Direito Internacional Privado

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Cooperação jurídica internacional: carta rogatória e auxílio direto

Texto de apoio: O Farejador de Contas

Vamos avançar hoje em cooperação jurídica, fechando a matéria hoje, e vamos tratar fundamentalmente de carta rogatória e auxílio direto. Com esses três institutos, vamos ter uma boa noção do que é cooperação jurídica, pelo menos dentro do ordenamento brasileiro. Notem: homologação de sentença estrangeira é o que vimos na aula passada. Carta rogatória é um instrumento que já existe há muito tempo, assim como a homologação. O auxílio direto, por outro lado, é bem mais recente. Principalmente em matéria penal e cível, é uma modalidade de cooperação que tem aparecido nos últimos vinte ou trinta anos, com uma base normativa bastante forte calcada em tratados. A carta rogatória também está sendo transposta para o modelo dos tratados e não mais da via diplomática.

O auxílio direto, então, é relativamente novo, enquanto os outros dois modelos de cooperação jurídica são tradicionais.

Carta rogatória

Todos nós temos ideia do que seja uma carta rogatória. Ela envolve, necessariamente, uma jurisdição estrangeira. A carta precatória, que temos aqui dentro do território brasileiro, é utilizada dentro da mesma jurisdição, dentro do mesmo Estado. A rogatória, por definição, envolve mais de uma soberania. E notem: é um instituto que existe sob vários nomes. Em inglês, por exemplo, temos letter rogatory ou letter of request, ou literae inquisitorales¹. Todos os Estados preveem um instrumento de carta rogatória em seus ordenamentos. A carta rogatória tem origem no próprio costume dos países. Pediam a cooperação jurídica na base do costume.

O Brasil começou a trocar cartas rogatórias com qual país, no início? Portugal, claro. Há um Aviso Circular nº 1 de 1847, que já falava em carta rogatória. Falamos também da Lei 221/1894, para homologação de sentença estrangeira. É muito interessante. Se pegarmos a Lei 221, os requisitos do juízo de delibação são quase os mesmos da Resolução 9 do STJ, editada no século XXI!. Muda só o português, que no final do século XIX era arcaico. Previa, tal como hoje em dia, o requisito da autoridade competente, a citação válida, documento autêntico, só com a diferença de grafia. Seguia a Constituição Republicana de 1891.

Depois, o instituto se desenvolveu. Temos previsão no Código de Processo Penal sobre a carta rogatória. As primeiras trocas envolviam matéria penal. Um pedido de localizar um fugitivo num determinado país, reter determinada pessoa. O CPP é de 1941. No Código de Processo Civil de 1973, replicou-se, basicamente, o que o Código de Processo Penal já previa. Depois tivemos a mudança da competência do STF para o STJ, e a posterior edição da Resolução nº 9/2005.

Como vamos ver daqui a pouco, não é só isso. Hoje grande parte do trâmite de carta rogatória se dá pelo que está previsto nos tratados. O Brasil, nesse sentido, assinou tratados com vários países com relação ao trâmite de cartas rogatórias. Temos tratados bilaterais e multilaterais. Temos que conhecer as especificidades daquela relação que será regulada por tratado. É impossível conhecer todas as regulações. Há tratado de cooperação em matéria penal, outros em matéria cível com dezenas de outros Estados. Temos que olhar o caso concreto. O que vamos ver aqui é uma teoria geral.

Definição de carta rogatória

Carta rogatória é a forma de cooperação, entre países distintos, no sentido de providenciar o cumprimento de medidas cientificatórias, atos ou diligências, em regra, sem caráter executório.

Notem: medidas cientificatórias, mais de uma soberania, e, em regra, medidas não executórias. O que se espera que as cartas rogatórias contenham? São, normalmente, pedidos de citação, de intimação, oitiva de testemunhas, informações, compartilhamento de prova, notificação. Os exemplos típicos de carta rogatória, ou melhor dizendo, quais atos estão contidos no pedido, já que a carta é só o instrumento, giram em torno de citação, intimação, colheita de provas. Costuma acontecer em casos de divórcio, sucessões, citação por carta rogatória aqui no Brasil pelas dívidas de jogo contraídas no Uruguai. Se não houve carta rogatória, a sentença não pode ser homologada no Brasil, conforme falamos na última aula, se desfavorável a indivíduo com domicílio aqui. A carta rogatória tem uma relação intrínseca com o problema de homologação quando o Brasil é demandado.

