Texto de apoio: Expulsão: os casos do colombiano e da moçambicana acusados de tráfico internacional
Este é nosso sétimo encontro. Vamos falar hoje a condição jurídica do estrangeiro, deportação e expulsão. Com isso fechamos a matéria relacionada à nacionalidade, distinções entre nacionais e estrangeiros, e relações entre eles. Na próxima aula vamos entrar na parte de processo internacional. No primeiro bloco do curso vimos conflito de leis no espaço, e a partir da próxima vamos para o processo internacional. Tragam o Código de Processo Civil a partir da aula que vem.
Quando vocês pensarem nessa questão da condição jurídica do estrangeiro, tentem localizar em que momento o estrangeiro se situa no Brasil. É um problema de entrada do estrangeiro? É um problema da estada, ou seja, ele já foi admitido? Ou é de saída? São questões distintas. Por exemplo, na entrada, podemos falar de deportação. Na estada, Podemos falar também de deportação, pois podemos ter um estrangeiro que entrou irregularmente no país. Na estada, os principais problemas que surgem são os direitos do estrangeiro em relação ao nacional.
E também podemos estar com uma questão relativa à saída; uma vez que ele já entrou, se comete um crime, ele pode se submeter a uma medida de saída. Temos que localizar o momento de ocorrência do problema. Na questão da estada, teremos sempre que cotejar as questões constitucionais e principiológicas. Não conseguimos i¬nterpretar os direitos do estrangeiro se não olharmos a Constituição.
Então entrada, estada e saída são coisas juridicamente diferentes, apesar de interconectadas.
No que tange ao momento da entrada do estrangeiro, também, temos a discussão sobre visto, admissão e deportação... A parte da concessão de visto está regulada no Estatuto do Estrangeiro, a Lei 6815/1980. Tipos de visto, de turismo, de negócio, de trabalho, só estarão no Estatuto do Estrangeiro? Não, há a normativa infralegal. Quem trabalha na área de imigração já lidou com as normas do Conselho Nacional de Imigração. São normas que regulam a entrada e a estada.
Por isso que localizar o problema ajuda a resolvê-lo.
Na parte de entrada, até meados da década de 30, o Brasil regulava a entrada de estrangeiros através de quotas, numéricas. Um número X de estrangeiros de determinada nacionalidade poderiam entrar por ano. Por exemplo: poder-se-iam admitir uma quantidade de estrangeiros igual a 2% do total de estrangeiros que entraram nos últimos 50 anos no Brasil. Mas tínhamos estatísticas naquela época? Não. Hoje temos. Mas notem: o sistema de quotas vigeu no Brasil na década de 30 até a década de 60, quando foi extinto. Estados Unidos e União Europeia ainda praticam a regulação por quotas numéricas. Funciona assim: há um número não divulgado de estrangeiros que poderão ser admitidos. A partir do momento em que a quota é preenchida, ninguém mais daquela nacionalidade entra. Ou não emitem visto ou barram na fronteira. E aí vem uma questão que o professor insiste: em toda a discussão de imigração os países têm discricionariedade ampla para regularem da maneira que entenderem. Não existe um tratado, salvo exceções. Na União Europeia, por exemplo, que é supranacional, há livre circulação de pessoas entre os países do bloco.
Se o Brasil fechar suas portas para estrangeiros, os outros também fecharão as suas. Não entrariam mais brasileiros em mais nenhum país, pelo princípio da reciprocidade. Então é um jogo. O Brasil tem a discricionariedade para determinar quem será admitido a entrar, mas essa discricionariedade é relativizada pelo comportamento dos outros Estados. O Brasil exige visto dos países que exigem visto dos brasileiros. Princípio da reciprocidade. Interesses são ponderados dessa forma.
Muito bem. E aqui entramos na...
