A Pessoa Jurídica
Esta aula ficou com uma parte incompleta por causa do incidente com o ar-condicionado na aula, que me fez perder dois minutos, um grande lapso.
Introdução e tipos de pessoa jurídica
O estudo da pessoa jurídica remonta ao Direito Romano, por isso encontramos duas nomenclaturas em latim, falando dos dois grupos de pessoas jurídicas: universitas personarum e universitas bonorum. "Universitas" quer dizer “universalidade”. Neste estudo, o primeiro grupo seria o conjunto da universalidade de pessoas. Temos dois tipos de pessoa jurídica que naturalmente se encaixarão como universitas personarum.
O primeiro tipo de pessoa jurídica do tipo universitas personarum são as associações: reuniões de pessoas naturais sem a finalidade lucrativa. Associações religiosas, associações de moradores, associações profissionais... veja o detalhe quando estudamos o domicílio: associação realmente não tem finalidade lucrativa. Mas pode ser que, no decorrer da existência dela, a associação venha a adquirir um lucro. O que fazer com esse dinheiro? O lucro não deverá ser dividido entre os associados. Quando isso acontecer, esse lucro deverá ser reaplicado dentro da própria associação. A associação, por definição, não busca lucro.
O outro tipo de universitas personarum é a sociedade, que é a união de pessoas naturais com a busca do lucro. As sociedades se subdividem em:
Universitas bonorum: “bonorum” quer dizer "coisa". Essa universitas bonorum está ligada ao patrimônio. O exemplo de pessoa jurídica que aqui se encaixa são as fundações. Elas surgem a partir da instituição de um patrimônio. Como a fundação Bradesco Seguros ou a Fundação Ayrton Senna: os fundadores pegaram parte de seu patrimônio pessoal e destinaram para a formação da fundação. O poder público também pode criar uma.
Casa da Xuxa: existe a gerência da fundação, mas a casa não necessariamente fica subordinada à fundação. No ato da fundação, basta destinar o bem. Surge a partir da instituição de um patrimônio, seja de bens móveis ou imóveis. Também pode partir de um montante de dinheiro. Ela não é formada por pessoas naturais.
Detalhe: por vezes, quem fez a instituição do bem permanece na gerência, mas isso não necessariamente é a regra. Freqüentemente a pessoa doa o patrimônio e se retira. A fundação permanece independentemente da presença do doador inicial.
O
registro da pessoa jurídica, seja qual tipo for, é um
registro constitutivo. Assim sendo, é a partir do registro que
realmente a
pessoa jurídica vem a ter existência e a ganhar personalidade. Portanto
não basta se reunir com
os
amigos na porta de casa para vender cachorro quente; o registro é
necessário. Ao dizer que o registro da pessoa jurídica tem natureza constitutiva, a partir desse registro
ocorrerão duas conseqüências. Primeira: a pessoa jurídica ganhará
personalidade
própria,
ou seja, capacidade de direito independente dos membros que a
componham. Para entender,
visualizemos a associação. Ao registrá-la, ela ganhará personalidade
própria, o
que significa que ela poderá assumir direitos e deveres. Outra
conseqüência: no
momento em que ocorre o registro constitutivo, ela ganhará patrimônio
próprio,
independente do patrimônio dos membros daquela pessoa jurídica. Uma
coisa é o
patrimônio dela, outra é o patrimônio dos sócios. Isso é
importante porque, ao negociar com uma pessoa jurídica, se ela causar
um dano,
o patrimônio acionado será o da pessoa jurídica, não o dos membros,
independente de que tipo de pessoa jurídica seja.
Classificações, art. 40 e art. 42
O art. 40 traz a classificação que já vimos antes.
TÍTULO II Art. 40. As pessoas jurídicas são de direito público, interno ou externo, e de direito privado. |
As pessoas jurídicas de direito público serão dividas em pessoa jurídica de direito externo e pessoa jurídica de direito interno. Vejamos o art. 42, para ver as pessoas jurídicas de direito público externo:
Art. 42. São pessoas jurídicas de direito público externo os Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público. |
Estados
estrangeiros e todas as outras pessoas que forem
regidas pelo Direito Internacional público. O Código só dá o conceito,
pois
isso é matéria de Direito Internacional Público. Mas temos como exemplo
de
pessoa jurídica de direito público externo os países estrangeiros e
organizações internacionais, como ONU e OEA.
Em
Direito Internacional público, estudaremos as relações
entre estados estrangeiros, quanto a tratados, acordos e outros tipos
de
relações.
Art.
41.
