? Foro de eleição, em que as partes convencionaram, dentro da autonomia das vontades, que o foro competente para a solução desse litígio seria o Reino Unido. E por que as partes elegeram o Reino Unido e não o Brasil ou os Estados Unidos? Ninguém sabe. Podemos especular: neste caso específico, era uma questão relativa a prestação de serviços em plataforma de petróleo. Poderíamos imaginar que a empresa americana era subsidiária de uma empresa inglesa, podemos imaginar que há uma corte especializada nesse tipo de relação contratual no Reino Unido para conhecer desse tipo de matéria, podemos imaginar que o advogado dormiu no ponto... uma série de motivos. Fato é que esse contrato tinha uma previsão específica para a eleição de foro, e que, no processo de homologação, isso não foi impeditivo. Competência do juízo estrangeiro conforme previsão contratual. O mesmo STJ que em 2008 disse que “eleição de foro no Brasil não é tão assentado assim” disse, agora, que “não tem problema nenhum.” Essa sentença é de 2010. Foi consularizado. Houve violação da soberania nacional? Não dá para saber se houve, mas alguma análise foi feita. Foi homologada? Foi. Por que foi? Justamente pela questão patrimonial, porque, se a empresa é brasileira, os bens provavelmente estão aqui e só assim será possível executá-la aqui. Daqui foi extraída uma carta de sentença, mandando pagar certo valor, que foi para o juiz federal para executar.

Vejam: um problema que envolvia três jurisdições passa por um processo de homologação e o efeito é esse: produzir uma carta de sentença tal qual se tivesse ajuizado uma ação aqui no Brasil, produzindo uma decisão e então executada. Mas aqui havia uma cláusula de foro de eleição, e a ação foi proposta lá no Reino Unido, para depois homologar aqui.

Terceiro exemplo:

SEC 2611 / PL

SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA. 2009/0101176-3

HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA. POLÔNIA. ALIMENTOS PARA OS FILHOS. REQUISITOS PREENCHIDOS.

A pendência de julgamento, no Brasil, de apelação contra sentença proferida em ação que discute alimento dos filhos dos ex-cônjuges não impede a homologação da sentença estrangeira que teve o mesmo objeto, na medida em que, conforme dispõe o art. 90 do Código de Processo Civil, "A ação intentada perante tribunal estrangeiro não induz litispendência, nem obsta a que a autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são conexas". Precedente do STF.

Restaram atendidos os requisitos regimentais com a constatação da regularidade da citação para processo julgado por juiz competente, cuja sentença, transitada em julgado, foi autenticada pela autoridade consular brasileira e traduzida por profissional juramentado no Brasil, com o preenchimento das demais formalidades legais. Pedido de homologação deferido.

Neste terceiro exemplo a sentença vem de qual país? Da Polônia. Todos falam polonês aqui, certo? E o que sabemos da Justiça Polonesa? Nada! Sabemos que veio uma sentença da Justiça Polonesa relativa a alimentos. Olhem que interessante: o que conseguimos inferir da discussão do primeiro parágrafo da ementa acima? Que um processo no Brasil com o mesmo objeto ainda corria no Brasil, sem trânsito em julgado ainda. Foi ajuizada uma ação no Brasil e foi ajuizada uma ação no estrangeiro. A Justiça da Polônia foi mais rápida, e transitou em julgado. De posse dessa sentença, obteve-se uma homologação.

E qual foi o efeito com relação à homologação dessa sentença estrangeira em relação à ação que ainda corria aqui no Brasil? Já era. Extingue-se a ação por coisa julgada material.

