Direito Internacional Privado

sexta-feira, 23 de março de 2012

Direito de Família e Direito das Sucessões


Neste nosso quarto encontro vamos ver o problema do Direito de Família e do Direito das Sucessões quando estão envolvidos elementos de conexão estrangeira. São as regras da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro que cuidam do Direito Internacional Privado relacionado à família e às sucessões.

Nada mais é do que a continuação das regras que vimos na aula passada. Vimos as regras da capacidade, da personalidade, e das obrigações. Veremos as principais regras da Lei de Introdução.

Na próxima aula teremos matéria nova e exercícios também.

O que estamos falando em Direito de Família e Direito das Sucessões? Casamento envolvendo estrangeiros, divórcio envolvendo brasileiro com estrangeiro, ou dois brasileiros no exterior, e fenômenos sucessórios com bens situados em diferentes países, de propriedade de indivíduos de múltiplas nacionalidades e domicílios. Essas são basicamente as situações fáticas com que vamos lidar aqui.

Quando falamos em Direito de Família, a primeira regra que aparece é a do próprio art. 7º, caput.

Art. 7º A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.

Mas temos regras mais específicas que se aplicam também. § 1º:

§ 1º Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração.

Impedimentos dirimentes e formalidades do casamento. Os impedimentos são questão de substância, de fundo, enquanto as formalidades referem-se à... forma! Tal como um contrato tem as questões relativas à forma e à substância.

Se o casamento é realizado aqui no Brasil, aplica-se a lei brasileira quanto às formalidades e aos impedimentos dirimentes. São os da lei brasileira os utilizados. Formalidade, por exemplo, é a obrigatoriedade de se realizar a portas abertas. Também tem o número necessário de testemunhas, a fórmula vinculatória (a frase “De acordo com a vontade que ambos acabais de afirmar perante mim, de vos receberdes por marido e mulher, eu, em nome da lei, vos declaro casados.”, desde de que civil o casamento). A formalidade tem que ser brasileira.

E o impedimentos dirimentes? São, por exemplo, os relacionados à pessoa já casada. Além de estar-se incorrendo em um impedimento dirimente no campo cível, também incorre-se num crime chamado bigamia, que está tipificado no art. 235 do Código Penal.

Esses são os impedimentos dirimentes. Pai com filha, adotante com adotado, afins em linha reta, irmão e colaterais até terceiro grau, etc. Estão dispostas no art. 1521 do Código Civil brasileiro. Por isso que esta matéria pressupõe um conhecimento de Direito de Família e Direito das Sucessões.

Isso nada mais é que remeter a questão de forma à regra lex loci celebrationis. Para a forma e os impedimentos, vale a regra do local da celebração do casamento, ou seja, se resolverem casar-se no Brasil, dois estrangeiros ou quaisquer pessoas terão que seguir a formalidade brasileira e as regras sobre impedimentos previstas no Código Civil brasileiro.

A interpretação reversa também é verdadeira: casamento realizado no exterior segue a forma e os impedimentos do local em que for celebrado. Parece óbvio? Sim. Mas tem implicação direta. Não é porque o casamento foi realizado no exterior que você não é casado. Lei de Introdução, art. 17: atos praticados lá fora produzem efeitos para dentro de nosso território. Essa é a interpretação reversa. Outra coisa a se observar é que, no meio da discussão toda, existem ponderações que precisam ser feitas:

Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.

Temos disposição é que interpretada de forma reversa de que o que é feito lá fora vale no Brasil. Mas temos uma atenuação. Vale, desde que não fira a ordem pública, os bons costumes e a soberania nacional. E o que é ordem pública? Normas abertas! Isso varia no tempo; é função do tempo. O que era bom costume há 50 anos talvez já não seja considerado hoje, e o que era tido como mau costume antes pode ser considerado bom hoje. Isso porque temos uma norma que manda que observemos o que colide com esses conceitos fluidos.

Exemplo para o raciocínio: casamento poligâmico na África do Sul. Lá, o casamento poligâmico é admitido em algumas tribos. O Presidente Sul-africano atual, Jacob Zuma, é da tribo Zulu, e tem seis mulheres. Quem é a primeira dama? Deve ser um permanente aborrecimento entre elas. Então digamos que estamos falando de um cidadão comum sul-africano, levemente abastado, que já tem também, por acaso, seis mulheres. A África do Sul é um dos mais desenvolvidos países da África. O sul-africano veio ao Brasil e se apaixonou por uma brasileira, e quer se casar com ela. Já tem suas seis. Pergunta: ele pode ou não se casar no Brasil? Qual será a forma? A brasileira. Os impedimentos dirimentes brasileiros não permitem a poligamia. Art. 1521 do Código Civil, inciso VI.