A condição jurídica do estrangeiro começa por essa discussão que temos no art. 5º de nossa Constituição, sobre os direitos fundamentais das pessoas. E vejam que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Vejam: a Constituição literalmente faz uma distinção entre brasileiro e estrangeiro residentes. Significa que um turista no Brasil pode ser torturado? Posso descer a porrada nele? Pode ele ser objeto de revista constrangedora num supermercado ou no aeroporto? Na verdade, é raro interpretarmos a Constituição literalmente; temos que interpretar sistematicamente. Há muito tempo que a Constituição não é interpretada da maneira literal nesse particular. Não faz sentido excluir o estrangeiro não residente dos direitos fundamentais, porque sistematicamente a proteção que a Constituição quer dar é à dignidade humana. E há bastante tempo essa norma não tem mais essa gramaticalidade. Por quê? Porque levamos a resultados absurdos. Os resultados absurdos não coadunam com a interpretação sistemática da Constituição. E isso vai além: quando dizemos que os direitos fundamentais são garantidos aos brasileiros e estrangeiros, isso também serve para a legitimidade ativa. O estrangeiro não residente pode impetrar habeas corpus? Pode! Pode ingressar com ação popular? Pode! Opa: na ação popular temos que analisar a especificidade em relação ao tipo de ação. Acontece que a ação popular é reservada aos cidadãos, tendo em vista que o legislador impôs a necessidade de se ter um Título de Eleitor. Portanto, começamos a ver que, ao mesmo tempo em que a Constituição iguala nacionais e estrangeiros para efeitos de direitos fundamentais, ela tem exceções. Temos normas no mesmo nível com especificidade maior. Caso típico é a ação popular. E há outros casos em que a própria Constituição faz reserva para brasileiros, e em outros é ainda mais restritiva: a brasileiros natos. Temos que interpretar de forma harmônica, visando à efetividade dos princípios que balizam a interpretação da Constituição.
Tomem cuidado, então, com a questão do estrangeiro com relação aos direitos fundamentais.
E tomem cuidado, também, com o normativo infralegal. Peguem o Estatuto do Estrangeiro. É de 1980. O governo era o de João Figueiredo. O Estatuto do Estrangeiro nasceu na transição entre o regime militar e o regime atual. Ainda havia o entendimento que o estrangeiro era um problema de segurança nacional. Ele seria algo que poderia minar a cultura, as instituições, a segurança. Então ele teria que ser controlado, impedido de certas coisas. Por isso o Estatuto do Estrangeiro de 1980 carrega ainda uma visão típica. O Ministério da justiça poderia, sempre que considerasse conveniente, impedir a realização por estrangeiros de congressos, conferências, exibições artísticas ou folclóricas. Será que isso foi recepcionado pela Constituição de 1988? Que tipo de colisão de princípios temos aqui? Temos o princípio do interesse nacional e a liberdade de expressão.
Art. 110. O Ministro da Justiça poderá, sempre que considerar conveniente aos interesses nacionais, impedir a realização, por estrangeiros, de conferências, congressos e exibições artísticas ou folclóricas. |
A liberdade de expressão é um direito fundamental? Claro. Isso contradiz o que vimos em relação ao caput do art. 5º? Parece colidir. Mas pegue um grupo folclórico, a exemplo da África, que deseja fazer uma exibição sacrificando animais aqui no Brasil. O Ministro da Justiça poderia impedir? Poderia, mas independentemente de ser realizado por estrangeiros ou nacionais. O problema é outro, da ilicitude do objeto da manifestação. Pode-se intervir independente da nacionalidade de quem está promovendo. É difícil ver bons substratos hoje. Acabamos de falar sobre a liberdade de expressão como princípio que deve ser ponderado. Notem: esse dispositivo foi escrito em 1980. Temos uma evolução constitucional de lá para cá que relativiza, que pondera disposições do Estatuto.
Por outro lado, a Constituição trouxe limitações de fato. Art. 12, § 3º da Constituição:
§ 3º - São privativos de brasileiro nato os cargos: I - de Presidente e Vice-Presidente da República; II - de Presidente da Câmara dos Deputados; III - de Presidente do Senado Federal; IV - de Ministro do Supremo Tribunal Federal; V - da carreira diplomática; VI - de oficial das Forças Armadas. VII - de Ministro de Estado da Defesa |
E fazem todo o sentido essas limitações. Não é entre brasileiros e estrangeiros, mas entre brasileiros natos e brasileiros naturalizados. Por que faz sentido? Porque a hipótese é dos principais cargos que uma pessoa pode ocupar no país. Naturalmente reservam-se aos nacionais, aos natos. É onde a identidade desse vínculo político faz com que atuem no interesse nacional. Mas é um conceito muito interesse: o que é o interesse nacional? O interesse do Congresso? Este pode coincidir com o interesse do Carlinhos Cachoeira. Soberania? Qual é o interesse nacional que garante a soberania? Difícil dizer. Mas notem que essa discriminação tem um sentido óbvio. Pressupõe-se que o brasileiro nato tem o vínculo mais forte que o brasileiro naturalizado.