Há uma discussão porque aqui não se reconheceu a litispendência. Alguns autores entendem o seguinte: há uma ação correndo no exterior. Você ingressa com uma ação aqui no Brasil. A parte aqui no Brasil não pode alegar litispendência. Mas, a partir do momento em que já há uma ação no Brasil e tenta-se homologar a sentença estrangeira, então deveria ser reconhecida a litispendência. Há uma corrente que diz isso. Mas não se trata do próprio conceito de litispendência? Duas ações com mesmas partes, causa de pedir e pedido? Ou o pedido é na verdade diferente, que é: que se homologue aquela sentença estrangeira, enquanto aqui o pedido seria o próprio objeto da lide (dar alimentos, no caso)? Uma seria uma ação homologatória, enquanto outra seria a própria ação de alimentos. Questionável, porque foi um raciocínio adotado aqui. Encontraremos autores dizendo que as partes são as mesmas, a causa de pedir é a mesma, o objeto é o mesmo e na verdade deveria ter sido reconhecida a litispendência. Não é porque o instituto aqui é o da homologação que muda a natureza dessa ação. A discussão é sobre a causa de pedir. São coisas distintas, não? Há uma outra linha que diz não, não é caso de litispendência. Maristela Bastos, por exemplo.

E a ação revisional de alimentos, será ajuizada onde? Aqui mesmo no Brasil. A partir do momento em que a sentença estrangeira foi consularizada, traduzida, preencheu todos os requisitos formais e foi homologada, temos uma sentença que produzirá efeitos aqui no Brasil, e a ação revisional há de ser ajuizada aqui no Brasil. Na Justiça Federal? Não, porque já estaremos falando em outra ação. A Justiça Federal tem competência para questão executória relativa a essa prestação de alimentos. E se a execução de alimentos fosse feita segundo o rito dos arts. 732 e 733 do CPC, que trata da prisão civil por dívida alimentícia? Seria uma execução e não uma nova ação de conhecimento. Seria uma ação de competência da Justiça Federal? Perguntamos porque, na execução de alimentos, junta-se a ação de alimentos transitada em julgado para instruir o feito. Então o juiz federal irá processar a execução nos termos dos arts. 732 e 733 do CPC e, se for o caso, mandará prender do devedor. A execução de sentença estrangeira, por mais estranha que pareça ser, é da competência da Justiça Federal!

Viram como é legal essa área? Parem de mexer com Direito do Trabalho! Vocês têm que mexer com Direito Internacional.

Quarto exemplo:

SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA. HOMOLOGAÇÃO. MOTIVAÇÃO SUFICIENTE. AUSÊNCIA. COMPETÊNCIA NÃO DEMONSTRADA. CITAÇÃO. CARTA ROGATÓRIA. NECESSIDADE.

A sentença em exame é despida de qualquer rastro de fundamento, apresentando uma nudez de motivação que chega a impressionar e recomenda definitivamente a improcedência do pedido, sob pena de frontal desrespeito à ordem pública nacional que significaria chancelar uma decisão judicial teratológica. (...)

Não consta qualquer elemento probatório apto a demonstrar a competência da Corte de Nova Iorque para analisar a demanda. A alegação deduzida no sentido de que o foro foi eleito por meio de contrato não se encontra respaldada na referida avença, cujo instrumento sequer foi carreado aos autos no intuito de evidenciar a regularidade do processo originário. A única modalidade de citação admitida para réu domiciliado no Brasil é a realizada por carta rogatória. (...)

Homologação indeferida.

E aqui, o que está acontecendo? O que faltou neste caso? Tem problema de que nesta homologação? De tudo! Falta tudo. “Despida de qualquer rastro de fundamento.” Até agora o professor tenta imaginar o que esse camarada tentou homologar. Provavelmente achou um papel higiênico na rua, bateu um carimbo em cima e, enfim, vejam: o que é uma decisão judicial teratológica? Monstruosa, descabida, na qual não consta qualquer elemento probatório. É uma decisão da Corte de Nova York, não foi demonstrada competência, não foi demonstrada a regular citação, o réu tinha domicílio no Brasil mas não foi citado por carta rogatória, ou seja, faltavam todos os elementos. E por isso essa homologação foi indeferida. Notem o furor do STJ: era um negócio tão mal instruído que gastaram um bocado de parágrafos para dizer: “deste jeito não dá. Está faltando tudo nesta homologação.”

