Direito Constitucional

sexta-feira, 8 de agosto de 2008


Continuação

Tópicos:

  1. Introdução
  2. Questionamentos das Teorias da Constituição
  3. Histórico

Introdução

A idéia é que façamos essa retrospectiva histórica de fatos que foram importantes para a construção dessas teorias constitucionalistas. Para entendermos a Constituição e o Direito Constitucional, não basta ter apenas uma noção genérica e comum de que seja o Direito e o Estado. Todos nós, que procuramos este curso e esta formação acadêmica, estamos atrás de algo que vai bem além do superficial. Baltasar Gracián, já no séc. XVII, dizia: “a superficialidade é ridícula.”

Temos que ir além das fontes midiáticas e do boca-a-boca. Por mais que muitos procurem o curso de Direito por interesses práticos, e também porque o curso vai nos dar uma vantagem fantástica no mercado profissional, ninguém executará prática alguma sem essa base teórica sólida. Não conseguiremos “operar” nenhum Direito sem conhecer a teoria do Direito Civil, do Direito Penal, do Direito Tributário, ou qualquer outro. Essas teorias fazem a mediação entre a realidade, os conflitos, os litígios, as causas e, para compreender melhor o significado jurídico de um fato que ocorre na sociedade, precisamos do embasamento teórico.

Isso não quer dizer que esta disciplina será 100% teórica. Veremos questões práticas também, como o significado prático de coisas postas no “livrinho verde”. Estudaremos casos do Supremo e situações-problema envolvendo o Direito Constitucional.

Houve, ontem mesmo, um julgamento no STF que foi das 14 às 22 horas. O voto do relator, Ministro Celso de Mello, começou às 17, terminou pouco depois das 19 e teve mais de 100 páginas. A primeira parte do voto é nada menos do que uma aula de Direito Constitucional 1. Essas cerca de 30 páginas são uma aula de História, teórica. O professor citou esse parecer do Ministro pela pertinência à nossa disciplina; ele trará para as aulas, na medida do possível, o conteúdo de algumas votações do Supremo. Tentem acessar o voto (*).

Os juristas são chamados de “operadores do Direito”, o que não é tão bom, porém também não é um nome tão equivocado. Nós não faremos experiências em laboratórios com instrumentos e reagentes, mas operaremos fatos jurídicos, fatos da vida social que têm uma relevância e um significado próprio dentro do Direito. É como um continente. Veremos uma centena de matérias só no campo constitucional nesses cinco anos. O Direito Constitucional será, dentro desse continente, a parte mais básica e fundamental, que sustenta todo o ordenamento jurídico. É por isso que o Direito Constitucional é o fundamento mais estruturante da sociedade.

Questionamentos das Teorias da Constituição

Precisamos superar o senso comum em busca de uma teoria. Há várias delas, entendendo, cada uma, a Constituição de uma determinada maneira. Embora haja divergência entre os autores sobre o que seja a Constituição, todas elas terão que responder algumas perguntas bem semelhantes:

A partir dessas questões, identificaremos as teorias. Para a semana que vem, já estudaremos os textos “A Essência da Constituição” e “A Força Normativa da Constituição”, respectivamente de Ferdinand Lassalle e Konrad Hesse. O primeiro traz uma teoria sociológica da Constituição, enquanto o segundo é uma crítica ao primeiro, defendendo a importância da norma. Lassalle diz que a Constituição escrita, esse documento elaborado e promulgado por uma assembléia é apenas uma folha de papel, e a Constituição real seria a conjugação dos fatores reais do poder e que existem na própria sociedade.

Também leremos um terceiro texto, de Luiz Alberto Barroso, para entender a evolução do Direito Constitucional, para que a teoria serve, antes de a modernidade se consolidar como um novo paradigma cultural, pelo menos no mundo ocidental. Na Filosofia, na Economia e na Política, em todas as sociedades do passado, que viveram a fase das trevas, vê-se que sempre houve uma discriminação entre as pessoas. A idéia de isonomia é recentíssima na história da humanidade; ela se confunde com a própria modernização do mundo ocidental. Isso vem desses países que se libertam do absolutismo, da opressão, dos privilégios e das distinções “naturais” entre pessoas; aos poucos todos esses países trazem para um documento escrito, para uma declaração solene ou uma carta todas essas conquistas. Então fazem a trajetória histórica das constituições modernas.

Histórico

Os historiadores costumam indicar a Carta Magna de 1215, séc. XIII, como ancestral das constituições modernas. Ali, o rei reconhece privilégios a alguns barões. Isso seria o “tataravô” dos direitos modernos. Apenas a nobreza poderia exigir do monarca alguns direitos e privilégios.

Tomemos agora a carta da Virgínia, de 1776, e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da França, votada pela Assembléia Nacional em agosto de 1789, um mês depois da eclosão da Revolução Francesa. Eles inventaram tais documentos do nada? Não. Direito a manifestar-se, professar religião, exercer o gozo da propriedade privada sem obstáculo... todos esses direitos são decorrentes de pelo menos um século de Filosofia Política humanista. Desde o séc. XVII e começo do XVIII já havia uma intensa produção de novas teses filosóficas que contrariavam aqueles dogmas que reinaram durante toda a Idade Média, a verdade absolutista, a idéia de que Deus organizou a ordem social. A Idade Média tem grande influência da Igreja Católica que, por conveniência, se associa a poderes políticos. Os estamentos sociais eram dogmas.

