Direito Constitucional

quarta-feira, 1 de outubro de 2008


Os Direitos Fundamentais

Vivemos, depois dos fatos do século XX, a era dos direitos. É bom ler o livro A Era dos Direitos, de Norberto Bobbio, já discutido nas primeiras aulas.

O caput do art. 5º enuncia uma grande novidade: todos são iguais perante a lei. Isso foi algo que ficou consagrado desde os revolucionários de 1789. Essa idéia de uma lei só é coisa nova; antigamente, cada grupo possuía suas próprias leis e seu próprio Direito.

“Sem distinção de qualquer natureza”: essas distinções estão exemplificadas em outros artigos.

Inviolabilidade do direito à vida, segurança, liberdade e propriedade. Este é o nosso Bill of Rights. Todos os direitos fundamentais estão no art. 5º? Não. Mas aqui há uma concentração muito grande de direitos fundamentais: são 78 incisos. Outros dois artigos importantes nesse termo são os artigos 6º e 7º.

Adiante vamos olhar panoramicamente os incisos. O que são os direitos fundamentais, ou melhor, os direitos? Poder, capacidade, faculdades, pretensões, interesses protegidos, garantias, competências? Como deu pra ver com apenas esses sete exemplos, “direitos” pode significar muita coisa mesmo. A palavra “direitos” é usada para significar uma série de proposições jurídicas diferentes. O Direito Civil prevê regras sobre o casamento, a filiação, famílias, etc. A palavra direito em “Direito Civil” está usada na forma objetiva. Já na frase “eu tenho o direito de me separar da minha mulher”, vemos o direito subjetivo.

Eu, o sujeito, sou o titular, portanto eu tenho o direito. O Direito Constitucional Brasileiro passou por várias fases ao longo dos últimos 186 anos. É o mesmo direito. Note o Direito objetivo e o Direito subjetivo, respectivamente grafados com “D” maiúsculo e “d” minúsculo, de acordo com a convenção seguida por alguns autores. Por outro lado, direito às férias é algo subjetivo: relativo ao sujeito. É uma polaridade clássica da Teoria Geral do Direito.

Ha uma série de direitos que não tem deveres correspondentes. O que explica a operatividade das regras jurídicas são as relações que elas estabelecem entre as pessoas.

Digamos o Direito Constitucional. As regras dele incidirão sobre a vida social. Quando acordamos de manhã, os direitos estão incidindo sobre nossas vidas. É o direito objetivo. Quando incidem sobre os indivíduos, estabelecem-se relações.

Elementos da relação jurídica: sujeito ativo, sujeito passivo, objeto e vinculo normativo. O objeto pode ser uma prestação, uma coisa, uma pessoa. Exemplo: desejo adquirir um iPhone. Se sou rico, vou à operadora, escolho o modelo de 8 ou 16GB, a cor e assino o contrato. O aparelho é entregue com a condição de que eu adira a um determinado plano. Dessa forma, eu adquiri direitos em relação à empresa, enquanto ela assumiu deveres em relação a mim. Estes seriam o meu direito de ganhar o aparelho, ter o serviço de telefonia móvel prestado, com qualidade de ligação e estabilidade da rede, o que se traduzem diretamente em deveres da operadora: é ela que deverá possibilitar o exercício desses meus direitos. Em contrapartida, eu também assumo obrigações para com a empresa, como, por exemplo, de pagar a fatura. Esse meu dever é exatamente um direito da empresa.

Supostamente, essa teoria explica todas as relações jurídicas, não só as de Direito Civil. Em toda relação jurídica, se A tem um direito, então B tem um dever. Esse entendimento funcionava muito bem quando havia a prevalência do Direito Civil sobre os demais Direitos, quando as relações jurídicas poderiam se estabelecer facilmente em termos de credores e devedores.

Hoje em dia, isso está mais difícil. Não tem como estabelecer, claramente, quem é devedor, ou mesmo dizer claramente se há alguém que deva. Por exemplo: a liberdade de expressão, ou à educação, ou outras situações cotidianas? É difícil encaixar na teoria. Em tese, seria o Estado que deveria providenciar as condições de nos expressarmos, de termos educação e a moradia, mas não é cabível ação contra o Estado para reivindicar uma moradia para determinado indivíduo. A moradia entrou no artigo 6º há apenas oito anos atrás, na emenda 26/2000. Houve pressão de movimentos sociais e bancadas do Congresso. Mas, como efetivar um direito sem ter o correspondente no papel do dever?

Sobre isso, vamos ver o art. 6º da constituição. Ele estabelece uma lista de direitos sociais. Moradia, saúde, assistência, trabalho, moradia, educação, lazer, previdência, proteções à maternidade e à infância.