Questionamento: não é questão de soberania do outro país? Se eles julgam daquele jeito, com menos exigências, cabe a nós contestar a forma como fazem? Vejamos se a soberania está sendo violada. Como colocamos, o modelo de homologação é escolhido pelo país que há de homologar. O Brasil escolhe suas regras, Estados Unidos escolhem as regras deles. Na verdade não temos a obrigação nenhuma de homologar a sentença de outro país. O que o Brasil optou por fazer é um juízo mínimo de que se conferissem aspectos formais num controle de materialidade limitada. Essa é a forma brasileira. Mas há países que nem homologam, sem que isso fira a soberania deles. A soberania daquele país está preservada no sentido de que a sentença proferida naquele país produz efeitos, mas aqui não. Da mesma forma que, ao homologar uma sentença dessas no Brasil, estar-se-ia violando a soberania brasileira! Estaríamos desconsiderando todos os critérios que a lei manda e estaríamos homologando uma sentença desse tipo. Então temos os critérios de homologação, e vamos segui-los. Quando os critérios não são preenchidos, a homologação simplesmente será indeferida. E, também, o fato de termos um procedimento de homologação previsto não significa que a sentença será homologada. Significa que se irá receber o pedido de homologação e que ele irá seguir todo o rito procedimental previsto em nossa lei. Se será homologado ou não, isso dependerá do juízo de delibação. Neste caso, não teria como homologar.

Observação importante: a não homologação produz coisa julgada formal. Não impede que se ajuíze, aqui no Brasil, uma nova ação, com mesmas partes, causa de pedir e pedido.

Próxima aula: carta rogatória e auxílio direto.

Texto de apoio: Resolução nº 9/2005 do Superior Tribunal de Justiça, em versão completa

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PRESIDÊNCIA

RESOLUÇÃO Nº 9, DE 4 DE MAIO DE 2005 (*)

Dispõe, em caráter transitório, sobre competência acrescida ao Superior Tribunal de Justiça pela Emenda Constitucional nº 45/2004.

O PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, no uso das atribuições regimentais previstas no art. 21, inciso XX, combinado com o art. 10, inciso V, e com base na alteração promovida pela Emenda Constitucional nº 45/2004 que atribuiu competência ao Superior Tribunal de Justiça para processar e julgar, originariamente, a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias (Constituição Federal, Art. 105, inciso I, alínea “i”), ad referendum do Plenário, RESOLVE:

Art. 1º Ficam criadas as classes processuais de Homologação de Sentença Estrangeira e de Cartas Rogatórias no rol dos feitos submetidos ao Superior Tribunal de Justiça, as quais observarão o disposto nesta Resolução, em caráter excepcional, até que o Plenário da Corte aprove disposições regimentais próprias. Parágrafo único. Fica sobrestado o pagamento de custas dos processos tratados nesta Resolução que entrarem neste Tribunal após a publicação da mencionada Emenda Constitucional, até a deliberação referida no caput deste artigo.

Art. 2º É atribuição do Presidente homologar sentenças estrangeiras e conceder exequatur a cartas rogatórias, ressalvado o disposto no artigo 9º desta Resolução.

Art. 3º A homologação de sentença estrangeira será requerida pela parte interessada, devendo a petição inicial conter as indicações constantes da lei processual, e ser instruída com a certidão ou cópia autêntica do texto integral da sentença estrangeira e com outros documentos indispensáveis, devidamente traduzidos e autenticados.

Art. 4º A sentença estrangeira não terá eficácia no Brasil sem a prévia homologação pelo Superior Tribunal de Justiça ou por seu Presidente.

§1º Serão homologados os provimentos não-judiciais que, pela lei brasileira, teriam natureza de sentença.

