Bens - continuação
Bens fungíveis, bens consumíveis e art. 85
O Código Civil, na segunda classificação que traz, se preocupa em classificar os bens em fungíveis e infungíveis. Como há apenas um artigo, vemos também que o Código só se preocupa com os bens fungíveis.
Seção
III |
Traduzindo: quando falamos, no Direito, que o bem é fungível, entendemos que o bem é substituível. Note as palavras destacadas: fungíveis são bens móveis.
Se falamos que o saco de feijão da despensa está com mofo, podemos dizer que há outro no mercado com a mesma quantidade, marca, qualidade e espécie. Logo, o pacote de feijão é fungível, pois pode ser substituído por outro de mesma espécie sem prejuízo. Encontramos a infungibilidade física, também chamada de infungibilidade natural, que é exatamente o conceito contrário ao conceito do artigo 85. Trata-se daquilo que não pode ser substituído, pois não há outro igual. Obra de arte, por exemplo: ela sofre deterioração em função do tempo, logo dizemos que há uma infungibilidade natural. Esses termos serão muito usados em Direito Civil 3, quando estudarmos as obrigações. Assim como os bens, há obrigações fungíveis e infungíveis.
Imaginemos um pintor: se estamos mais preocupados com a pintura do que com a figura do pintor em si, a obrigação da pintura será fungível. Mas se eu fizer questão de determinado sujeito pela sua conhecida perícia com o pincel, então a obrigação será infungível, pois apenas aquele pintor sabe faze o serviço que desejo.
Então, o que usamos de conceito em bens também será levado para o Direito das Obrigações.
Mas
há outro conceito de
infungibilidade: a infungibilidade jurídica. Para lembrarmos dela,
podemos nos
lembrar da palavra afeto. Quem
estuda
bem o Código marca bem, com um lápis, as passagens que acha que merecem
destaque, ou então escreve notas sintéticas no rodapé das páginas, etc.
Se um
livro contiver notas pessoais, ele se torna insubstituível. Suponhamos
uma
situação desagradável: o Código da professora tinha para com ela uma relação de
afeto, pois ela, com tanto tempo de uso, já rabiscou mais de mil artigos com observações que só ela entende.
Se um
aluno que o toma emprestado extravia-o, mesmo que ele se comprometa a
pagar
outro, da mesma editora, inclusive mais atualizado, não adiantará; pois
a
professora tinha, com aquele Código em particular, uma relação de
afeto, e aquele exemplar era único para ela. Portanto,
um livro, à primeira vista, é um bem fungível, pois é possível recorrer
a uma
livraria e adquirir outro do mesmo título e edição. Mas se ele se
torna, de
alguma forma, único para o dono, então ele se torna insubstituível,
portanto
infungível. Logo, o extravio do bem se associa aos danos morais. O
mesmo para
uma bicicleta que tenha sido avariada: se aquela unidade em particular
tiver um
valor afetivo para o dono, como por exemplo ter sido dada pelo falecido
pai,
ela será infungível, e não caberá apenas dano material, mas também
moral, que
estará associado à afeição.
Art. 86. São consumíveis os bens móveis cujo uso importa destruição imediata da própria substância, sendo também considerados tais os destinados à alienação. |
Primeira parte: a matéria se destrói. A bebida, comida, drogas, etc. A segunda parte do artigo fala do bem consumível juridicamente. São consumíveis os que também estão sujeitos à alienação. Para entender, associamos o termo "juridicamente" ao termo “alienação”. A primeira coisa em que pensamos em relação a alienação é venda. Mas não se trata de apenas isso. A passagem de um bem para outra pessoa pode ser através da venda ou da doação. Alienação é o termo genérico; a idéia de alienação é passar a propriedade, que pode ser através da venda ou da doação, ou seja, ser através de um ato oneroso ou gratuito.
