Direito Constitucional

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

O artigo 5º - Continuação

Ler: A Era dos Direitos, de Norberto Bobbio. Os 3 primeiros capítulos serão cobrados na próxima prova. Na biblioteca, o livro tem chamada 342.7.b663e. A prova terá vários acórdãos do STF, com decisões judiciais em relação a direitos fundamentais, nosso conteúdo atual.

Vamos prestar atenção em algumas coisas que estão no art. 5º.

Os  direitos fundamentais no artigo, em sua maioria, são de primeira geração. Eles foram enunciados naquele primeiro momento histórico de afirmação de direitos que foi o tempo das revoluções liberais, no final do século XVIII. Naquela época, muitos filósofos já haviam se manifestado em suas obras no sentido de defender direitos para os indivíduos. Essa primeira geração é toda marcada por ser de direitos individualistas, visando proteger o homem do poder do Estado. Também são chamados de liberdades fundamentais. Garantem não a ação afirmativa do Estado, mas uma ordem de omissão, uma exigência de que o Estado se abstenha. Isso é bem típico do modelo de Estado que vai se consolidar nessa primeira fase da modernidade política. É o Estado liberal. Ele reconhece esses direitos e libera as forças sociais, econômicas e indivíduos para realizar suas transações sem a intervenção do Estado. Logo, o Estado liberal é um Estado não-intervencionista ou absenteísta. O slogan é “deixe fazer, deixe passar” (Laissez faire et laissez passer): o Estado, por exemplo, não deve intervir nos contratos. Se homens querem abrir uma sociedade, que os sócios estabeleçam um contrato social, sem a intervenção, obviamente. Até o casamento passa a ser visto como um contrato.

Por que o contrato passa a ser a fórmula comum de negociação e transação das regras privadas? Porque depois do século XVIII, prevaleceu a idéia da autonomia das vontades. Para isso, as partes teriam que estar na mesma condição.

É a mudança do milenar sistema feudal para o sistema capitalista, com economia liberal. Se não se tem nem a liberdade, o que será negociado? O trabalhador livre, por exemplo, negociará sua força de trabalho. O trabalho tem que pressupor, ao menos, a liberdade do trabalhador. A idéia dos direitos fundamentais de primeira geração é garantir esses tipos de associações, sem que o Estado intervenha.

E quando o ambiente de trabalho, no contexto do capitalismo desregulado, se torna envilecedor, com jornada de 18 horas, dentro de uma mina sem oxigênio nem luz solar? O Estado apenas teria que reconhecer que as pessoas eram livres para a celebrar esses contratos. O empresário diria: “pode trabalhar aqui, te pago esta quantia e apenas esta a quantia, se não quiser, haverá outros que quererão. “ De acordo com a idéia da autonomia de vontades, esta situação é perfeitamente válida. É uma fase de ampliação de direitos; antes disso, o homem sequer teria a liberdade, e teria que trabalhar em condições servis. Mas, do ponto de vista econômico, é uma fase chamada por alguns de capitalismo selvagem. Não havia condições mínimas para o trabalho. Mas essa primeira fase é a das liberdades. Vimos que o art. 5º começa com a afirmação da igualdade entre homens e mulheres. O nosso artigo quinto não é uma copia das demais declarações de direitos. Logo, predominantemente, os direitos são de primeira geração. Mas, nem mesmo nos países mais desenvolvidos essa igualdade foi reconhecida tão cedo.

Continuemos, pois, a analisar os incisos do art. 5º:

XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;  

XII - inviolabilidade da correspondência. Os indivíduos têm o direito a ter segredos. Uma discussão é violação da intimidade dos funcionários nas empresas, quanto ao monitoramento de conversas e e-mails, usando softwares espiões como sniffers¹ e VNC ².

Quanto a pais terem o direito de abrir correspondência dos filhos: a opinião do professor é que os pais têm direito de violar cartas do filho uma vez que são eles quem respondem pelos atos dos filhos menores, portanto incapazes.

Perceba como muitos incisos começam com “é livre” ou “é inviolável”.

Todos esses direitos derivam do entendimento que os indivíduos devem ser respeitados por serem humanos. Por isso Bobbio fala em Era dos Direitos. A sociedade que era toda fundada em deveres dos súditos para com o soberano passa a ter um Direito garantista, baseado em uma posição subjetiva do indivíduo.

XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;   

XIII - liberdade de oficio, atendidas as condições.

XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;

XIV - liberdade de informação e sigilo da fonte.

Este é o inciso que por hora sofre ameaças de violação quando alguma autoridade busca junto ao jornalista a fonte de informação de uma matéria para fins de investigação. Inclusive já houve casos de tortura por causa disso.

XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;

XV – O inciso XV trata do direito de ir e vir. Note “nos termos da lei”. Não podemos carregar uma gaiola com uma arara porque isso é crime ambiental. É uma reserva legal, que é algo que veremos mais para frente. Serve para impedir o impacto de outrem pelo exercício de determinados direitos.

XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;

XVI - liberdade de reunião em lugar aberto sem armas. Liberdade de associação e reunião pacifica. Nosso ex-governador Joaquim Roriz tentou editar um decreto executivo proibindo a “aglomeração” de pessoas em determinados pontos de Brasília. Uma ação direta de inconstitucionalidade foi interposta no Supremo. Por onze votos a zero o decreto foi considerado inconstitucional. Note que o próprio enunciado do inciso já estabelece os limites. Por isso dizemos que há regras auto-aplicáveis e regras não-auto-aplicáveis.

XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;

XVII - liberdade de associação, exceto para formar grupos armados.

XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;

XIX - as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado;

Os incisos XVIII e XIX também tratam do direito à associação. O primeiro traz expressamente a permissão independente de autorização para que a associação seja criada e também veda nelas a interferência estatal, como bem característico dos direitos de primeira geração. O segundo inciso acima reforça a liberdade de associação, exigindo o devido processo legal para que ela seja dissolvida.

XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;

XX - este artigo diz que ninguém pode ser obrigado a se tornar sócio ou permanecer sócio de nenhum grupo. Nem mesmo se o sujeito tiver assinado um contrato permitindo isso expressamente; a cláusula será considerada abusiva baseando-se neste inciso.

XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente;

XXI - legitimidade das associações para impetrar ações civis públicas, o que era, antigamente, competência exclusiva do Ministério Público.

XXII - é garantido o direito de propriedade;

XXII – Auto-explicativo. O inciso traz um dos direitos mais consagrados da era moderna.

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;

XX  XXIII – Trata da função social da propriedade. É um conflito da história da modernidade. De um lado, a propriedade privada, de outro, a função social. Quando o Estado atende a pressões sociais para a questão da propriedade, o próprio Estado muda. Por isso surgiu a revolução russa, a revolução de 1949 na China, etc. Welfare state: conceito novo, de “estado de bem-estar social”. É característico da social-democracia, com capitalismo regulado, especialmente com as idéias de Keynes, vistas em Economia Política, pensador que defende a intervenção do Estado na Economia para evitar as anomalias da economia de mercado. Os Estados que passaram por esse processo ficaram conhecidos como Estados reformistas. Nos demais, onde isso não deu certo, acabou-se abrindo brecha para a implantação de regimes totalitários de esquerda, e tais Estados acabaram sucumbindo a revoluções comunistas.

Surgiu durante a segunda geração de direitos fundamentais. Muitos autores defendem que esse direito deveria estar no art. 6º e não no art. 5º. Esse direito não pode ser atribuído a um indivíduo. Note que podemos falar “eu tenho direito à liberdade de ir e vir”, “eu tenho direito ao sigilo da correspondência”, “e eu tenho direito a não ser torturado”, mas não faz sentido falar em “eu tenho direito à função social da propriedade”. Por isso que, nessa virada da primeira para a segunda geração, toda a teoria constitucional precisou ser revista.


1 - Sniffer: vem do verbo to sniff, que significa “farejar”. Como um cachorro de aeroporto que fica cheirando as bagagens em busca de drogas, este programa analisa os pacotes trafegados na rede da empresa em busca de certas espécies de dados.

2 - VNC: Virtual Network Computing, tecnologia na qual se baseiam programas que permitem o acesso ao que se passa no monitor de qualquer computador de uma rede. Ideal para pegar funcionários que ficam no MSN em conversas que precisam de webcam no trabalho.