Imagine o angolano de 20 anos que se naturaliza depois de um ano, aos 21, aqui no Brasil. Pode virar Presidente da República? Não. Viveu 20 anos lá e um aqui. A vida dele foi toda em Angola. Então pressupõe-se que o brasileiro nato pode dirigir o país melhor.
Existem outras limitações. Art. 222, caput, também da Lei Maior:
Art. 222. A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País. |
Controle e capital de empresa jornalística. Também se faz a distinção entre brasileiro nato e brasileiro naturalizado. O naturalizado precisa ter se nacionalizado há mais de 10 anos. E o estrangeiro está excluído. O que vocês acham sobre isso? Aliás, há alguma diferença entre a proibição ao estrangeiro de ser proprietário de empresas de radiodifusão e a proibição de realizarem conferências e seminários? Sim, pois aqui é eventual, enquanto acolá o alcance da atividade é muito maior. Significa que não se quer que o estrangeiro tenha “um poder danado de dizer coisas”. A primeira impressão que temos é que faz muito sentido. Mas, ao olhar para Internet, veremos que isso não faz sentido nenhum. Surgiu uma realidade nova a nos levar a reconsiderar isso? Vejam: o professor é brasileiro nato, serviu ao exercito, ama o país. O governo, às vezes, tem a presunção de que quer controlar a informação você vai acessar. O ponto é: as pessoas é que têm que fazer o livre arbítrio do que querem escutar ou assistir. A Internet já tem o alcance de 85 milhões de brasileiros. Lá acessamos quase o que quisermos. Não é o Estado que tem que controlar. Se o Estado tem uma preocupação com conteúdo, ele regularia, se quisesse. E a reserva para programação nacional? Imagine que proibamos a divulgação de canais estrangeiros no país e o controle de capital estrangeiro nas empresas de radiodifusão e jornalismo. 100% do capital seria brasileiro. Na mão de quem estará isso? 12 famílias brasileiras. Por isso, a reserva de controle de capital encobre algo mais grave. As agências reguladoras podem ser muitas vezes cooptadas por interesses estrangeiros.
Então a Constituição tem uma pretensão de guardar a identidade cultural. Ao refletir, vemos que isso é duvidoso. As pessoas têm que ser educadas minimamente para raciocinar sobre as informações.
A dignidade humana vai contra isso. É o livre-arbítrio; é problema do indivíduo. Então cuidado! Portanto, professor entende que a limitação àqueles cargos do § 3º do art. 12 faz sentido, mas não a limitação à propriedade de empresas jornalísticas.
Há outras limitações, como compra de terras em faixa de fronteira, regulada na Lei 6634, de 1979.
Art. 1º. É considerada área indispensável à Segurança Nacional a faixa interna de 150 Km (cento e cinqüenta quilômetros) de largura, paralela à linha divisória terrestre do território nacional, que será designada como Faixa de Fronteira. |
A área que se estende até 150 km da fronteira é a faixa de fronteira. Estrangeiro não pode:
Art. 2º. Salvo com o assentimento prévio do Conselho de Segurança Nacional, será vedada, na Faixa de Fronteira, a prática dos atos referentes a: [...] V - transações com imóvel rural, que impliquem a obtenção, por estrangeiro, do domínio, da posse ou de qualquer direito real sobre o imóvel; |
É uma questão de segurança. O argumento é que o estrangeiro poderia facilitar o ingresso de um irregular no país. Há a preocupação com a soberania, onde se exerce a jurisdição.
Outra limitação: aviação civil. Avião é um meio de transporte que leva e traz pessoas. Até mesmo quando resolvem transformar aviões com passageiros em misseis.
Art. 190 da Constituição de 88:
Art. 190. A lei regulará e limitará a aquisição ou o arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira e estabelecerá os casos que dependerão de autorização do Congresso Nacional. |
Na área de saúde e educação também há limitações para a participação de estrangeiros.