O livro que estudamos, o Código, de acordo com a doutrina, tem um desgaste natural. Se formos pessoas comuns, ao usar o livro, ele não se destruirá. Para o estudante, ele será considerado inconsumível, porque a substância não vai, ou pelo menos não deve, se acabar. Para quem vendeu o livro para você, entretanto, no momento em que o vendedor realiza a venda, aquele livro deixa de existir para ele. Assim sendo, o livro, para o vendedor, será um bem consumível juridicamente. Então, repare que o Código Civil dá duas classificações: consumíveis não naturalmente e os consumíveis ligados à alienação.
A
comida de um restaurante, para
o dono do estabelecimento, é consumível juridicamente, enquanto que
para o freguês
a refeição é consumível fisicamente.
Os inconsumíveis nem são citados no Código. Podem ser tanto o contrário do consumível fisicamente quanto juridicamente. Vamos ver os dois exemplos:
Carro: há o desgaste relacionado a ele. Para o comprador, ele é consumível fisicamente. Para a concessionária que vendeu, ele é consumível juridicamente.
Bem inconsumível juridicamente: bem de família. O domicílio da família deve ser protegido contra dívidas em geral, exceto algumas, como condomínio, casa comprada com dinheiro sujo, pensão alimentícia, dívida aos empregados da casa. O bem de família pode existir de duas maneiras: o voluntário e o legal. No primeiro, escolhe-se uma das casas do proprietário e estipula-se que ela estará protegida contra eventual execução. Esse ato tem que ser feito em cartório, através de escritura pública.
Em 1990 surgiu a lei 8009, criando o bem de família legal. A partir daquele ano, passou a haver dois tipos de bem de família. Se o sujeito tem apenas uma casa, não é mais necessário ir ao cartório estipular que aquela casa é o bem de família. Se o sujeito tem quatro casas, a lei 8009 não distinguiu o outro tipo de bem de família. Uma delas vai ser automaticamente considerada o bem de família: a casa de menor valor.
Observação: se um sujeito tomar conhecimento que suas casas estão sendo executadas por um credor em uma dívida, será considerado simulação caso ele rapidamente tente dispor de uma delas, ou vendê-la. Se tiver sucesso, o credor reivindicará o dinheiro ganho nessa venda. Isso se chama fraude na execução.
O bem de família voluntário, em que foi especificada no cartório a proteção contra o ato de execução, não pode ser objeto de alienação. Isso significa que não se pode vender aquela casa. Para vendê-la, deve-se primeiramente removê-la como bem de família. O bem de família voluntário é inalienável.
Veremos
melhor os bens de família quando estudarmos o Direito
de Família.
Bens divisíveis, bens indivisíveis e art. 87
Seção
IV |
Falamos que os bens divisíveis são os que admitem o fracionamento sem afetar a substância ou o uso do bem. Existe um exemplo muito controverso que é a barra de ouro. A maioria dos autores entende que ela é divisível. Outros dizem que não, que seu valor é reduzido sensivelmente. A professora se alia aos que entendem que é divisível. O Código fala dos divisíveis, não dos indivisíveis, e se refere a outros tipos de indivisibilidade.
Os
indivisíveis fisicamente ou
naturalmente: vaca. Sempre, ao falar em animal, temos que nos preocupar
se ele está
vivo ou morto. A vaca, enquanto viva, é indivisível
fisicamente, morta é divisível. É um exemplo bobo, mas também
usado em
livros, e que ajuda muito a entender.
Bens naturalmente divisíveis e art. 88
Art. 88. Os bens naturalmente divisíveis podem tornar-se indivisíveis por determinação da lei ou por vontade das partes. |
O artigo é auto-explicativo. Algo que é divisível pode ser declarado indivisível por expressa previsão legal ou mesmo por vontade das partes. A primeira classificação dada é o bem juridicamente indivisível. Terreno, por exemplo. A princípio, ao olhá-lo, ele é divisível. Mas se dissermos que o terreno já está com a metragem mínima, e se existe um ato administrativo dizendo que não é mais permitida sua divisão, ele passa a ser considerado bem indivisível juridicamente. Esta norma é comumente aplicada para módulos rurais. Por outras vezes, quem criará a indivisibilidade serão as partes, não o legislador. Para lembrarmos desta parte, associamos ao termo “obrigação solidária”, que também é matéria de Direito Civil 3.
