Domicílio
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O Código Civil tenta trazer a idéia de domicílio e residência para nós. Na realidade, a matéria domicílio, no Código Civil, vem tratada como mera classificação. Então, aqui, estudaremos as espécies de domicílio. O Código tentará nos explicar o que é o domicílio. Isso porque o legislador, tanto constitucional, quanto civil e penal, não teve muita técnica ao definir o que é domicílio e o que é residência. No artigo constitucional que fala sobre inviolabilidade do domicilio, ao chamá-lo de casa, uma confusão já está criada. Também vemos os termos domicílio e residência misturados a partir do art. 70. Será a doutrina que nos explicará a diferença entre os termos domicílio, residência e moradia.
A matéria do domicílio é importante para o processo, seja processo civil, penal, porque precisamos citar e intimar a pessoa, o réu e as testemunhas. Por isso precisamos saber onde a pessoa tem um centro habitual. Então, esta matéria é mais importante na prática para o processo civil. Comecemos, então.
Art. 70 e o conceito doutrinário de domicílio
TÍTULO
III |
Diz a doutrina que o domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece sua residência com ânimo definitivo. O domicílio é o centro habitual de suas ocupações da pessoa natural. É onde se encontra a pessoa de forma regular. A doutrina toma o art. 70 e desmembra-o, dizendo que nele encontramos dois elementos relacionados ao domicílio: o objetivo e o subjetivo. O elemento objetivo é a caracterização externa do domicílio, ou seja, a residência, que inclusive é o termo citado no art. 70. Entenderemos melhor essa diferença depois. O elemento subjetivo é o ânimo, a vontade da pessoa de continuar habitando aquela residência. Está na parte final do artigo.
Antes de explicarmos, vamos falar sobre as diferenciações. Como dissemos, o legislador faz uma bagunça. Na CLT tem a palavra moradia, na Constituição tem a palavra casa, no Código Civil tem a palavra residência... o que entender? A doutrina é que traz a diferenciação entre os três termos. É ela que se preocupa em fazer a diferença entre moradia, residência e domicílio.
Primeira coisa a saber: nessas definições, não delimitamos tempo. Em nenhum livro encontramos delimitação de tempo fazendo referência aos nenhum dos três. A palavra que for encontrada tem que ser pega e então verificada se ela se encaixa na descrição correta que deveria ser empregada naquele texto.
Exemplos: se Hiro passa alguns dias no hotel-fazenda do Zé Da Roça, o que será isso? Será moradia, porque a estadia de Hiro é temporária, rápida. E se, ao invés disso, Hiro decidir passar um verão inteiro na casa de praia do Cel. Genésio? Então há uma permanência, então dizemos que Hiro fixou residência na casa do Coronel. E, finalmente, se Hiro resolve se mudar, e muda também o endereço de correspondência? Pela simples alteração no endereço de correspondência, Hiro já demonstra o ânimo de continuar no novo lugar. O próprio ato de mudança já configura o requisito subjetivo de querer mudar e ter o ânimo de permanecer no novo domicílio. Na divergência de entendimentos, o juiz decidirá. Na prática, nós falamos tudo errado. Não é correto dizer "eu moro aqui”.
Observe o Código Civil. Ele se preocupa com a idéia de domicílio e residência; a moradia não é citada nos artigos.
Art. 71. Se, porém, a pessoa natural tiver diversas residências, onde, alternadamente, viva, considerar-se-á domicílio seu qualquer delas. |
Veja aí as diversas residências. Ou seja, se a pessoa natural tem permanência em vários locais, seu domicílio será qualquer uma deles.
Ex:
Chico Bento fica alternando entre
um flat aqui em Brasília e um flat em Goiânia. Se
tiver permanência em mais de
um local, o oficial de justiça poderá
citá-lo em qualquer um deles. Repare que
não precisa haver o domicílio para que a
citação seja feita, basta a residência,
a permanência configurada. E se o domicílio de
Chico for em um terceiro lugar,
nem Brasília nem Goiânia? Será em
qualquer um dos três lugares.
Art.
72.
É também domicílio
da pessoa natural, quanto às relações
concernentes à profissão, o lugar onde
esta é exercida. Parágrafo único. Se a pessoa exercitar profissão em lugares diversos, cada um deles constituirá domicílio para as relações que lhe corresponderem. |
O
art. 72 é novo, sem
correspondente no antigo Código. A
aplicação dele é para a iniciativa
privada,
não para servidores públicos. O
domicílio é qualquer dos lugares onde a pessoa
exerça atividade. O Código é muito
claro: o local de trabalho é local de
domicílio para com as relações que
tem-se para com aquele trabalho. Exemplo: a
professora mesma tem quatro domicílios: a casa dela, as duas
faculdades onde dá
aula e seu escritório. Se ela tiver uma
divergência com um aluno da de uma das
faculdades, ela não poderá ser citada na outra. A
citação, caso o oficial de
justiça deseje fazer num dos domicílios
profissionais da professora, deverá
ocorrer somente naquele que tiver correspondência com a
situação. É claro que
ela também poderá ser citada em casa, pois
não é domicílio profissional. Note
que não estamos falando de domicílio de servidor
público.