Está em processo de elaboração em nosso Parlamento. Projeto de Lei 5655/2009. O interesse da versão de 2009 é que para alguns assuntos aumentam-se as restrições ao estrangeiro. Para outros assuntos, torna a vida dele mais fácil. Há regra nova para naturalização. A regra atual é que o sujeito que venha de país que não fale língua portuguesa precisará de quatro anos de residência. No projeto, está prevista a elevação para dez. É uma opção do legislador. Em outras questões, as coisas foram facilitadas: a parte de visto, de turismo, negócios. Aquisição de terras: este é o assunto que ainda está um nó. Pretende-se dificultar a aquisição de terras por estrangeiros.
Pensem nisto: vamos ver na mídia uma discussão enorme falando que hotéis estrangeiros estão utilizando, ocupando áreas de preservação ambiental no Nordeste brasileiro e montando cadeias hoteleiras. Rio Grande do Norte e Ceará principalmente. Mas este é um problema relacionado a estrangeiros ou um problema relacionado à instalação de um hotel naquela região? Por trás desse discurso há um problema muito maior. Alguém dá alvará para implementação desses hotéis, o que não poderia acontecer, seja para brasileiro ou estrangeiro. Não é o estrangeiro que está desmatando, mas, no entendimento do professor, são meia dúzia da bancada ruralista. A regra para desapropriação é a mesma para áreas improdutivas. Qual é o interesse nacional? Quer dizer que os estrangeiros vão tomar nossas terras? Eles podem gerar emprego também! O estrangeiro e o brasileiro devem se submeter à mesma regra.
O caso de aquisição de terras é interessante, porque só proíbe em situações bem específicas, como não ter residência no Brasil, ou ser empresa estrangeira que tem sede fora do Brasil. Aí a lei não deixa comprar. Mas, se submetendo às leis brasileiras, poderá comprar com limitações. Depende da finalidade dada àquela unidade agrícola. Temos que ponderar o interesse em ter essas terras na mão só de brasileiros ou de brasileiros e estrangeiros. É fácil enxergar quando o problema surge nos extremos. Quando se abre totalmente, pode haver algum risco. Então temos que achar um meio-termo.
E a remessa de royalties? A empresa vem aqui, lucra e remete os lucros para o exterior? E a empresa brasileira que está no mundo inteiro? Também remetem para cá! Temos que achar equilíbrio nessas relações, e enxergar o que está por trás, quais as consequências, e retirar o véu do protecionismo. A partir de amanhã pode surgir uma norma: “não entram estrangeiros no Brasil.” Consequência é que nenhum brasileiro irá mais para o exterior. Ação e reação. Sempre leiam, portanto, essa discussão vendo os argumentos pró e contra cada uma dessas coisas. Há carga ideológica enorme. A Constituição faz bem, na opinião do professor, em garantir direitos fundamentais aos estrangeiros, e a fazer distinções também. O professor tem dúvidas na parte da atividade de informação.
Questão mais prática, menos política.
Tanto a deportação quanto a expulsão são medidas de natureza eminentemente administrativa. Aplicam-se a situações distintas. A primeira situação, que é a da expulsão, relaciona-se com a prática de crime ou conduta incompatível com o interesse nacional. São hipóteses de retirada obrigatória do estrangeiro do país. No caso da expulsão, na maioria das situações, tem a ver com crime. Na maior parte dos casos, tráfico de drogas. Estrangeiro que vem para o país e se envolve em tráfico de entorpecentes. Só tráfico? Não, também terrorismo, crime contra a economia popular... mas a maioria das portarias, que disciplinam infralegalmente situações específicas relativas à condição do estrangeiro, se referem a tráfico.
E “conduta incompatível”? Menos comum, porque também tem viés político. O governo ficou ofendido com Larry Rohter, jornalista correspondente do NY Times que publicou um artigo dizendo que o Lula bebia cachaça. Chegou-se a cogitar a expulsão do americano. Liberdade de expressão está em cotejo. Tenho o direito de dizer que o presidente bebe? Tenho. Dentro de minha liberdade de expressão.