§2º As decisões estrangeiras podem ser homologadas parcialmente.

§3º Admite-se tutela de urgência nos procedimentos de homologação de sentenças estrangeiras.

Art. 5º Constituem requisitos indispensáveis à homologação de sentença estrangeira:

I - haver sido proferida por autoridade competente;

II - terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado a revelia;

III - ter transitado em julgado; e

IV - estar autenticada pelo cônsul brasileiro e acompanhada de tradução por tradutor oficial ou juramentado no Brasil.

Art. 6º Não será homologada sentença estrangeira ou concedido exequatur a carta rogatória que ofendam a soberania ou a ordem pública.

Art. 7º As cartas rogatórias podem ter por objeto atos decisórios ou não decisórios. Parágrafo único. Os pedidos de cooperação jurídica internacional que tiverem por objeto atos que não ensejem juízo de delibação pelo Superior Tribunal de Justiça, ainda que denominados como carta rogatória, serão encaminhados ou devolvidos ao Ministério da Justiça para as providências necessárias ao cumprimento por auxílio direto.

Art. 8º A parte interessada será citada para, no prazo de 15 (quinze) dias, contestar o pedido de homologação de sentença estrangeira ou intimada para impugnar a carta rogatória.

Parágrafo único. A medida solicitada por carta rogatória poderá ser realizada sem ouvir a parte interessada quando sua intimação prévia puder resultar na ineficácia da cooperação internacional.

Art. 9º Na homologação de sentença estrangeira e na carta rogatória, a defesa somente poderá versar sobre autenticidade dos documentos, inteligência da decisão e observância dos requisitos desta Resolução.

§ 1º Havendo contestação à homologação de sentença estrangeira, o processo será distribuído para julgamento pela Corte Especial, cabendo ao Relator os demais atos relativos ao andamento e à instrução do processo.

§ 2º Havendo impugnação às cartas rogatórias decisórias, o processo poderá, por determinação do Presidente, ser distribuído para julgamento pela Corte Especial.

§ 3º Revel ou incapaz o requerido, dar-se-lhe-á curador especial que será pessoalmente notificado.

Art. 10 O Ministério Público terá vista dos autos nas cartas rogatórias e homologações de sentenças estrangeiras, pelo prazo de dez dias, podendo impugná-las.

Art. 11 Das decisões do Presidente na homologação de sentença estrangeira e nas cartas rogatórias cabe agravo regimental.

Art. 12 A sentença estrangeira homologada será executada por carta de sentença, no Juízo Federal competente.

Art. 13 A carta rogatória, depois de concedido o exequatur, será remetida para cumprimento pelo Juízo Federal competente.

§1º No cumprimento da carta rogatória pelo Juízo Federal competente cabem embargos relativos a quaisquer atos que lhe sejam referentes, opostos no prazo de 10 (dez) dias, por qualquer interessado ou pelo Ministério Público, julgando-os o Presidente.

§2º Da decisão que julgar os embargos, cabe agravo regimental.

§3º Quando cabível, o Presidente ou o Relator do Agravo Regimental poderá ordenar diretamente o atendimento à medida solicitada.

Art. 14 Cumprida a carta rogatória, será devolvida ao Presidente do STJ, no prazo de 10 (dez) dias, e por este remetida, em igual prazo, por meio do Ministério da Justiça ou do Ministério das Relações Exteriores, à autoridade judiciária de origem.

Art. 15 Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogados a Resolução nº 22, de 31/12/2004 e o Ato nº 15, de 16/02/2005.

Ministro EDSON VIDIGAL

(*) Republicado por ter saído com incorreção, do original, no DJ de 6/5/05.

Fonte: Diário da Justiça, 6 maio 2005. Seção 1, p. 154.

Fonte: Diário da Justiça, 10 maio 2005. Seção 1, p. 163 (republicação).

Fonte: Diário da Justiça, 6 maio 2005. Seção 1, p. 154

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