Art. 73. Ter-se-á por domicílio da pessoa natural, que não tenha residência habitual, o lugar onde for encontrada. |
Este
artigo volta à idéia de residência.
Consideraremos como domicílio da pessoa que não
tenha permanência o lugar onde for
encontrada. É muito citado pela doutrina para pessoas
nômades, como os artistas
de circo. Ciganos não têm residência.
Ficará ele sem citação? Negativo. Ele
poderá ser citado no meio da rua. Essa regra
poderá ser aplicada para qualquer
um de nós: aquele indivíduo difícil de
encontrar será encontrado pelo oficial
qualquer jeito. Nesse caso, onde o oficial abordar o sujeito, a
citação
ocorrerá ali mesmo.
Art.
74.
Muda-se o
domicílio, transferindo a residência, com a
intenção manifesta de o mudar. |
Traz a representação do requisito subjetivo do domicílio.
O
próprio parágrafo único chama
atenção para o ato da mudança, que
configurará o ânimo do sujeito de permanecer
no novo lugar (elemento subjetivo do domicílio).
Até agora falamos do domicílio da pessoa natural. O art. 75 dispõe sobre o domicílio da pessoa jurídica. Vamos, então, adiantar um pouco sobre as pessoas jurídicas que estudaremos a partir da próxima aula:
Esta classificação está no art. 40 do Código:
TÍTULO
II CAPÍTULO
I |
Ele diz que as pessoas jurídicas se dividem em pessoas de direito público, que se subdividem em direito público interno e externo. E há também as pessoas jurídicas de direito privado. De direito público externo são os Estados estrangeiros e organizações internacionais que possuem personalidade. Exemplos: ONU, OEA. Na realidade, essa matéria de Direito Público Externo não é conteúdo de Direito Civil, mas de Direito Internacional Público, quando estudarmos as relações entre países. Mas o Código Civil traz a classificação. Quando falamos em Direito Público Interno, falamos da União, dos estados, do Distrito Federal, dos municípios, territórios, associações públicas e as fundações públicas.
Entretanto, estamos interessados nas pessoas jurídicas de direito privado. Iremos estudar as sociedades, que são a reunião de pessoas com finalidade lucrativa. Há também as associações. Aqui no Direito Civil, as associações são privadas. Então, repare: temos as associações privadas e públicas. Exemplo de associação: associação de moradores. Por último, estudaremos as fundações. Nos interessarão apenas as fundações privadas.
Conceito de fundação: surge a partir da instituição de um patrimônio. A fundação não tem finalidade lucrativa. Exemplo: Fundação Ayrton Senna. Senna, em vida, pegou um patrimônio dele próprio e constituiu a fundação.
Com essas noções, vamos ao...
Art.
75.
Quanto às pessoas
jurídicas, o domicílio é: I
-
da União, o Distrito
Federal; II
- dos
Estados e
Territórios, as respectivas capitais; III
-
do Município, o
lugar onde funcione a administração municipal; IV
- das
demais pessoas
jurídicas, o lugar onde funcionarem as respectivas
diretorias e administrações,
ou onde elegerem domicílio especial no seu estatuto ou atos
constitutivos. §
1o Tendo
a pessoa jurídica diversos estabelecimentos em lugares
diferentes, cada um
deles será considerado domicílio para os atos
nele praticados. |
Repare que os incisos I, II e III se referem à pessoa jurídica de direito público interno. Logo, ao citar algum órgão da união, obrigatoriamente a citação tem que ocorrer no Distrito Federal. Ao citar um estado, ou algum órgão ligado a ele, a citação deverá ocorrer na respectiva capital. No caso dos municípios, a citação tem que ocorrer na respectiva prefeitura. É do inciso IV para baixo que o artigo começa a trabalhar as pessoas jurídicas de direito privado.
IV - das demais pessoas jurídicas, o lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e administrações, ou onde elegerem domicílio especial no seu estatuto ou atos constitutivos. |
Pessoa jurídica tem que organizar um ato constitutivo, como vimos no princípio deste semestre. É o estatuto ou o contrato social. Esse ato constitutivo deve conter alguns elementos obrigatórios. O termo ato constitutivo é genérico. Se se tratar de uma fundação ou associação, esse ato constitutivo se chamará estatuto. Se for sociedade de maneira genérica, esse ato constitutivo se chamará contrato social, com exceção da sociedade anônima - SA, que também tem estatuto. Cuidado com a sutileza, então.
Interpretação do inciso IV: as pessoas são citadas onde estão as diretorias e administrações. Se o ato constitutivo nada falar a respeito do local da citação, o oficial de justiça irá direto onde se encontra a sede administrativa daquela pessoa jurídica. A parte final do art. 75 que diz que o ato constitutivo pode eleger um outro domicílio para a pessoa jurídica. Essa eleição é exatamente a representação de um domicílio especial, denominado domicílio de eleição para a pessoa jurídica. Se o dono quiser ser citado numa das filiais, então ele tem que especificar claramente no ato constitutivo o local da citação. Não confundam com o domicílio especial, que veremos à frente no art. 78.