E como funciona isso? O estrangeiro cometeu um crime (não estamos mais falando de Larry Rohter), teve uma sentença transitada em julgado, e agora? Como é o processo de retirada do estrangeiro? O Ministério Público, de ofício, terá que comunicar o Ministério da Justiça quando um estrangeiro tem uma sentença com trânsito em julgado contra ele. É de lei. O MJ é que instaura o inquérito administrativo que pode culminar ou não na medida de expulsão. O Poder Executivo faz o juízo de oportunidade e conveniência de expulsar ou não. Estrangeiro “A” pode ser expulso, e o estrangeiro “B”, que cometeu o mesmo crime, pode não ser. Tem ampla defesa, e o procedimento é regulado. Pode culminar com uma portaria de expulsão, do Ministro da Justiça. O controle de legalidade operará onde houve ilegalidade na decretação da expulsão. Exemplo: existem hipóteses de não expulsão. Se há a hipótese de não expulsão, o Ministro não pode expulsar. Se todas as hipóteses se perfazem, será mera apreciação de oportunidade e conveniência. Serve para os casos de não expulsão. O Ministro não pode mandar expulsar se a hipótese legal é de não expulsão.
Uma vez expulsa, a pessoa não entra mais no país. Isso para o estrangeiro, é claro. Inclusive, se voltar, configura-se a conduta tipificada no Código Penal como reingresso de estrangeiro expulso:
Reingresso de estrangeiro expulso Art. 338 - Reingressar no território nacional o estrangeiro que dele foi expulso: Pena - reclusão, de um a quatro anos, sem prejuízo de nova expulsão após o cumprimento da pena. |
O camarada tem que ser muito burro para fazer isso. Nunca mais? Não; pode haver revogação da portaria.
E o iraniano que, nadando numa piscina do Clube Social da Unidade Vizinhança da 108 Sul, resolveu bolinar crianças de 9 e 14 anos? Ele tem imunidade ampla. No caso dele, os instrumentos que restam é algo previsto na própria Convenção de Viena que é a declaração de persona non grata. Seria o equivalente à expulsão. O que pode acontecer também é que o diplomata pode ser processado em seu país de origem. Dificilmente acontece. Pode perder a imunidade? Pode, se o país renunciar à imunidade dele. Aconteceu com um diplomata da Geórgia que, nos Estados Unidos, atropelou uma brasileira dirigindo embriagado. Renúncia de imunidade é raríssimo de acontecer.
Como colocamos antes, existem algumas hipóteses nas quais a expulsão não pode ocorrer. A primeira delas é quando a expulsão implica em extradição. É instituto distinto. O brasileiro comete crime aqui no Brasil, foge, e o Brasil pede que o sujeito seja remetido. Há hipóteses de inadmissão da extradição se comunicam com as da expulsão. Não se extradita se a pena que a pessoa estiver submetida for inferior a um ano. Se transitou, não se extradita, então não se expulsa.
Mas o mais importante é a hipótese de o estrangeiro ter filho brasileiro. Ele pratica um crime no Brasil e, posteriormente, tem um filho brasileiro. Veja o art. 75 do Estatuto do Estrangeiro:
Art. 75. Não se procederá à expulsão: I - se implicar extradição inadmitida pela lei brasileira; ou II - quando o estrangeiro tiver: a) Cônjuge brasileiro do qual não esteja divorciado ou separado, de fato ou de direito, e desde que o casamento tenha sido celebrado há mais de 5 (cinco) anos; ou b) filho brasileiro que, comprovadamente, esteja sob sua guarda e dele dependa economicamente. § 1º. Não constituem impedimento à expulsão a adoção ou o reconhecimento de filho brasileiro supervenientes ao fato que o motivar. § 2º. Verificados o abandono do filho, o divórcio ou a separação, de fato ou de direito, a expulsão poderá efetivar-se a qualquer tempo. |
Não vamos expulsar se a pessoa tiver filho brasileiro que comprovadamente esteja sob sua guarda e deste dependa. Porém, continua passível de expulsão o sujeito que adota um filho posteriormente ou reconhece um filho depois do crime. Veja o texto que fala sobre o colombiano e a moçambicana. No caso do colombiano, ele cometeu um crime de tráfico em 93, e teve filho em 97. Foi expulso. Qual é a interpretação que vinha sendo dada ao instituto da expulsão? Que, primeiro, não constitui impedimento à expulsão quando se adota ou reconhece-se um filho posterior, mas em nenhum momento falava-se em “nascimento”. Reconhecimento de filho superveniente, somente. Ainda assim, o sujeito era expulso. Embora a lei não dissesse expressamente nascimento, expulsava-se. E não foi um julgamento pacífico. Dois ministros votaram contra. Entenderam que a extradição do colombiano implicaria na extradição da filha, que é brasileira. A extradição seria completamente imperfeita. Configuraria banimento, que a Constituição proíbe. Ele foi expulso, mas houve votos dissidentes.