São pessoas jurídicas de direito
público interno: I
-
a União; II
-
os Estados, o Distrito Federal e os
Territórios; III
-
os Municípios; IV
-
as autarquias, inclusive
as associações públicas; V
-
as demais entidades de caráter público
criadas por lei. |
Há alguns detalhes importantes a serem vistos aqui, enquanto outras coisas são de Direito Administrativo e Direito Internacional. Pessoas jurídicas de direito público interno são: União, estados, Distrito Federal, territórios, municípios. Até o inciso III é matéria de Direito Constitucional. O IV é o importante para nós. Autarquias são pessoas jurídicas de direito público interno. Associações públicas idem.
Vamos visualizar no Código Civil tanto a existência de associações públicas e associações privadas. Identificamos uma associação pública quando vemos o interesse público em jogo. A reunião é de pessoas naturais, mas a finalidade buscada é um interesse público. Essas pessoas se ligam, portanto, a um serviço público. O fim que ela busca está muito mais voltado para o interesse público do que o interesse particular.
Inciso V:
V
-
as demais entidades de caráter público
criadas por lei. |
Este
inciso fala das fundações públicas. Aplicamos o mesmo
raciocínio: visualizamos que há fundações privadas e fundações
públicas. No Rio
de Janeiro, há a fundação Leão XIII, que é uma fundação de caráter
assistencial, mas o patrimônio para constituí-la partiu de um ente
público que
foi o Estado. Isso que importará: como foi um ente público que doou o
patrimônio
inicial, a fundação é pública. Observação: isso no caso das
fundações.
Parágrafo único:
Parágrafo
único.
Salvo disposição em contrário, as pessoas jurídicas de
direito público, a que se tenha dado estrutura de direito privado,
regem-se, no
que couber, quanto ao seu funcionamento, pelas normas deste Código. |
Digamos que temos a intenção de criar uma fundação publica. Devemos olhar o Direito
Administrativo e o Direito Constitucional para elaborar o estatuto daquela
fundação ou associação? Não, basta observar o que diz o Código Civil.
Apesar de
ela ter a natureza de direito público, no momento de criar a organização,
o ato
constitutivo será conforme o Código Civil. Cuidado, portanto, com a
sutileza: a
natureza é pública, mas a regra é de organizações privadas. Todas
as regras estão no CC. O que será escrito no estatuto da fundação
pública será
a mesma coisa do estatuto da privada.
Art. 44 - pessoas jurídicas de direito privado
Art. 44. São
pessoas jurídicas de direito privado: I - as
associações; II - as
sociedades; III - as
fundações. IV
- as organizações religiosas; V - os
partidos políticos. § 1o
São livres a criação, a organização, a estruturação
interna e o funcionamento
das organizações religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes
reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu
funcionamento. § 2o
As disposições concernentes às associações aplicam-se subsidiariamente
às
sociedades que são objeto do Livro II da Parte Especial deste Código. § 3o
Os partidos políticos serão organizados e funcionarão conforme o
disposto em
lei específica. |
Fala sobre associações, sociedades e fundações. Detalhe: se virmos o Código, há mais duas espécies, como as ditas no inciso V, que não tinham correspondentes no antigo Código. Diz que partidos políticos e entidades religiosas são consideradas pessoas jurídicas de direito privado. Vamos entender porque o legislador teve esse comportamento. As organizações religiosas seguem, na sua constituição, o que aprenderemos para associação. No momento de montar uma organização religiosa, há uma analogia, uma equivalência com o que aprendemos em associação. Se há esse comportamento bem parecido, por isso o Código deu o tratamento de pessoa jurídica de direito privado.
Partidos:
quanto a eles, há um detalhe. Eles têm lei
própria, como diz a lei 10825/03. Mas como se dá a formação um partido
político? De forma analógica, da mesma forma que formamos uma
associação. Mas quanto
à constituição do partido, ou como ele se forma, há uma analogia com a
maneira
de formação de uma associação. Por isso o comportamento do Código de
colocá-lo
como pessoa jurídica de direito privado.
Parágrafo 3º do art. 44 ¹
§ 3o Os partidos políticos serão organizados e funcionarão conforme o disposto em lei específica. |
As
associações e fundações ligadas ao ensino e as fundaçoes
ligadas ao ensões podem acabar por conseguirem lucro. Fundação
Getúlio Vargas, por exemplo. Há fiscalização nelas, especialmente nas
fundações, com intervenção do Ministério Público desde o ato de
fundação.
Art. 43 - a responsabilidade civil do Estado
Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo. |
O artigo dispõe sobre o que a doutrina chama de responsabilidade civil do Estado ou o que alguns chamam de responsabilidade civil de pessoa jurídica de direito público interno.
Se uma pessoa jurídica de direito público interno causar um dano, como será a responsabilidade? A empresa de ônibus é uma empresa pública ou privada? Privada. Mas recebe uma concessão de serviço público. Um serviço que o Estado por vezes não consegue prestar ele concede a um ente particular para que este o faça. Mas, na hora em que uma empresa recebe a concessão do serviço público, ela fica equiparada a uma pessoa jurídica de direito público e entra na regra do art. 43.