Continuando:
§
1o Tendo
a pessoa jurídica diversos estabelecimentos em lugares
diferentes, cada um
deles será considerado domicílio para
os
atos nele praticados.¹ |
A sede do Bradesco é em São Paulo. Mas ele tem suas filiais espalhadas pelo país. Se alguém for submetido ao constrangimento de ficar preso na porta giratória de uma agência, a ação indenizatória não necessariamente precisará ocorrer onde fica o domicílio da sede (SP).
§ 2o Se a administração, ou diretoria, tiver a sede no estrangeiro, haver-se-á por domicílio da pessoa jurídica, no tocante às obrigações contraídas por cada uma das suas agências, o lugar do estabelecimento, sito no Brasil, a que ela corresponder. |
Refere-se às multinacionais. Devemos notar, ao comprar algo em viagem ao estrangeiro, se a empresa tem representação no Brasil. Se der problema no produto comprado, poderemos abrir um processo aqui mesmo. Exemplo: o polêmico caso em que o MP entrou com representação contra o Google para liberar informações de usuários do Orkut suspeitos de veicularem conteúdo associado a pedofilia. A defesa da Google Brasil, ré no processo, alegou que “a filial brasileira nada tem a ver com Orkut, pois não é aqui que ficam os servidores, nem mesmo é aqui que trabalham os responsáveis pelo site de relacionamentos; eles ficam na Califórnia, na sede da Google Inc.”
Art.
76.
Têm domicílio
necessário o incapaz, o servidor público, o
militar, o marítimo e o preso. |
Este artigo fala sobre os domicílios necessários. Cabe aqui fazer a distinção dos domicílios voluntários, que são aqueles escolhidos, não impostos. Encontramos o requisito da permanência. Essas classificações são doutrinárias. Há situações em que ocorre uma imposição de domicílio. Para isso, surge a figura do domicílio legal, também chamado domicílio necessário. O art. 76 é auto-explicativo. No caput, está dito quem tem domicílio necessário. No parágrafo único, explicam-se quais são os domicílios dessas pessoas. Há o domicílio do incapaz, que é do seu representante ou seu assistente. Lembre-se do art. 928, que fala da responsabilidade civil subsidiária do incapaz:
Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser eqüitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem. |
Art. 77. O agente diplomático do Brasil, que, citado no estrangeiro, alegar extraterritorialidade sem designar onde tem, no país, o seu domicílio, poderá ser demandado no Distrito Federal ou no último ponto do território brasileiro onde o teve. |
Também fala de Direito Internacional Público. Não é nossa parte, mas vamos vê-la brevemente. Trata do agente diplomático do Brasil que, ao ser citado no estrangeiro, alegar extraterritorialidade.O agente diplomático está fora do Brasil, digamos, em Portugal. A justiça portuguesa manda uma carta rogatória para que o agente seja citado aqui no DF, no Itamaraty.
Quanto à prova do último local em que o agente diplomático esteve, é difícil obtê-la na prática.
Art. 78. Nos contratos escritos, poderão os contratantes especificar domicílio onde se exercitem e cumpram os direitos e obrigações deles resultantes. |
Vale apenas para contratos escritos, não verbais. O que está neste artigo é o domicílio de eleição. Existe para pessoa natural e jurídica. Cuidado. Não é domicílio eleitoral, mas de eleição. Às vezes encontramos a nomenclatura domicílio negocial. Exemplo: Zé Lelé tem domicílio em Vila Abobrinha, e celebra um negócio com Franjinha, que tem domicílio em outra cidade. Então, ele e a outra parte poderão escolher uma cidade no meio do caminho para ser o domicílio do negócio jurídico.
Detalhe: encontraremos muito sobre o domicílio especial em contratos ligados ao Direito do consumidor. Casas Bahia, por exemplo: ao adquirir um eletrodoméstico, nota-se que, numa das cláusulas do contrato, está especificado o domicílio da empresa, que é em São Paulo. Mas aí ficaria muito difícil para o consumidor ter uma reclamação judicial contra a empresa atendida, dessa forma. A parte mais fraca é o consumidor. Então, quando se referir à matéria de consumidor, o entendimento doutrinário é que o contrato é válido, mas a cláusula sobre domicílio de eleição ou de eleição de foro é nula. Em 2006, foi promulgada a lei 11.280, que alterou o art. 112 do Código de Processo Civil, deixando-o com a seguinte redação:
Seção
V Art. 112. Argúi-se, por meio de exceção, a incompetência relativa. Parágrafo único. A nulidade da cláusula de eleição de foro, em contrato de adesão, pode ser declarada de ofício pelo juiz, que declinará de competência para o juízo de domicílio do réu. |