Jato Legacy e voo Gol 1970, de 29 de setembro de 2006: os pilotos conseguiram seu passaporte de volta e voltaram para os Estados Unidos. O depoimento deles foi conseguido por videoconferência. Ali também houve auxílio direto, que vamos ver logo mais. É basicamente isso que são as modalidades de atos contidos nos pedidos de carta rogatória. Essa matéria é, de certa forma, pacífica. Em relação aos atos de impulso processual, ou atos meramente exibitórios, a doutrina é bastante assentada. O problema surge quando a carta rogatória começa a conter algumas coisas que ficam numa aérea cinzenta. Por exemplo: um pedido de quebra de sigilo bancário por carta rogatória. Imaginem as duas vias. A justiça brasileira fazendo um pedido de quebra de sigilo bancário de uma pessoa no exterior, ou a situação contrária: a justiça do outro país fazendo o pedido de quebra de sigilo bancário aqui no Brasil. Há varias discussões. A quebra de sigilo bancário pode ser feita sem decisão judicial lá fora que ampare o pedido, dependendo da regra do país. O Brasil denega a execução da carta rogatória porque aqui se exige uma decisão judicial para quebrar qualquer sigilo. Ao mesmo tempo, o Brasil tira proveito disso, porque às vezes acontece, como foi no caso Maluf, em que o Ministério Público Brasileiro pediu diretamente para a justiça americana que se quebrasse, e foi acatado. Quando as informações chegaram aqui, elas tiveram sua legalidade contestada. No final, aceitou-se como prova. Houve mudança no posicionamento do Tribunal. Essa matéria é hoje bem mais tranquila.

O problema surge quando nos lembramos que o ato é executório, e aí iniciamos uma discussão sobre qual é o requisito de admissibilidade para a quebra naquele país e no nosso, por exemplo. Quem quiser estudar mais isso veja o livro de Refinetti, autora organizadora. Ela faz uma análise de pedidos de quebra de sigilo bancário, feitas por países estrangeiros, que foram autorizadas no Brasil entre 2000 e 2004. Pouquíssimas, quase nenhuma quebra foi autorizada.

Também entra em matéria penal, e, nesses pontos mais contenciosos, a doutrina e a jurisprudência ainda têm posições divergentes sobre vários assuntos. Mas, em princípio, a regra geral do modelo de carta rogatória, com exceções, se trata da própria definição que vimos acima. Existem exceções porque, no Mercosul, entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai pode-se fazer o pedido de homologação de sentença estrangeira por carta rogatória, porque esses quatro países acordaram isso. Há um tratado que rege essa matéria. Esse tratado permite que, dentro dos países do Mercosul, a homologação de sentença estrangeira se dê não por homologação de sentença estrangeira no STJ, mas por trâmite de carta rogatória, com concessão do exequatur. Já há o juízo de delibação. Não há os prazos de 15 dias para o réu responder; pode-se impugnar. Há consequências processuais muito grandes aqui no Brasil. O processo é mais simples. A homologação é, normalmente, mais demorada.

Imaginem uma sentença estrangeira do Uruguai: você quer homologar aqui no Brasil. Qual seria o rito? Homologação de sentença estrangeira, no STJ, passando por todos os canais diplomáticos. Só que, no caso do Mercosul, essa sentença estrangeira pode ter sua homologação pedida dentro de uma carta rogatória. E, como vamos ver, não existe homologação da carta rogatória, mas sim a concessão ou não do execute-se. Não há citação do réu aqui; há simplesmente a impugnação. É possível executar simplesmente sem ouvir o réu. Isso para o Mercosul. Sentença vinda da Alemanha não seguirá esse rito simplificado. Por isso, o que temos que ter em mente é: qual o país em jogo? Qual é o país com o qual se está buscando a cooperação jurídica? Dependendo de qual for, pode haver um tratado bilateral, um tratado regional, ou multilateral, ou regional dentro da OEA.

Para que existe cooperação jurídica? Por que existe? Porque o Brasil se submeteu, porque assinou esse protocolo dentro do Mercosul que permite que isso aconteça? Para dar efetividade às decisões e gerar reciprocidade.