No séc. XVIII, surgem os conceitos de cidadão, cidadania, os direitos naturais decorrentes não da vontade divina, mas da racionalidade humana, o acordo de vontades entre indivíduos, que agem com autonomia, para que, com essa liberdade de decidir, formem uma nova associação política. Quando acontecem as novas revoluções, como a Revolução Francesa no séc. XVIII, a sua influência vai irradiar por todo o mundo ocidental. Antes disso, havia despotismo em todos os cantos da Europa. Eram absolutistas por quê? A personificação do poder eram os reis absolutos. Luís XIV até dizia: “L’État c’est moi” (o Estado sou eu). As constituições servirão, portanto, para criar limites aos poderes, limitar a atuação do Estado, a atuação repressora e punitiva dos líderes. Surge o devido processo legal e o direito de defesa.

Então esse é o primeiro dever da Constituição.

Para que isso acontecesse, não foi necessário apenas que o povo fosse à rua derrubar a monarquia. Veja o filme Relações Perigosas. No contexto pré-revolucionário, a nobreza nem fazia idéia de que perderia todo o poder de uma vez em poucos meses dali a frente. A França já tinha um século de produção conceitual e teórica, o que legitimava as ações. No final do séc. XVIII, a Europa já não era mais feudal a muito tempo; já havia industrialização, exploração comercial das colônias, e também a burguesia industrial e financeira. Os burgueses eram donos de bancos e fábricas. Entre elas havia os que financiavam o Estado e o exército, enquanto a nobreza nada fazia. Só faltava mesmo a transformação política, pois, no plano econômico, a transformação já tinha tomado forma. Havia privilégios para a nobreza e o clero. Os direitos e bens eram transmitidos hereditariamente. Então, o que fazer? É nesse momento que o Abade de Sieyès denuncia a desproporção entre o número de privilegiados e o número de cidadãos do Terceiro Estado, e propõe que os Estado Gerais se transformem em Assembléia Constituinte. Posteriormente o rei autoriza o aumento de 300 para 600 o número de representantes da burguesia na assembléia. Isso tudo nos meses que antecederam julho de 1789, quando estourou a Revolução Francesa. Leia isto.

É neste momento que expressões como “teorias contratualistas”, “humanismo filosófico”, “cidadania” e “jusnaturalismo” entram na cabeça das pessoas. Quando a nobreza percebe, o povo já está na rua.


Pela Constituição de 1791, o poder não seria exercido diretamente pelo monarca, mas pelo povo através de representação. Então passou a haver uma monarquia constitucional, em que o rei deveria jurar obediência àquele documento. Mas não o fez de verdade. O rei, posteriormente, trama contra a assembléia, se veste de mulher, entra numa carruagem e começa a rumar para a Áustria. Foi flagrado no meio do caminho, trazido de volta e condenado.

Há muitos textos sobre o alcance da Revolução Francesa. Alguns dizem que foi uma falácia, que a Revolução Francesa na verdade beneficiou apenas a burguesia. De fato os burgueses, que seriam os principais beneficiados com a revolução, fizeram questão de usar os termos "homem" e "cidadãos" ao invés de "classe burguesa" e similares. Ela foi o veiculo político para levar a burguesia ao poder e nunca mais tirá-la de lá. Pois a igualdade proclamada não é material, mas formal perante a lei. A partir de então, haveria uma única lei e não diversas. Para cada grupo, antes, havia um Direito próprio; a lei penal, por exemplo, servia formalmente para os pobres, e apenas para eles. Não havia um Direito que regulava tudo. A partir da Revolução Francesa, a lei passa a ser igual para todos. Isso é uma grande revolução. A sociedade resultante da Revolução Francesa é capitalista. Marx dirá que a sociedade pós-revolucionária provocará outro tipo de opressão: a decorrente do conflito de classes entre proprietários e não-proprietários.

Também surge o contrato de trabalho entre camponeses e o burguês novo-rico. Não é à toa que a expressão “contrato” será a celebração jurídica de todas as vontades pactuadas. Contrato social, de trabalho, de compra e venda, de casamento... o contrato pressupõe uma autonomia da vontade. É a liberdade essencial reconhecida nas declarações.

A Revolução Francesa é uma grande evolução, mas cuidado: a injustiça não acabou.

Surge, então, o proletariado. Em 1848, Marx publica o Manifesto do Partido Comunista. Seu contemporâneo Ferdinand Lassalle na Prússia também era ligado a sindicatos, mas tinha uma visão diferente de Marx sobre o Direito, e não era comunista. O surgimento das constituições está intimamente ligado a movimentos de insatisfação popular e resistência à opressão.

As constituições mais legítimas nascem em períodos de ruptura. São nelas que constam os melhores direitos fundamentais. O que se espera é que as constituições não sejam apenas um único momento de lucidez depois do caos. Por exemplo: a Constituição Americana. Depois de sua promulgação, nunca mais houve uma guerra civil nos EUA.

Aula que vem: discussão sobre o livro A Essência da Constituição, de Ferdinand Lassalle.


(*) Não encontrei ainda o voto na íntegra, mas tem aqui uma notícia que parece ser relacionada ao julgamento: http://www.stf.gov.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=94201