O que o art. 17 diz para nós? Que não têm eficácia no Brasil atos contrários ao que consideramos como bons costumes. Essa é uma noção flexível, mas podemos considerar a poligamia como um ato contrário aos bons costumes. A pergunta, então, é: o fato de ser casado lá na África do sul produz efeitos no Brasil? Não. Isso leva a que, segundo o art. 17, ele poderia sim se casar de novo, desta vez no Brasil, já que seu casamento lá não teria produzido efeitos aqui. Mas é uma interpretação não aceita. Vamos ver outras.

Segunda interpretação: o cidadão sul-africano é casado pelo menos uma vez, e, sendo casado, ele não pode se casar aqui no Brasil. Temos sempre que tomar cuidado com o art. 17 da Lei de Introdução. Obviamente, uma pessoa casada não pode se casar aqui no Brasil, e isso é o que é mais aceito aqui na doutrina. A questão da eficácia jurídica é no sentido de o fato jurídico casamento realizado no exterior não produzir efeitos aqui.

Casamento no Brasil tem impedimento conforme a lei brasileira, forma brasileira, o sujeito é casado, então não pode se casar aqui. A interpretação anterior era de que, por esse casamento não produzir efeitos jurídicos em território brasileiro, segundo o art. 17 o sul-africano não é casado. Poderia se casar no Brasil.

Terceira interpretação: no limite, ele é casado pelo menos uma vez. Há pelo menos uma produção mínima de efeitos jurídicos, que é o primeiro casamento, o que faz com que ele seja considerado casado, o que implica em que ele não pode se casar no Brasil depois de já casado pelo menos uma vez na África do Sul. O que vale é a primeira. O resultado da diferença entre a primeira e a terceira interpretação é nenhum; só muda a forma de olhar o problema.

Casamento consular e casamento diplomático

Vamos raciocinar em cima da regra.

A segunda regra é o casamento consular ou diplomático. Isso não significa que é um casamento entre cônsules ou entre diplomatas. É simplesmente no sentido de que o casamento é realizado dentro do estabelecimento consular ou da embaixada de um Estado. Por que isso é possível? Porque o cônsul pode casar alguém? Em 1963, vários países, inclusive o brasileiro, assinaram a Convenção de Viena sobre Direito Consular. Nela há um artigo que trata das competências do cônsul. Entre eles, a realização de alguns atos notarais, definidos por cada país. Praticamente todos os países do mundo ratificaram essa convenção. Então permite-se o casamento celebrado por cônsules.

O que é o casamento consular? Aqui no Brasil tem consulado dos Estados Unidos, da França, da Alemanha, da África do Sul. Nada mais é que um casamento realizado em cada um desses consulados dentro do território brasileiro. A pergunta é: no consulado da Alemanha pode haver um casamento entre um brasileiro e uma alemã? Para saber isso, temos que ler o § 2º do art. 7º da Lei de Introdução:

§ 2º O casamento de estrangeiros poderá celebrar-se perante autoridades diplomáticas ou consulares do país de ambos os nubentes.

Casamento de estrangeiroS. Consulado não celebra casamento de nacional com nacional daquele país em cujo consulado está.

O consulado alemão aqui pode celebrar casamento entre dois alemães? Pode. E entre um alemão e uma francesa? Olhe parte final do § 2º do art. 7º transcrito acima: “do país de ambos os nubentes”. Do país de ambos, e não dos países de ambos! O consulado só pode celebrar casamento entre conacionais.

Pode haver ambiguidade na leitura desse dispositivo. Conseguiríamos fazer uma interpretação bem literal e achar que pode-se permitir o casamento de um alemão com uma francesa, mas não temos muita coisa escrita sobre isso. Uma das razões para não se fazer isso é evitar fraudes. Dificilmente o consulado consegue fazer a verificação de informações de um estrangeiro.

E a pergunta é: dois brasileiros podem se casar no consulado brasileiro nos Estados Unidos? Claro. Brasileiros fora do Brasil podem se casar nos respectivos consulados brasileiros no exterior. A interpretação reversa também é possível: um alemão e uma alemã podem se casar num cartório comum aqui no Brasil. Pergunta: por que se casariam no consulado de seu respectivo país ou num cartório comum brasileiro? Se o casal está pretendendo voltar para seu país, a transcrição será muito mais simples e eles não precisarão gastar dinheiro com uma série de burocracias, inclusive tradução, se resolverem fazer em seu próprio consulado.

Observação: alemão e francesa só podem se casar aqui no Brasil no cartório brasileiro comum, e não no consulado de qualquer um deles.