Mais importante ainda é a questão penal. Os caras que dão ensejo ao trabalho do Estado brasileiro no que tange à cooperação jurídica, especialmente no auxílio direto, são profissionais. Os bilhões desviados daqui estão todos fora do Brasil. Aqui nos lembramos de lavagem de dinheiro, bancos suíços, bancos caimaneses, bancos antiguanos, etc.

Algumas peculiaridades, que já vimos, mas vamos repetir, com relação à carta rogatória. Primeira delas: art. 6º da Resolução 9 do STJ:

Art. 6º Não será homologada sentença estrangeira ou concedido exequatur a carta rogatória que ofendam a soberania ou a ordem pública.

Tomem cuidado porque, tecnicamente, o que se homologa é sentença estrangeira. A carta rogatória está sujeita um procedimento de concessão ou não do exequatur. Embora a homologação de sentença estrangeira, no final, também resulte no exequatur. Há esse procedimento específico: concessão do exequatur à carta rogatória. Tem consequências processuais como falamos. Ambos se submetem a juízo de delibação, porque ambos não são deferidos se fere a soberania ou a ordem pública, ou bons costumes, se considerarmos estes como espécie da ordem pública.

Observem que ambos estão sujeitos ao juízo de delibação, mas os procedimentos são distintos. Homologação da sentença estrangeira, carta rogatória e concessão do exequatur. O segundo ponto são aqueles termos ali: “decisório” e “não decisório”. As cartas rogatórias podem ter por objeto atos decisórios ou não decisórios. Há uma discussão na doutrina entre alguns autores que entendem que “decisórios” e “não decisórios” são atos que têm a ver com “executórios” ou “não executórios”. Outra parte da doutrina entende que atos decisórios e não decisórios têm a ver com atos “terminativos” ou “interlocutórios”. Há essa discussão. Podemos pegar alguns escritos do Ministro Gilson Dipp, que discute, em vários artigos, a natureza da carta rogatória, o que pode estar contido nela, e o que não pode. É a parte mais geral para nós.

Outra coisa: muitas vezes o pedido vem para o Brasil com o rótulo de “carta rogatória”. Na natureza, o pedido contido não é objeto de carta rogatória, e não é processado como carta rogatória, e não é remetido ao STJ para o juízo de delibação. Exemplo: o país X e a justiça brasileira. A justiça de X quer cópia dos autos de um processo aqui no Brasil. O processo é público, salvo os sob segredo. Então a justiça daquele país mandou um pedido de envio de cópia numa carta rogatória. O ato enseja ato jurisdicional da justiça brasileira? Cópia de processo? Não. O Judiciário não precisa delibar sobre isso. As autoridades podem fazer isso administrativamente, e não parar o STJ para processar esse pedido. Vejam o parágrafo único do art. 7º da Resolução:

Art. 7º As cartas rogatórias podem ter por objeto atos decisórios ou não decisórios.

Parágrafo único. Os pedidos de cooperação jurídica internacional que tiverem por objeto atos que não ensejem juízo de delibação pelo Superior Tribunal de Justiça, ainda que denominados como carta rogatória, serão encaminhados ou devolvidos ao Ministério da Justiça para as providências necessárias ao cumprimento por auxílio direto.

Na essência, o pedido não tem natureza de ato que enseje delibação. Então ele é processado na via administrativa. De novo: carta rogatória e homologação passam pelo juízo de delibação. Se for algo que não precisa do juízo de delibação, isso não será processado pelo STJ. Não vamos ocupar o tempo do STJ para fazer uma cópia do processo.

Outro tipo de pedido que costuma vir sob o rótulo de carta rogatória é pedido de esclarecimento sobre Direito Estrangeiro. “Qual a lei do seu país?” O STJ não precisa esclarecer as regras de Direito Internacional Privado do Brasil. É um pedido de natureza administrativa. Remete para o Ministério da Justiça para fazer cópia das leis brasileiras e mandar para o requerente. São pedidos que podem ser atendidos por auxílio direto e não ensejam o juízo de delibação do STJ.

Nomenclaturas e autoridade central

Chama-se juízo rogante a autoridade judiciária do país que requer de outro a tomada de providências em seu próprio território. O juízo do país destinatário da carta rogatória, que fará o juízo de delibação, é chamado de juízo rogado.