Quando falamos em responsabilidade civil do Estado, houve uma evolução em nosso Direito. Estado pode se referir à União, estados, DF, etc. Antigamente, caso ele causasse dano a alguém, ele nunca seria responsabilizado. Chegamos, com o tempo, à teoria do risco administrativo. A idéia é: o Estado responde sim, mas há situações em que haverá excludentes, quais sejam:
Quando falamos em responsabilidade da pessoa jurídica de direito público interno, o tipo é a responsabilidade objetiva. O ônus da prova será invertido. Veja isso: ao processar alguém, quem deve trazer as provas ao processo? O autor. Ele quem traz as testemunhas, os elementos documentais, etc. Essa é a regra do nosso Direito. No caso de responsabilidade objetiva, o ônus se inverte, então a responsabilidade de trazer os elementos probatórios será do réu. Nessa história, a vítima é considerada a parte mais fraca. Por isso o comportamento do Código será de inverter o ônus da prova. O Estado, como réu, tem mais capacidade de trazer os elementos probatórios. Sendo ele mais forte que a vítima, caberá a ele, Estado (réu), apresentar as provas.
Digamos que alguém tenha se machucado no ônibus: citamos o fato e explicamos que existe um nexo de causalidade entre o fato e a conseqüência. O autor descreve que estava lá naquele dia, em que ocorreu um acidente, e, estando lá, acabou me ferindo. Caberá ao réu fazer a pericia. No próprio art. 43, cita-se o direito regressivo ou direito de regresso: significa que o Estado tem o direito de, depois de ser processado e condenado a indenizar a vítima, entrar com uma ação contra o agente que estava a seu serviço que concorrera para causar o acidente. Logo, a vítima está processando o Estado. Ele paga a indenização. Ao fazê-lo, o Estado vai contra o motorista. São dois processos distintos. O primeiro é vítima x Estado, com responsabilidade objetiva, e o segundo, Estado x o agente dele (motorista). Este segundo processo será chamado de direito de regresso. A responsabilidade será subjetiva. Ao autor caberá a responsabilidade de trazer a prova para o processo.
Detalhes
processuais: entramos no ônibus, que é concessão de
serviço público, mas quem causou o acidente foi o agente do Estado.
Podemos
ter, como sujeito passivo no processo, a figura de dois réus? Não há
proibição quanto
a isso. A doutrina entende que é uma faculdade do indivíduo querer
processar
somente o Estado ou ambos, afinal trata-se de seu Direito subjetivo. O litisconsórcio (consórcio litigioso) nesse caso, é um
litisconsórcio
facultativo. Entretanto, raciocine: seria mesmo bom que o acidentado,
como vítima,
processe os dois, o Estado e seu agente, de uma vez só? Não, o processo vai parar a todo
momento,
por causa da responsabilidade objetiva
do estado contra a responsabilidade subjetiva dos indivíduos.
É outra figura processual. Vamos ver um conceito bem simples, buscando um outro exemplo: digamos que chegue um oficial de justiça querendo citar alguém num processo. A pessoa diz que não é a parte ré, e foi citada de forma errada. Ainda assim ela terá que comparecer ao processo e fazer uma denunciação da lide, em que ela se dirigirá ao juiz e dirá que não é ré. Então, dizemos que a lide é denunciada ao verdadeiro réu.
Pode
o Estado denunciar a lide ao motorista, naquele caso?
Não há proibição nesse assunto. O Código de Processo Civil não
restringe, mas a
doutrina não vê com bons olhos. Se se admite a denunciação da lide, a
vítima
fica desprotegida. Isso significa que a responsabilidade se tornará
subjetiva,
e a situação da vítima irá piorar, pois ela que terá que providenciar os elementos probatórios.
Responsabilidade civil da pessoa jurídica de direito privado
São as pessoas do art. 44. Estamos preocupados com o dano causados por associações privadas. Como fica a responsabilidade? Quando falamos em pessoa jurídica de direito privado, a regra é a responsabilidade civil subjetiva. Isso significa que caberá ao autor trazer a prova. É possível ser atropelado pelo carro da associação, ou então um tijolo do prédio onde ela funciona pode cair na cabeça de um transeunte. Quando não temos vinculo contratual com a associação, dizemos que há uma responsabilidade extra-contratual ou aquiliana (essa palavra vem do Direito Romano, em homenagem a um pretor). Entretanto, pode ser que a associação cause dano à pessoa depois de ela ter feito um contrato ou negociação com a pessoa jurídica de direito privado. Isso significa que existe uma relação prévia e, se ela não pagar, haverá responsabilidade jurídica contratual.
Observação: a regra é que a pessoa jurídica de direito privado responda de forma subjetiva. Então, cabe ao autor o ônus da prova. Há exceções, no entanto.