Regime de bens do casamento

Outra disposição, que também é bastante interessante, é com relação ao regime de bens no casamento. A coisa mais comum é ter a aplicação dessa primeira parte da norma do § 4º do art. 7º da Lei de Introdução:

§ 4º O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, a do primeiro domicílio conjugal.

Peguemos duas pessoas domiciliadas no Brasil. Não estamos falando na nacionalidade deles. Se têm domicílio aqui no Brasil, então o regime de bens segue a lei brasileira.

Essa é a hipótese mais comum. Pode ser um francês com uma brasileira, dois brasileiros, um francês com uma alemã, desde que tenham domicílio no Brasil e o casamento tenha sido celebrado aqui no país.

A questão se complica quando o domicílio dos nubentes for diverso. Uma pessoa domiciliada no Brasil e outra na Argentina. Os domicílios dos nubentes são distintos. Se conheceram no Facebook, bateram um papinho, gostaram do teor dos caracteres um do outro e decidiram: “vamos nos casar.” Vieram para o Brasil. Celebraram o casamento aqui. Casaram aqui e estabeleceram o primeiro domicílio conjugal também aqui no Brasil. Os domicílios antes do casamento eram diversos; casaram no Brasil e estabeleceram o primeiro domicílio conjugal no Brasil. Segue, portanto, a lei brasileira.

Problemas? Sim. Imaginemos esse mesmíssimo caso, com a diferença de que, agora, eles resolveram estabelecer o primeiro domicílio conjugal na Argentina. Os nubentes não convencionaram um regime de bens, então aplicar-se-ia, se o Brasil fosse eleito, o regime legal, que é a comunhão parcial. Segundo a lei brasileira, eles estariam sob comunhão parcial de bens. Mas eles estabeleceram o primeiro domicílio conjugal na Argentina. Digamos que lá, quando não se convenciona, por hipótese, o regime é o da separação total. Hipótese, hein! O regime de bens desse casamento é separação total ou comunhão parcial? Separação total.

Isso não acontecia muito em 1942, mas hoje a mobilidade das pessoas é muito maior. Há pessoas que se conhecem enquanto navegando em redes sociais pelo Iphone durante a viagem de trem, vêem a foto em baixa resolução um do outro, apaixonam-se e depois se encontram. Alguns até se casam.

E se depois esse casal se mudou para a França, depois para a Alemanha, depois para a Malásia, depois para o Brasil, e se divorciaram? O que vale é o primeiro domicílio conjugal, no caso, a Argentina. É uma norma um tanto anacrônica. O legislador de 1942 imaginou que o primeiro domicílio conjugal seria onde se estabeleceriam relações do casal com a comunidade.

O problema é quando um regime não existe em outro país. Daí o casal teria que procurar a legislação análoga à LINDB daquele país.

E quando os nubentes querem mudar o domicílio conjugal? Precisariam divorciar-se para se mudar, separados, para outro país, e então casarem-se novamente, para então ter a chance de estabelecer um novo primeiro domicílio conjugal? Não, não é tão trabalhoso assim. Eles podem fazer um acordo em que estabelece-se que o primeiro domicílio conjugal é tal. Orientem seus amigos que estiverem se casando com estrangeiras! A regra é do domicílio, e não da nacionalidade.

Divórcio

Outro ponto é com relação ao divórcio. Está no § 6º do art. 7º.

§ 6º O divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forem brasileiros, só será reconhecido no Brasil depois de 1 (um) ano da data da sentença, salvo se houver sido antecedida de separação judicial por igual prazo, caso em que a homologação produzirá efeito imediato, obedecidas as condições estabelecidas para a eficácia das sentenças estrangeiras no país. O Superior Tribunal de Justiça, na forma de seu regimento interno, poderá reexaminar, a requerimento do interessado, decisões já proferidas em pedidos de homologação de sentenças estrangeiras de divórcio de brasileiros, a fim de que passem a produzir todos os efeitos legais. (Redação dada pela Lei nº 12.036, de 2009).

Entre 1942 e 1977 não existia divórcio no Brasil. Em 1960, só havia separados, mas não divorciados. De 1977 a 2010, com algumas mudanças, o divórcio dependia de dois prazos: um ano da separação judicial ou dois anos da separação de fato. Em 2010, veio a Emenda Constitucional nº 66, instituindo o divórcio direto. Não se precisa mais esperar nada. Pode-se peticionar diretamente pelo divórcio.