Outra questão importante é o seguinte: a carta rogatória, como dissemos, com base no costume, era essencialmente tramitada na via diplomática. Hoje, o modelo que tende a ser usado atualmente é mais o previsto em tratados celebrados pelo Brasil do que os feitos por diplomatas.

E como era o costume? Vamos ver um exemplo sobre a carta rogatória passiva, que é aquela em que a justiça de outro país está demandando o Brasil. Esta passa pelo juízo de delibação. Já a carta rogatória ativa não passa pelo juízo de delibação. Se você está pedindo para citar alguém no exterior, você não precisa do STJ para que haja uma concessão do exequatur daquele pedido. Quem vai fazer a delibação é o outro país e não o Brasil. O juízo de delibação na carta rogatória ocorre quando o Brasil é demandado.

Funcionava como? Basicamente na via diplomática. O que acontecia? O autor da ação está no país X. Manda citar o réu no Brasil. Ele ia ao Judiciário do país X. O Judiciário do país X ia ao Ministério das Relações Exteriores do país X. Este, por sua vez, enviava a carta ao MRE do Brasil. Este remetia ao Superior Tribunal de Justiça para fazer o juízo delibatório. Se concedesse o exequatur, o STJ mandava o pedido para o juízo federal. Bem rápido, não? Apenas cinco etapas! O embaixador pensava mais em conversar, e não em brigar. O trâmite diplomático, que se originou dos costumes, é demorado. Três anos para a citação, normalmente. Então esse modelo diplomático se provou, muitas vezes, moroso e ineficiente. Fazia com que se perdesse o objeto da ação. Várias questões aconteciam.

Isso mudou! Ainda existe o trâmite tradicional feito segundo o modelo diplomático com os países com que o Brasil não tem tratado. Botswana, por exemplo. Para os países com que o Brasil tem tratado, o sistema funciona com base na Autoridade Central. há a AC Estrangeira e a AC brasileira. Substitui o Itamaraty. Diferentemente do modelo anterior, o modelo de tratados faz com que a autoridade central brasileira mande para a estrangeira, e lá tramita o pedido. A Autoridade Central é um órgão criado para isso. Muito mais rápido do que o MRE. No Brasil, quem faz esse trâmite é o Ministério da Justiça, a Secretaria Especial de Direitos Humanos, e é exatamente o que ocorre no Brasil. Normalmente, a autoridade central brasileira é o Ministério da Justiça, mas isso vem sendo mudado. Agora há outras autoridades, dependendo da matéria. O Brasil assim decidiu. Para algumas matérias, a competência foi removida do MJ para outra, para fazer o papel da autoridade central. Há o interesse mútuo aqui. Do mesmo modo que os outros Estados têm o interesse de agilizar seus próprios pedidos feitos aqui, o Brasil tem interesse em agilizar os pedidos brasileiros lá fora. O próprio tratado prevê esses mecanismos. Para saber a solução do problema, sentem-se e leiam o decreto, especialmente para saber os prazos, que documentos são necessários para a instrução, etc. É um instrumento de Direito Internacional Público para regular uma matéria eminentemente privada. Também funciona para matéria cível.

Exemplos de autoridades centrais: Ministério da Justiça, Procuradoria-Geral da República, Secretaria Especial de Direitos Humanos.

Conceito de autoridade central: é o órgão responsável pela boa condução da cooperação jurídica que cada Estado realiza com as demais soberanias. Fazem um juízo mínimo de admissibilidade.

O que queremos dizer com isso? Duas coisas: primeira, que muitas vezes a AC vale como filtro. Ou seja, aquela carta rogatória que na verdade tem um pedido de natureza administrativa nem vai chegar ao STJ, porque a autoridade central já encaminhou para a tomada das providências. Outra coisa que é comum também é que a carta rogatória contenha vários pedidos, alguns de natureza administrativa, outros que podem ser objeto de carta rogatória. O que as ACs fazem é mandar para o outro país para reformular. Não é um juízo de admissibilidade do ponto de vista de delibação, mas é um procedimento que já ajuda. E fazem isso de uma maneira razoavelmente rápida.

Mais um detalhe: é a autoridade central, diferentemente do processo de homologação de sentença estrangeira, quem faz as traduções. O pedido de carta rogatória que chega ou sai daqui não precisa ser traduzido. Você simplesmente pede para o juiz brasileiro fazer a citação, que manda para a AC, que traduzirá e mandará para a AC estrangeira. Reduz o custo.