O segundo caso é o quê? Situação bem parecida, só mudando o ano. A mulher comete o crime em 2000, e tem filho em 2008. A situação fática é a mesma. Crime anterior ao nascimento da criança. A decisão foi pela não expulsão.
O grande problema é que tem-se o interesse em expulsar o criminoso, que por acaso é pai ou mãe, mas essa relação contém um elemento indissociável, que é a criança brasileira. Em princípio, poderíamos pensar que esse raciocínio nos levaria ao corolário de que, então, não se deveriam mais impor pena privativa de liberdade a nenhum pai de família, não importa o crime que tenha cometido. Mas a diferença é que aqui falamos não em prender, mas mandar para fora do país mesmo. Um recluso dentro do território ainda terá chances de receber visitas da família, terá ainda a obrigação de prestar alimentos e de ter afeto. Expulsar, por outro lado, traria a dificuldade prática no que tange ao pagamento da prestação alimentícia.
Quando um estrangeiro com filho brasileiro comete um crime, temos três opções. Mantê-lo no país, usando o Ministro da Justiça de sua discricionariedade, impedindo a privação do convívio entre pai e filho; expulsar o pai, deixando o filho, que provavelmente não terá outra pessoa aqui no país, aos cuidados do Conselho Tutelar; Ou expulsar o pai deixando-o levar o filho, o que configuraria banimento de um nacional. É o lado perverso dessa regra que temos em nosso sistema jurídico: permitiremos a muitos traficantes a permanência em nosso país desde que tenham filhos, mas não podemos relativizar nossas regras maiores por conta disso.
Não é tão simples, entretanto. Não basta ao estrangeiro criminoso que pretenda ficar aqui simplesmente colocar o filho no mundo; se não houver, ao menos, uma relação de afinidade, a expulsão não estará impedida.
Está disciplinada nos arts. 57 e seguintes do Estatuto do Estrangeiro. É medida administrativa, e a grande diferença é que, enquanto na expulsão temos um problema relacionado a crime ou interesse nacional, aqui temos problema relacionado à entrada ou estada irregular. Os casos típicos de deportação são de entrada irregular, ou entrada regular que se torna irregular. Em particular, vencimento de visto. O visto de turista é de 90 dias, mas o sujeito gosta tanto do país que preferiu ficar logo por um ano. E também há um juízo de conveniência e oportunidade. Diferentemente do caso de expulsão, é a Polícia Federal que controla. Muitas vezes é bastante célere, na própria fronteira, pois não há que se falar em controle de legalidade. O objeto do questionamento não existe mais, se houvesse que ser feito algum controle de legalidade; o estrangeiro já foi deportado.
São bastante comuns, na deportação, algumas situações interessantes. Nos Estados Unidos, por exemplo, há uma grande quantidade de mexicanos irregulares. Mandar todos embora? O país pararia. Eles quem limpam os pratos, as ruas, e assumem tarefas que os americanos não querem mais fazer. Acontecem algumas coisas que chamam a atenção: é muito comum o mexicano irregular se envolver num acidente de carro. Um americano furou um sinal e bateu no carro do mexicano irregular. O americano teria responsabilidade civil e a obrigação de ressarcir. Ao começar a conversa, o americano nota que o sujeito é irregular, e ameaça: “se você me processar, eu o denunciarei à autoridade de imigração.” Acaba que o mexicano, que não teve absolutamente nenhuma responsabilidade, termina com seu carro destruído. Mas isto tem tanta carga ideológica que é difícil chegar a uma legislação que contemple uma solução para isso.
O deportado pode retornar? Pode, desde que ressarça as despesas de deportação. O Estado que deportou teve que comprar uma passagem. Acertando as contas com despesas, o estrangeiro pode pleitear novamente seu retorno. Na prática, não conseguirá voltar, porque não conseguirá visto, as autoridades denegam o visto, então demorará muito, mesmo tendo ressarcido.