Essa regra reflete o que existia antes de 2010. Ela pretendia projetar para fora a necessidade de alguns prazos serem cumpridos. A primeira frase desse parágrafo, desde a Emenda 66, não faz mais sentido. O que continua valendo é a necessidade de homologação da sentença estrangeira pelo STJ. Ou seja, o divórcio realizado no exterior precisa ser homologado. Por que não precisa homologar casamento mas sim o divórcio? Porque temos consequências patrimoniais, consequências relativas à guarda dos bens, então o processo é mais rígido. Essa homologação é feita onde? No STJ. Passa por um rito que vamos ver em aula futura sobre homologação de sentença estrangeira.

Quando virmos essa disposição, tomem cuidado. Não existem mais prazos, mas ainda é necessária a homologação da sentença estrangeira pelo STJ.

Podemos pensar em coisas interessantes: entre 1942 e 1977, não existia divórcio no Brasil. Como se divorciava? Ou se Deus quisesse acabar com aquele casamento, mediante a morte, ou através de outra forma que as pessoas encontraram, que era viajar. Mas isso levava ao problema do reconhecimento da sentença estrangeira. No processo de homologação, em que a ponderação do art. 17 também é feita, para todos os efeitos no Brasil os divorciantes continuavam casados. Um divórcio realizado no estrangeiro em 1950 poderia bater no muro do art. 17 da LINDB quando da tentativa de homologação da sentença, pois o Judiciário Brasileiro poderia entender que o divórcio é ato que contrariaria os bons costumes. Talvez no exterior eles pudessem se casar de novo.

Pequena regra sobre bens, antes de passar para as sucessões: LINDB, art. 8º:

Art. 8º Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados.

[...]

Um bem em determinado país se rege pelas leis onde estiver situados. Imóveis, por exemplo, têm relação visceral com o Estado em que se situam. Direitos Reais. A relação território-bem é intrínseca; eles andam de mãos dadas. A regra diz que, quando o bem é considerado em sua singularidade, aplica-se a lei do local. Lex loci rei sitae.

Usucapião de um bem imóvel, de propriedade de um cidadão norte-americano, localizado no Brasil se dará segundo a lei norte-americana ou lei brasileira? Lei brasileira, claro. O critério é o da localização dos bens. Isso quando o bem é tomado em sua dimensão estrita, em sua singularidade.

Outra coisa é o bem que faz parte de um patrimônio, de algo mais amplo, de uma universalidade, de um todo unitário. Existem regras específicas que se aplicam, então: bem que faz parte de uma massa falida, de uma partilha, de um espólio. Não conseguimos destacar o bem de uma relação singular, porque ele faz parte de algo maior. Assim como o bem de família.

Sucessões

No Direito Sucessório, existem duas teorias com relação à divisão dos bens. Teoria unitarista – uti universitas – e teoria pluralista. A segunda trata de fragmentação: aplicação do Direito de diferentes países dependendo da localização dos bens.

Do ponto de vista do conflito de leis no espaço, quando se fala em Direito unitário ou plural, fala-se do Direito Material aplicado. É simplesmente dizer que se aplica só um Direito, ou vários Direitos. Exemplo: a sucessão de um brasileiro com bens na Argentina e outros no próprio Brasil. Essa é a hipótese para nós. Segundo a teoria unitarista, aplicar-se-ia somente um Direito nesse fenômeno sucessório inteiro, que pode ser o Direito da Argentina ou o do Brasil. Qual é a regra? Aplicamos a regra do domicílio.

Segunda hipótese é a teoria plural. Para esse bem situado na Argentina, o processo seguiria a sucessão da lei argentina, e para o bem sito em território brasileiro, o processo seguiria a lei brasileira. Aplicaríamos a lei do país correspondente para as questões elementares da sucessão. Ordem de vocação hereditária, por exemplo: se, hipoteticamente, a lei argentina dispusesse que o cônjuge ocupa a segunda classe sucessória e não a terceira, como no Brasil (art. 1829 do Código Civil de 2002), então aplicaríamos a ordem de vocação hereditária segundo a lei brasileira para o bem situado no Brasil e a ordem de vocação hereditária segundo a lei argentina para o bem situado na argentina. Se Adelino é brasileiro, não tem descendentes, mas tem ascendentes vivos e é casado, e sofre um acidente e morre, a sucessão dele será feita, primeiramente, chamando-se seus descendentes, mas não existem descendentes; chamamos, então, a segunda classe sucessória, que é, no Brasil, a dos ascendentes, que herdará o bem situado no Brasil. Ao mesmo tempo, chamamos o herdeiro ocupante da segunda classe sucessória segundo a lei argentina, que, em nossa hipótese, é o cônjuge, e não os ascendentes. O bem sito na Argentina será herdado pelo cônjuge, que ocupa a segunda posição na ordem de vocação hereditária.