Última observação: a variação das autoridades centrais aqui no Brasil. Historicamente era só o MJ. Há o departamento chamado DRCI, o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional, e o Deest, o Departamento de Estrangeiros, este para matéria penal. Tudo estava ali no Ministério da Justiça, mas as autoridades vêm sendo alteradas. Os tratados preveem que, dentro de determinado prazo, deve-se indicar qual a autoridade central de seu país. E aparece um documento do governo brasileiro dizendo: a Procuradoria-Geral da República, com endereço tal, é a Autoridade Central no Brasil.

Então vejam: MJ, PGR e SEDH. A Procuradoria-Geral da República é a AC em matéria relativa a Canadá e Portugal. E também prestação de alimentos internacionais. Tratados relacionados são a Convenção de Nova York sobre Prestação de Alimentos no Estrangeiro de 1956, e a Convenção de Haia sobre Cobrança Internacional De alimentos em Benefício dos Filhos e de Outros Membros da Família. Um melê. A SEDH assumiu a prerrogativa de ser a Autoridade Central em duas convenções: a Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, que é a Convenção de Haia de 1980, e a Convenção sobre Cooperação Internacional e Proteção de Crianças e Adolescentes em Matéria de Adoção Internacional, que é a convenção de Haia de 1993. Para a matéria relativa a sequestro civil internacional, os trâmites de auxílio direto e carta rogatória correm conforme se prevê nessas convenções. A primeira foi decisiva no caso “Segura o Sean”. E cuidado com o nome “sequestro internacional”. Esse nome é enganoso, e estamos falando da esfera civil. Em outros textos, temos o termo "retirada", e não sequestro. Trata-se da transferência ilícita de menores. Casal binacional, e um dos dois cônjuges (ou ex-cônjuges) pega a criança e leva para o seu país de origem, sendo que a guarda estava com o outro genitor. A transferência ilícita é configurada, a violação ao direito da guarda é configurada, e temos uma convenção que prevê a devolução imediata das crianças se o pedido for feito dentro de um ano. Evidente que não se aplica para as exceções previstas para que a criança não seja devolvida, por exemplo, se ela corre perigo de vida no país para o qual ela seria devolvida.

Então, ao deparar com um problema, temos que determinar de qual assunto ele trata. É matéria sobre devolução de crianças? Sobre adoção internacional? Temos que olhar o tratado. E assim também determinaremos qual é a autoridade central competente no Brasil para aquela matéria. SEDH pode ser a autoridade competente. O Brasil tem tratado com vários países.

Há briga de poder entre órgãos. “Política e salsichas: não é bom saber como são feitas.” Frase de Bismarck. Briga política, órgão novo, que precisava receber a competência, e vaidades.

Funciona bem. Uma aluna do professor, quando apresentava seu trabalho diante da Banca de monografia, fez uma análise da jurisprudência brasileira relativa ao sequestro internacional. Mostrou que os pedidos têm uma taxa de cumprimento altíssima. As crianças são devolvidas. Alemanha, por exemplo, dificilmente devolvem. Os países têm a cautela: na dúvida, não devolvam. A expressão alemã para esse princípio de benefício da dúvida é in zweifel fur kidnaper. Seria equivalente a “in dubio pro captor”.

Números

Está aumentando o número de pedidos de carta rogatória e auxílio direto que passaram pelo MJ entre 2004 e 2009. Tanto pedidos passivos quanto ativos. E por quê? Maior internacionalização da economia brasileira. O programa ciência sem fronteiras manda 40 mil estudantes para fazer doutorado no exterior. Trazer tecnologia para o Brasil! Mas isso também significa que eles vão casar lá, adquirir imóveis e morrer, abrindo sucessões internacionais. Ou um caso em que o sujeito tem um relacionamento com uma brasileira, casa com a brasileira, pega a criança e se manda. Ou abandona a família sem pagar alimentos e desaparece do Brasil. Tais brasileiros costumam vir ou ir de/para quais países e por quê? Tem a ver com o encontro de comunidades brasileiras. Estados Unidos, Portugal, Japão. E Argentina, claro. São os países nos quais as comunidades brasileiras têm importância grande, e também são os países que mandam muitas pessoas aqui para o Brasil. Americanos, portugueses, japoneses... É um fenômeno que tende a aumentar. Europa está em crise, e está pedindo para o turista ir para lá, mas não o imigrante.