Por que colocar na constituição tantos direitos sem deveres correspondentes? Quando a primeira Constituição do mundo fixou o direito ao trabalho, não havia nada como abono, férias, 13º, jornada de trabalho, nada disso. Então, historicamente, vemos que há uma ordem cronológica de aparição dos direitos antes dos deveres. Somente depois que devem-se estabelecer deveres que assegurem a efetivação de tais direitos.

Se o direito nunca for enunciado, quem irá construir escolas? O mercado? A mídia? Os fatores reais de poder? O Estado que não vai. Lembremos que a educação é previsto na Constituição como direito do indivíduo e dever do Estado e da família.

A constituição de 88 foi bastante generosa para com a sociedade brasileira quando concedeu direitos. O legislador constituinte até inverteu a ordem de apresentação dos temas constitucionais seguidos nas Constituições anteriores quanto ao catálogo de direitos fundamentais. O constituinte de 88 colocou os direitos fundamentais antes mesmo da organização do Estado, da separação de competencias, da ordem econômica... Veja o preâmbulo e os quatro primeiros artigos. Eram altas as expectativas dos constituintes de 88. O art. 3º, III: objetivos fundamentais da república federativa do Brasil: erradicar a pobreza, por exemplo. Isso inclusive é motivo de algumas críticas, provavelmente daqueles que falam sobre a extensão da Constituição, mas, tirando isso do caminho, o que passará? Os tanques, o exercito, o mercado, ou os fatores reais de poder. O Direito, portanto, é uma salvaguarda contra os poderosos. Esses direitos têm um papel civilizatório. Quanto mais eles ganham eficácia, mais civilizada fica a sociedade, espiritualmente, economicamente, e moralmente.

Direito à igualdade entre os sexos: não é algo associado a classes sociais. Essa é uma evidência de que o Direito, especialmente o Direito Constitucional Brasileiro, não é um instrumento de dominação na mão de poderosos, como acreditam alguns. Inclusive aboliu-se, em 88, o “estatuto da mulher casada”.

Houve, no clima de 88, uma “farra dos direitos”. O primeiro momento de entusiasmo já passou. Estamos agora com 20 anos de Constituição. Podemos comparar o período 88-08 com o período 68-88, com a mesma duração. Em relação aos direitos e liberdades, não há comparação.

Direitos fundamentais

TÍTULO II
Dos Direitos e Garantias Fundamentais
CAPÍTULO I
DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS

        Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]

Há duas características, uma que representa o exercício do direito e o caso de violação.  Façam esse exercício: leiam cada um dos incisos do art. 5º e citam um caso no qual esse direito tenha sido exercido plenamente e um caso no qual ele tenha sido violado. Vejamos os primeiros incisos:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

O inciso I fala sobre a igualdade entre os sexos. Está tudo bem com relação a isso hoje? Então vamos perguntar para nossas avós se elas tinham a liberdade de andar de calça rasgada sem o marido por perto. Havia até o estatuto da mulher casada. A igualdade entre os sexos ainda não tem eficácia plena, mas há considerável eficácia. À medida que as mulheres forem estudando, passando em concursos, e publicando mais obras, a quantidade de mulheres no corpo dos ministros do STF aumentará e a proporção ficará mais equilibrada.

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

O inciso II trata do princípio da legalidade. Ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer algo arbitrariamente, senão em virtude de lei. Aqui, “lei” em sentido lato. A idéia é que as restrições e obrigações devem constar na norma. Encontramos casos de violação dessa regra e de exercício pleno também.

III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

O inciso III traz a garantia de não ser torturado nem submetido a tratamento desumano ou degradante. A assembléia constituinte reflete esse período de transição entre ditadura militar e república democrática com muita vivacidade. Em situação de guerra, tanto a tortura quanto a pena de morte são permitidas. Em tempos de paz, confissão mediante tortura é absolutamente nula. Esta é, infelizmente, um norma com pouca força normativa; é muito comum ver o Estado, representado pelas forças policiais, agredindo suspeitos.

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;  

O inciso IV trata da liberdade de manifestação do pensamento. É a sociedade indo de um estado de compressão para uma abertura.

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; 

V - direito de resposta. Não podemos exercer livremente a liberdade de expressão. Não há direitos fundamentais absolutos. Nem mesmo o direito à vida o é. Ao fazer esta análise linear dos direitos fundamentais, notamos, aqui no inciso V, a primeira possibilidade de colisão de direitos. Ela se tornou inevitável com tantos direitos assegurados.

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;  

VI - inviolabilidade da liberdade de consciência e crença.

 

Em cada caso concreto, os constitucionalistas fazem alusão à ponderação de direitos: buscar a resolução de um conflito sem que um dos direitos tenha que ser descartado. Analisa-se, em cada caso concreto, qual direito deve ser posto primeiro, de acordo com a razoabilidade.