Em suma: teoria unitária, um só direito. Teoria plural, mais de um.

Adota-se a teoria unitária do Brasil. Existe um consenso com relação à regra aplicada nas questões sucessórias? O texto cai em prova! Não existe nenhum consenso. A crítica do final do artigo é exatamente isso: crítica à teoria unitária.

Que país adota a teoria unitária e que país adota a teoria da fragmentação? Temos a teoria unitarista com base no domicílio no Brasil, outros países adotam a teoria unitarista com base na nacionalidade. E há países que adotam a fragmentação. Dentro da Europa há países onde prevalece a teoria unitarista e outros onde vale a da fragmentação. Imagine sucessão sobre imóveis localizados em vários países!

Art. 10 da LINDB:

Art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens.

[...]

Qualquer que seja a situação dos bens! O Brasil usa a regra do último domicílio do de cujus. É a teoria unitarista.

Problema: uma brasileira é casada com um árabe, mas ele resolve voltar para a Arábia Saudita. Tem seu domicílio lá, ela tem filhos com ele aqui no Brasil, e há bens aqui no Brasil também. Imaginem também que, novamente por hipótese, a mulher, segundo a lei saudita, não herda bens imóveis, ou as filhas herdam apenas 2% do patrimônio do de cujus. O árabe morreu, e o último domicílio dele era a Arábia. Aplicar-se-ia o Direito árabe. Mas há poréns:

§ 1º A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus.

Quando existem bens no Brasil, cônjuge ou herdeiros brasileiros, aplica-se a lei brasileira sempre que não lhe seja mais favorável a lei pessoal do de cujus. A lei mais favorável aqui é a lei brasileira, claro. Foi uma forma que o legislador brasileiro encontrou de proteger os eventuais herdeiros brasileiros caso a legislação estrangeira seja muito desfavorável. Isso se houver bens no Brasil.

Temos essa proteção desde a Constituição do Império.

Questões finais sobre esta matéria: outro tipo de problema dentro da questão sucessória é aquele que se refere à capacidade do herdeiro. A capacidade também tem uma regra específica: relaciona-se com o domicílio do herdeiro. Então vamos imaginar o caso de Suzane von Richthofen, com modificações ilustrativas. O domicílio dela, digamos, era no exterior. Veio para o Brasil somente com o plano macabro de eliminar seus pais. Segundo essa norma, a capacidade sucessória de Suzane se dá de acordo com a lei brasileira ou com a lei do país no qual ela tem domicílio? Deste último. Pode ser que a lei do país em que ela tem domicílio preveja que, no caso da indignidade, a capacidade de herdar é regida pelo domicílio do herdeiro. § 2º do art. 10 da LINDB:

§ 2º A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder.

Outra forma de pensar é que a questão da indignidade não é a afetada pela regra de capacidade sucessória do candidato a sucessor, mas sim pela norma que rege a dignidade do próprio de cujus, e, o fazendo, isso é uma questão que tem que ser resolvida dentro da regra geral de seu último domicílio. Paramos de olhar para o sucessor e sua capacidade (que é determinada pelo seu domicílio) e passamos a olhar para o autor da sucessão e seu último domicílio.

Para finalizar: temos sempre que localizar o problema. É um bem? Está dentro de uma questão sucessória? É relativo à capacidade do herdeiro? É outra questão? Temos que ver as regras relativas a esta questão. Pensem, agora, em um testamento. A pessoa fez um testamento fora do Brasil. A capacidade de testar é regida segundo qual Direito? Saí do Brasil e fiz um testamento na Argentina. A minha capacidade para testar se dá de acordo com a lei brasileira ou a argentina? Capacidade se liga a quê? Domicílio, e não nacionalidade. Então a resposta para isso está no art. 7º, caput. Para que o ato seja válido, deve-se notar a capacidade segundo o domicílio.

Art. 7º A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.

[...]

Outra pergunta: a validade extrínseca do testamento, ou seja, a forma que o testamento deva ter se rege segundo a lei brasileira ou a argentina? A do local de celebração do ato. Lex loci celebrationis. Caímos numa pergunta de forma. Viu como tivemos que localizar o problema? É quase que um exercício matemático de qualificar o problema. Uma vez qualificado determinamos a regra aplicada, e então resolvemos. Ainda que o professor não concorde com a lógica disto: o regime de bens ser regido pelo primeiro domicílio conjugal. Por outro lado há regras que o professor considera boas: domicílio como regente da capacidade e da personalidade. Parece regra muito melhor do que da nacionalidade.

notasdeaula.orgotasdeaula.org