Lei de Introdução ao Código Civil - Continuação
Continuação e conclusão do art. 1º
Ainda sobre as leis de alcance internacional, vejamos agora o caso de vacatio legis diferentes para o Brasil e para o exterior. Por simplicidade, vamos chamar informalmente a vacatio legis para o estado estrangeiro de vacatio legis externa e de interna a vacatio legis para o Brasil.
Se a vacatio legis externa for menor do que a interna, pode acontecer a seguinte situação: a partir de 1998, de acordo com a Lei Complementar 95/98, cada lei deverá trazer, em sua redação, a sua própria vacatio legis. Mas e se soubermos apenas da vacatio legis interna? Digamos que ela seja de 5 meses, e que a lei tem vigência no exterior, mas sem especificar a vacatio legis externa. Qual será, então, a vacatio legis para o exterior?
O art. 1º, § 1º da LICC diz:
§ 1o Nos
Estados, estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se
inicia três meses |
A vacatio legis não está especificada para o exterior, mas a LICC diz que será de 3 meses. Mas a vacatio legis interna está expressamente fixada em 5 meses. Isso significa que a lei entra em vigor primeiro no exterior do que aqui. Isso não pode acontecer. Para resolver situcação, há uma regra básica: aumenta-se a menor das duas vacâncias para se igualar à maior. Então, no caso, a vacatio legis externa deveria se igualar à interna, que é menor, e passará a ser, também, de 5 meses. (*)
Mas, com a Lei Complementar 95/98, também podemos criar uma vacatio legis diferente para o Estado estrangeiro também.
E quanto ao decreto de 1890, que trata dos atos administrativos? Eles não tem vacatio legis, nem interna nem externamente.
Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. |
O caput do art. 2º faz referência a um outro princípio: o Princípio da Continuidade das Normas. O comum é que se faça a lei e que ela tenha uma certa duração. E a exceção? É a idéia de lei temporária. Exemplos: a lei orçamentária e a lei seca durante o dia de eleições.
Desuso: a falta de uma utilização de uma lei fazia, no Direito Romano, com que ela fosse revogada. Na nossa legislação, o desuso não revoga a lei. Ela mantém a vigência mesmo assim; alguém poderá invocá-la, quando quiser. São as chamadas “leis de gaveta”.
Já que estamos falando em continuidade das normas, então vamos classificar os tipos de revogação. A revogação pode ser quanto à extensão, à localização e à manifestação.
A outra possibilidade de revogação manifesta é a tácita. Nela, o legislador não diz nada. Para saber se uma lei foi revogada tacitamente, é necessário que se faça uma interpretação. Como visto na aula passada, a Lei Complementar 95/98 tratou da mesma matéria do que o art. 1º da Lei de Introdução ao Código Civil, mas de maneira diversa. Aqui, infelizmente, o legislador não nos disse se houve, de fato, revogação. Então, bom trabalho de interpretação!
Vejamos os parágrafos do art. 2º.
§ 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. |
No parágrafo acima, a palavra “expressamente” indica que se trata de revogação expressa. “...quando regule inteiramente...” indica a possibilidade de revogação tácita.
§ 2o A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior. |
Neste parágrafo, a parte importante indicada pela professora está destacada. Este é o parágrafo da orientação da especialidade. Notem o final do parágrafo: nem sempre a nova lei, que trate da mesma matéria de uma já existente, causará a revogação desta; muitas vezes a nova lei vem para complementar a primeira e não revogar. Se não houver contrariedade, ambas sobreviverão. E se for criada, posteriormente, uma lei genérica quando já existia uma específica sobre uma determinada matéria? Aí, a primeira coisa a se fazer é verificar a compatibilidade. Se ocorrer incompatibilidade, então houve revogação tácita. Se não, ambas conviverão harmonicamente. Tudo isso é tratado na parte final deste § 2º.
§ 3o Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência. |
Este parágrafo é ligado à repristinação. “...a lei revogada não se restaura...” Se a lei B revoga a lei A, e depois C revoga B, então a regra para o Direito é a proibição de repristinação. Ou seja, a lei A não deve ser restaurada por ter sido a B revogada. Vejamos, agora, a exceção: no início do parágrafo, está a comum expressão “salvo disposição em contrário”. Isso significa que a lei C deverá dar, expressamente, a repristinação à lei A. Isso era comum antigamente, na época anterior à promulgação da LICC, mas gerava muita confusão. Hoje em dia costuma-se fazer uma lei D idêntica à A. O motivo da existência deste parágrafo é justamente para evitar conflitos interpretativos, que eram freqüentes antes de 1942.
Art. 3o Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece. |
Este parágrafo faz referência ao Princípio da Obrigatoriedade da Norma. Relacionados
a esse parágrafo, há dois institutos no Código Civil: ignorância e erro.
Muito cuidado com os autores que dizem que ignorância é o mesmo que
erro.