Outra
situação: há uma dívida de
3 devedores para com um credor. A dívida é divisível, a priori: os
devedores poderiam,
muito bem, ratear a dívida. Mas se falarmos que a dívida é uma
obrigação solidária,
um dos três devedores deverá pagá-la integralmente, e poderá ir contra os
outros
depois para receber o que pagou em nome deles. Isso significa que a
dívida se tornou
indivisível. O que pagou entrará, em regresso, com uma ação contra os
outros
dois devedores.
Seção
V Art. 89. São singulares os bens que, embora reunidos, se consideram de per si, independentemente dos demais. |
Dificilmente entendemos o artigo ao lê-lo pela primeira vez. Vamos, então, traduzi-lo. Quando falamos em bem singular, devemos nos lembrar da palavra “unidade”. O Código só fala em bem singular; a doutrina surge para criar os conceitos de singular simples e composto. Visualize um vaso. Uma pessoa diz que aquele vaso é de barro. Por ter uma única substância. Por ser uma substancia homogênea, entenderemos que esse vaso de barro é um bem singular simples. O “simples” está associado à homogeneidade. Composto: quando diz-se que o vaso tem barro, argila, partículas de brilhante, adornos em ouro, etc., então dizemos que o bem é um bem composto heterogêneo.
Observação: o cachorro é homogêneo,
pois seus membros não foram colocados um a um. Provas da magistratura
inclusive
cobram questões decorebas desse tipo. Olha a pergunta: “classifique o
peixe”. A banca queria que pegássemos todas as classificações possíveis do Código e
fôssemos
encaixando. Boa sorte nesse exercício!
Bens coletivos, universais ou universalidade e art. 90
Se vendo minha biblioteca, estou vendendo um bem coletivo. Ao vender vários lobos, ou a alcatéia, também considera-se que estou vendendo um bem coletivo. Bem coletivo é o conjunto de unidades. O Código traz dois tipos de universalidade, no artigo 90.
Art.
90.
Constitui
universalidade de fato a pluralidade de bens singulares que,
pertinentes à
mesma pessoa, tenham destinação unitária. Parágrafo único. Os bens que formam essa universalidade podem ser objeto de relações jurídicas próprias. |
Universalidade
de fato é algo que
pode ser visualizado, concreto. O Código passa, no art. 90, que pode-se
negociar toda a universalidade de fato, ou então parte dela, como um livro da biblioteca.
Podemos vender parte
da universalidade de fato. O parágrafo único chama a atenção para isso
(a venda
da parte).
Universalidade de direito e artigo. 91
Antes de lê-lo, já devemos associar a universalidade de direito a algo abstrato. O próprio Código dá a dica.
Art. 91. Constitui universalidade de direito o complexo de relações jurídicas, de uma pessoa, dotadas de valor econômico. |
Complexo de relações jurídicas com finalidade econômica. Se dizemos que o pai de um sujeito é autor, então seus filhos receberão os direitos autorais até passarem-se 70 anos, tempo depois do qual a obra cairá em domínio público. Os direitos autorais não podem ser concretamente visualizados.
Quando estudamos o processo de ausência, dissemos que a pessoa à frente do processo terá os bônus e os ônus. Outra coisa dita pela doutrina é a herança jacente. Ela será composta de todas as relações jurídicas que aquele ausente tinha, sejam relações passivas ou ativas. O ausente poderia ter uma casa e um débito. Um é concreto e caracteriza bônus, enquanto o outro é abstrato e caracteriza onûs.
Outro exemplo: a empresa do ausente faliu. Então, chamamos o administrador do processo de ausência, antigamente chamado de síndico, que gerenciará os créditos e débitos daquela massa falida. Tais bens não são concretos.
Logo, tais bens abstratos são: