Direito Constitucional

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Estado, Direito, poder constituinte e Estado de Direito
Tópicos:
  1. Introdução
  2. O conceito de Estado
  3. Estado de Direito
  4. Teoria do poder constituinte
  5. Avisos

Introdução

Até este momento desta disciplina, apenas aprendemos história narrada... Mas, no fundo, a intenção não é começar a matéria conceitual positiva prontamente, mas receber, por meio de eventos históricos, como se deu a experiência de aplicação desses conceitos na vida prática das pessoas: Estado, Direito, poder constituinte, Estado de Direito. Então, vimos a Revolução Francesa, a independência americana, constituições alemães, deposição de monarquias, assembléias nacionais. Estamos estudando o nascimento na prática de algo que a Filosofia política só possuía na teoria. Eram as idéias de direitos do indivíduo, das pessoas, na época vistos como direitos naturais, que constam na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, direitos inerentes, a idéia de poder constituinte, como esse poder da própria sociedade de criar a sua ordem política e social a partir da sua própria soberania como povo, nação...

Nada disso jamais teve aplicabilidade antes. As teorias surgem depois dos fatos, mas aqui é o contrário que ocorre. Antes de haver Revolução Francesa, havia a teoria do Estado democrático, a teoria do contrato social, enunciado teoricamente, mas nunca aplicado, nunca transformado de mero conceito para a vida real. São conceitos-chave que vamos trabalhar agora e só a partir de agora. Por isso vimos a história antes: o inicio do constitucionalismo moderno dos séculos XVIII e XIX, a Constituição de Weimar, a Constituição francesa, a americana... e então trouxemos para o Brasil, falando de nossa própria experiência constitucional, e vamos continuar nessa seqüência até pelo menos a aula que vem. Então, vamos voltar antes disso, para os conceitos supracitados.

Vamos dominar os conceitos de Estado, Direito, poder constituinte e Estado de Direito. Isso é dica para a prova. Haverá muito o que ler; dali tiremos a resposta. Não será perguntado qual é a data da Constituição, quando morreu D. Pedro I, nada desse tipo de coisa, mas vamos extrair conceitos do enunciado.

O conceito de Estado: é um conceito abstrato demais que não conseguimos visualizar, perceber na prática. Note a diferença entre os milicianos ou traficantes do Rio e o Estado: há a legitimidade neste, mas não naqueles, apesar de estar bem parecidos em muitos aspectos. Ambos têm instituições burocráticas. O chefe do tráfico é bandido, mas é o chefe local. O ele não tem limite algum, exceto a própria força de outro que tenha mais dinheiro ou armas para sobrepujar sua força. O líder do morro se parece muito com um príncipe absolutista do século XVI. O monarca absoluto do século XVI ou XVII se parece com o chefe do tráfico porque não tem limites à atuação e exercício de seu poder. O príncipe do absolutismo exercia o poder, obviamente, de modo absoluto, inclusive sobre a vida dos súditos. O chefe do tráfico acha, portanto, que está no século XVII. Por isso há a lenda da “lei do morro versus lei do asfalto”. A presença do Estado nos morros é baixíssima, tanto que as pessoas se organizam de outra maneira. O Estado moderno se constitui em um determinado momento da história humana européia, que acaba se projetando sobre a história ocidental e até mesmo do mundo oriental, e se constitui como uma associação política que define as fronteiras territoriais, em determinado local, organizado segundo sua legislação, e também tem um elemento de identidade nacional.

Surgem as teorias do poder constituinte, dos direitos fundamentais, num mesmo contexto. Poderíamos colocar como teorias que ajudam a explicar os contornos desse conceito de Estado moderno a teoria do contrato social. Exemplo: a teoria da separação de poderes de Montesquieu. Teoria dos direitos humanos. A teoria do contrato social, que vem para justificar o exercício do poder, que até então se dava em decorrência de uma dádiva divina. Era o direito divino de governar e exercer o poder. Então o príncipe poderia dispor da vida do súdito. E assim foi durante muito tempo. A teoria contratualista mexe com a origem divina do poder. O poder não será mais presente de Deus, mas vontade geral da sociedade. O poder passará a ser então, uma expressão de um acordo de vontades. O poder político a partir das teorias contratualistas não será mais exercido como uma dádiva, mas passa a ser um exercício de representação: atribuição de poderes para falar em seu nome. Votar, que é escolher representantes, é o mesmo que “passar procuração para”. Outro nome para procuração é mandato.

É muito complicado para uma sociedade moderna, que está se fazendo com base em uma Filosofia iluminista, que haja um poder baseado em Deus. O Estado passa a ser coordenado por representantes da vontade geral. Qual será a expressão da vontade geral do Estado moderno? A lei. Veja a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em seu art. 6º:

VI

A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos tem o direito de concorrer pessoalmente ou por seus representantes à sua formação. Ela deve ser a mesma para todos, quer ela proteja, quer ela castigue. Todos os cidadãos, sendo iguais aos seus olhos, são igualmente admissíveis a todas as dignidades, colocações e empregos públicos, segundo suas virtudes e seus talentos.

Para saber se uma organização é um Estado, então temos que passar pelo filtro dos conceitos de Estado moderno, direitos fundamentais, poder constituinte e Estado de Direito.

Então, a teoria do contrato social é a primeira das importantes teorias. O poder é representação, não uma dádiva. O poder passará a se manifestar a partir de ordens, não emanadas da cabeça do príncipe, mas dos representantes: os legisladores. A partir da vontade da própria sociedade neles representada, e não deles mesmos. Eles resumem a vontade geral da sociedade, então eles produzem as regras, ordens, comandos que determinarão a organização da vida em sociedade.

Então vem outra teoria importantíssima: a teoria da separação dos poderes, de Montesquieu. Vide a obra Do Espírito das Leis. O poder legislativo é o mais importante, porque representa a vontade geral, e cabe a eles a produção do direito. Ao executivo caberia dar cumprimento fiel às leis e executar as ordens. Judiciário: Montesquieu não gostava do judiciário monárquico. Os juízes eram aristocratas e barões, que integravam a monarquia absolutista. Com base em que se julgavam os litígios? França, no final do século XVIII, já estava bem urbanizada e desenvolvida. Então, havia muitos litígios e processos judiciais, causas, tribunais, e claro, juízes. Poder-se-ia escolher qualquer fonte para orientar as sentenças. Justiniano, Direito Canônico, Direito Romano, Direitos feudais, Direito costumeiro da região, equidade, bom senso, Direito natural... Então o primeiro ato dos revolucionários foi acabar com o non liquet (não-proferimento de sentença alguma por não encontrar lei adequada para o caso). Além disso, e ainda mais importante, teria-se que usar apenas a lei criada pela assembléia. O juiz, a partir de então, não poderia mais julgar os conflitos com base em qualquer fonte, mas teria que ser apenas com base na lei oriunda do poder competente para isso, que era o legislativo. Hoje isso é consagrado, até no Brasil, pelo menos em teoria.

Com o fim do absolutismo, que colocava todos os poderes no príncipe, houve uma fragmentação do exercício do poder, seguida naturalmente da separação dos poderes. Nem todos os países tiveram sucesso na estrita separação dos poderes. O executivo, por exemplo, passa na frente dos outros poderes por várias vezes no Brasil. Não nos lembramos de legislativos fortes, de grandes parlamentos; lembramos apenas de executivos fortes em nossa história. Pedro I, Deodoro da Fonseca, que não era liberal, então dissolveu o congresso, perde o apoio político, e toma um golpe. Floriano Peixoto, Getúlio Vargas, que não era democrata e governou sem eleição durante parte de sua gestão. Instaurou um processo constituinte, destruiu a própria Constituição, e ficou no poder até ser deposto. Até agora, nenhum parlamento se destacou na história brasileira. Juscelino Kubitscheck em seguida, e então mais um golpe, e temos uma fase nova de executivo fortíssimo, em que todos os presidentes eram generais. A teoria da separação dos poderes não conseguiu se impor satisfatoriamente no Brasil até então. Nem por isso que as teorias precisam deixar de existir. Foi só em 1988 que logrou a tentativa: a Constituição mais democrática que já tivemos consegue separar os poderes, ainda que não de forma ideal.

Mas, para definir a figura do Estado moderno, além da representação política e da separação de poderes, vem também a teoria dos direitos do homem, que traz os direitos fundamentais, ou “liberdades”. Percebam que, na modernidade, o Estado muda completamente em sua estrutura. Norberto Bobbio fala em “Era dos Direitos”, nome de um de seus livros, que inclusive deveríamos ler. Uma sociedade toda concentrada e marcada por deveres dará lugar a uma sociedade de direitos. A relação política muda. Agora os súditos não tem apenas deveres perante o príncipe, isso se inverteu completamente: o Estado que passa a ter deveres sobre o cidadão. Quando cobramos eficiência do serviço público, lisura e transparência, pedimos porque “eles” estão lá para nos representar, e não para privatizar o espaço público. Vivemos uma era de direitos, em que podemos exigi-los, especialmente contra o Estado e os políticos. Eles não estão lá em nome próprio, então devem, em primeiro lugar, respeitar os direitos fundamentais das pessoas, que se constituem como liberdades. E mais que isso, são limites à atuação dos governantes.  Exemplos: ir e vir, liberdade religiosa, de culto, de expressão, associação, manifestação, de imprensa, devido processo legal, presunção de inocência. No conjunto isso representa limitações ao exercício do poder, que não pode ser exercido arbitrariamente.

Estado de Direito

Quando há o resguardo dos direitos, então podemos dizer que há um Estado de Direito. Há um poder que institui as regras e se sujeita a essas próprias regras instituídas por ele. Então, o primeiro texto normativo que tem que ser obedecido é a Constituição. Essencialmente, a Constituição é aquilo que da os fundamentos, as bases. Veja o art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão:

XVI

Qualquer sociedade na qual a garantia dos direitos não está em segurança, nem a separação dos poderes determinada, não tem Constituição.

Isso cairá na prova. É a enunciação da teoria clássica da Constituição. Está no blog, inclusive. É de agosto de 1789. Esse é o propósito clássico da Constituição. Serve para organizar os poderes políticos e organizar os direitos fundamentais dos indivíduos.

Os direitos fundamentais passam a ter uma existência nas constituições, então falamos em gerações de direitos fundamentais. Primeira, segunda, terceira e até supostamente a quarta geração já estão definidas. São respectivamente os direitos civis e políticos, econômicos e sociais; direitos difusos baseados em valores da solidariedade e direitos da vida.

Como vemos, as teorias vêm depois dos fatos.

 

Teoria do poder constituinte

As Constituições vêm de onde? De forças e pressões históricas. As democráticas nascem de reivindicações populares. Na sociedade complexa e hiperpopulosa, não tem como haver a democracia direta, somente a representativa. O poder deriva do próprio povo. Então, a idéia de poder constituinte está vinculada à idéia de soberania popular. Assim, a vontade instaurará uma nova ordem jurídica. O poder constituinte originário não tem limites, exceto os da razão.

Isso foi feito em 1889. Deodoro proclama a república em 15 de novembro daquele ano. Muda-se o sistema brasileiro do parlamentarismo para o presidencialismo. “O povo assistiu bestificado à proclamação da república”, disse o cronista da época Aristides Lobo.

A proclamação foi provisória foi porque a definitiva teria que ser feita pelo povo.

Outra teoria fundamental para o poder constituinte é o republicanismo. Res+pública: o poder não deve ser um privilegio de um grupo ou família. Resquícios de monarquia no Brasil: nepotismo e cartórios. O nepotismo foi derrubado recentemente entre outras coisas graças ao princípio da impessoalidade. Passou a haver eleições livres, periódicas, universais e secretas.

Outra coisa importante, que também deve ser cobrada: experiência constitucional dos últimos 186 anos. Isso permitiu que tivéssemos vários modelos de Constituição. Com base na forma, no conteúdo, no modo de elaboração, em sua estabilidade, extensão, origem... Há várias classificações. Jose Afonso da Silva fala sobre isso. Paulo Bonavides usa outro sistema de classificação. Constituições rígidas, flexíveis, semi-rígidas. Flexíveis são as que não estabelecem nenhuma forma de rito para revisão de seu conteúdo. A simples existência de cláusulas pétreas torna a Constituição brasileira rígida. Mesmo para as outras matérias é necessária uma tramitação mais demorada, quorum mínimo e processo mais elaborado. O número de emendas na Constituição brasileira explica-se, em parte, pelo fato de as teorias não darem conta de prever todos os fenômenos jurídicos. Há constituições formais e materiais. Quanto à forma, há constituições escritas e não-escritas, constituições dogmáticas e constituições históricas... Estudaremos melhor cada tipo de classificação em aulas futuras.

Sumulas vinculantes: interpretações constitucionais que devem ser seguidas. Também  vamos falar melhor sobre essas classificações na próxima aula.


Avisos:
1- Pegue qualquer manual de Direito Constitucional, pode ser do Paulo Bonavides, José Afonso, Alexandre de Morais, etc e veja o conceito de poder constituinte e classificação das constituições. Espere uns dias e vá procurar nas xeroxes que o professor colocará lá.
2- Na véspera da prova haverá revisão. Lembre-se que todo material poderá ser consultado.