Vejam a crise do emprego na Espanha. O jovem espanhol vai fazer o quê? Fugir daquele país. Da mesma forma que aconteceu no Brasil há um tempo. Traz o filho e não o cônjuge, e com isso muitos problemas. Coisa de interesse até para quem vai para o Ministério Público, não só para a advocacia.

Auxílio direto

Conceito: modalidade de cooperação jurídica internacional que, por sua natureza administrativa, ou pelo fato de se buscar uma decisão judicial brasileira relativa a litígio, que tem lugar em Estado estrangeiro, não necessita do juízo de delibação do Superior Tribunal de Justiça.

Como colocamos: o auxílio direto, que funciona basicamente sob o regime de tratados, que podem prever duas coisas: pedidos meramente administrativos, e não somente no âmbito do Judiciário, mas também dos Ministérios Públicos, polícias dos países, Interpol, mas são pedidos de natureza administrativa. Outra forma também de auxílio direto que está crescendo agora é o pedido de abertura de uma nova ação em uma outra jurisdição. Principalmente na esfera penal, nos crimes que transbordam as jurisdições. Lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, corrupção. Suponha que nos Estados Unidos estejam investigando um brasileiro por suspeita de lavagem de dinheiro, e esse suspeito por acaso é um político aqui no Brasil. Fazem a investigação lá e notam indícios de envolvimento em lavagem de dinheiro internacional. Mandam a documentação para o Brasil, que pode iniciar o procedimento aqui. Matéria cível fica para a Advocacia-Geral da União, enquanto a matéria penal é de competência do Ministério Público Federal. São crimes que acontecem de forma efusiva, em vários locais ao mesmo tempo. A ideia do auxílio direto é coibir esse tipo de atividade.

O caso que temos é de nosso querido Paulo Maluf. Qual o valor que a reportagem do texto de apoio indica? Deem desconto pelo sensacionalismo. “Superxerife das contas públicas”, “grande farejador”. O repórter fala em R$ 5 bilhões. Conseguiu-se bloquear 5 bilhões de reais lá fora. O PIB do Brasil é, digamos, de R$ 2 trilhões de reais. 10% de 2 tri são R$ 200 bilhões. R$ 5 bi é 0,25% do PIB do Brasil. Para um único desvio de dinheiro público. Isso é a parte bloqueada, apenas. O que se conseguiu repatriar desse valor? Na verdade temos, de acordo com a reportagem, R$ 33 bilhões em cerca de 700 corruptos investigados em mais de 1200 processos. O auxílio direto, então, é extremamente importante para o conserto desse problema.

Até conseguimos bloquear os bens. O problema é repatriar. É muito difícil, porque normalmente, para repatriar, a justiça estrangeira exige que tenha transitado em julgado a decisão proferida aqui no Brasil. E isso, no Brasil, é quase impossível na prática, por causa de nosso sistema recursal aberto, em que vigora o princípio da recorribilidade, e são permitidos N embargos de declaração. A sentença condenatória deve ter transitado em julgado no país de origem. Isso frustra um pouco a cooperação. Mas não se intimidem, porque esses instrumentos estão evoluindo. Ministério Público Estadual de São Paulo e Ministério Público Federal são grandes atores nessas buscas.

Vocês, que estão indo para a máquina pública, pensem nisso. É de perder o sono. Mas grande satisfação ao conseguir. Esses sujeitos que desviam o dinheiro público é quem são os grandes criminosos.

Suíça, país tradicionalmente conhecido por ser um paraíso fiscal, está mudando de comportamento. Era extremamente conservadora em sigilo bancário. Grandes fortunas do mundo estão lá. O modelo de sigilo é um dos mais rígidos do mundo. No ano passado, pela primeira vez na história, a Suíça entregou uma lista com os 50 maiores devedores do fisco norte-americano. Mas lá também há corruptos. Quem não se lembra dos casos Enron, Bernie Madoff, MCI Inc., bilhões desviados? A diferença é que todos estão presos, em prisão federal de segurança máxima. Os executivos da Enron estão na jaula. Bem de família o caramba! Leilão na hora de todos os bens.

Aula que vem: arbitragem.


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