Será que o Princípio da Obrigatoriedade da Norma é absoluto? Não. Já começa-se a quebrar uma idéia que temos perante esse princípio. Vejamos o Código de Processo Civil, art. 337:
Art. 337. A parte, que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário, provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o determinar o juiz. |
Esta regra vale para os juízes federais. O juiz federal não é obrigado a
conhecer todas as leis municipais, estaduais, estrangeiras e costumes locais. A
parte que alegar o direito deverá trazer consigo a prova. O artigo mostra que
esse princípio é relativo, não absoluto. Obs: o juiz estadual deve conhecer
matéria federal, estadual e municipal. Só não precisa saber sobre costumes e
legislação estrangeira.
Teorias sobre o Princípio da Obrigatoriedade da Norma:
Erro de fato e erro de Direito
Erro de fato: erro é o termo mais usado no Direito. Está no art. 138
do Código Civil:
Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio. |
Exemplo: vou me casar com alguém, mas não sei que a pessoa é minha irmã.
Estou errando, certo? Sim, estou errando não quanto a uma norma, mas quanto a uma circunstância. Então se
trata de um erro de fato. O erro de fato acarretará anulação do casamento, se
eu provocar o judiciário.
Erro de Direito: sei que ela é minha irmã, mas desconheço que a norma
proíbe o casamento entre irmãos. Então, este é um erro de Direito. Também gera
anulação.
Se o Código Civil traz o erro de Direito, então ele está quebrando todo
o pensamento do Princípio da Obrigatoriedade da Norma! Se eu digo que posso
desconhecer a norma, isso contraria um princípio que está na LICC. O primeiro
pensamento que se teve é: por que isso?
o erro de Direito foi um instituto que surgiu no novo código (o erro de
fato já existia). Quando surgiu o erro de Direito, a doutrina foi à loucura: “meu
Deus! O legislador fez uma lei que permite às pessoas alegarem ignorância!” A doutrina
entra em cena, então, para consertar essa tragédia, e diz: “não se pode alegar
erro de Direito em qualquer tipo de norma.” Ela tenta, a partir daí, criar os
requisitos do erro de Direito. Será que qualquer tipo de norma pode ser
passível de se alegar erro de Direito? Veja bem: há normas obrigatórias, normas
de ordem pública, e normas dispositivas. Erro de Direito não pode ser alegado
perante normas de ordem pública; apenas em normas dispositivas, que são aquelas
que as partes podem ser alteradas.
Ao peticionar que você desconhece a norma, você deve provar sua boa-fé,
o que é muito difícil por ser subjetivo. Esse requisito é para dificultar a
alegação do erro de Direito. Ou seja, a norma tem que ser dispositiva e tenho
que provar a boa-fé, para que o Princípio da Obrigatoriedade da Norma seja
mantido. Ele não foi revogado.
Este já é conhecido desde que estudamos Introdução ao Estudo do Direito:
Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso
de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
Veremos hoje as palavras-chave e na próxima aula veremos as correntes doutrinárias. A
primeira observação é: há lacunas na lei. A segunda é: o juiz não pode se
abster de julgar. Por isso que surge o assunto de fontes de Direito. Esse artigo
fala de lei, analogia, costumes e princípios. Tudo isso apenas nesse pequeno artigo!
Essa ordem (lei, analogia, costumes
e princípios) não deve ser necessariamente seguida.
É por isso que o Cespe é
incrível: houve uma questão numa prova de concurso que
trazia esses quatro
itens, mas em outra ordem, não a alfabética, que é
a que consta na lei. A instituição gabaritou como errada
a resposta "costumes, analogia e princípios gerais de Direito".
Muitas vezes,
as bancas de concursos querem a interpretação literal do artigo.
Vamos, então, às palavras-chave:
Analogia: quando falamos em analogia, falamos em “buscar algo semelhante”.
Aí a doutrina divide os tipos de analogia: legis,
facti e juris.
Analogia e interpretação analógica:
Analogia é usada quando existe omissão legislativa. A interpretação
analógica é usada se não há omissão legislativa. Veja a lei 6015/73, art. 88:
Art. 88. Poderão os Juízes togados admitir
justificação para o assento de óbito de pessoas desaparecidas em naufrágio,
inundação, incêndio, terremoto ou qualquer
outra catástrofe, quando estiver provada a sua presença no local do
desastre e não for possível encontrar-se o cadáver para exame.
Esse artigo traz um conteúdo chamado justificação.
A justificação acima destacada é o processo que o familiar dá entrada para
conseguir a certidão de óbito na Vara de Registro Público. Note a expressão “qualquer
outra catástrofe”: o legislador não foi omisso ao não introduzir a palavra “maremoto”
no artigo, por exemplo. Na realidade, ele não tem condições de enumerar todas
as possíveis catástrofes.