Classificação
das Constituições
A classificação pode ser quanto à forma, conteúdo, modo de elaboração, estabilidade, extensão e origem.
Leia no blog sobre a era Vargas. É o tempo da urbanização, modernização e ampliação de direitos no Brasil. Especialmente os trabalhistas tudo isso sem democracia no período, sem Justiça Eleitoral e nenhum órgão fiscalizador forte. Já falamos da Constituição de 1824 e da de 1891.
Vamos ilustrar nossa experiência constitucional, que não é uma experiência puramente brasileira. Quase todos os livros (manuais) de Direito Constitucional têm um capítulo específico sobre a experiência constitucional.
Quando o professor estudou essas classificações, ele o fez antes de ter visto a experiência constitucional. Aqui, vamos fazer o contrário. É mais fácil entender as classificações quando já temos alguma informação sobre a prática histórica dos países em fazer Constituições. Vejamos.
A Constituição pode ser do tipo escritas ou não-escritas. As não-escritas também são chamadas de consuetudinárias ou costumeiras. Pode haver uma Constituição que não seja escrita? Sim, na Inglaterra e na Nova Zelândia, por exemplo. São na verdade a reunião de muitos documentos, decisões judiciais, regras que vieram se acumulando na experiência política desses países ao longo dos séculos. Eles nunca pararam para definir uma assembléia constituinte para sentar numa mesa e elaborar um texto. Mas dá para dizer que a Inglaterra não tem Constituição? Claro que não. A experiência anglo-saxônica e os países de influência inglesa a deve ser observada com algum cuidado, não com olhos latinos, franceses, romano-germânicos. Para eles, os costumes reconhecidos pelo Poder Judiciário têm força de lei como as próprias leis. Logo, há nesses países uma Constituição que não é como a nossa, que é de influência latina. Lá a Constituição é costumeira. Mas, só existe esse critério porque há a experiência inglesa, muito significativa para o mundo contemporâneo. Quase todas as Constituições do mundo hoje em dia são escritas, formais, solenes, promulgadas ou outorgadas, mas são constituições jurídico-documentais. São típicas folhas de papel, como dizia Lassalle.
Quanto ao conteúdo, as constituições podem ser materiais ou formais. Há matérias que são essencialmente constitucionais, e outras que são somente formalmente constitucionais. Este é um critério que se relaciona mais à própria avaliação interna das constituições do que de sua comparação com as outras. A nossa tem 250 artigos, fora os atos de disposições transitórias. Tudo o que está ali dentro é regra constitucional? Sim, toda matéria escrita no documento constitucional é considerada matéria constitucional. O que integra a substância de uma Constituição? O que não pode faltar nela? Garantias fundamentais e organizar os poderes políticos, as regras do jogo político. Tais matérias não podem estar dispostas de qualquer forma, senão, para que serviria a Constituição? Então, ela estabelece competências, define atribuições, formas de controle recíproco, pesos e contrapesos. É o Supremo Tribunal Federal que controla o executivo, é o legislativo que controla o judiciário, o executivo também pode controlar o legislativo. Veja o art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão:
XVI |
Uma Constituição deve servir pelo menos para garantir direitos fundamentais e organizar os poderes políticos.
Mas a Constituição do Brasil tem regras de toda ordem. Vamos ver um exemplo:
Seção
III Art. 42 Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. [...] § 2º Aos pensionistas dos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios aplica-se o que for fixado em lei específica do respectivo ente estatal. |
Este art. 42 faz alusão à lei dos estados. Seção 3, título terceiro, administração pública. Isso não deveria estar aí, na opinião de alguns autores. Eles defendem que a Constituição não deveria ser tão prolixa, que constitucionalizou praticamente todos os campos da vida social brasileira. Tem trechos que ela fala do Colégio Pedro II no Rio, bem como a regulamentação previdenciária. Tem explicações históricas que tentam dizer por que a Constituição Brasileira é assim: entre elas, porque tivemos muitos períodos de arbitrariedade. Então, o processo constituinte de 88 foi extremamente participativo. Muita gente participou dos debates em torno da elaboração do texto de 88. A parte positiva é que a Constituição adquiriu muito mais legitimidade. Houve uma farra de liberdades, provavelmente por causa da herança da ditadura militar de 64. Então, segundo esses autores, há muitas regras formais, mas não materialmente constitucionais. A rigor, se está na Constituição, não importa o que o autor X ou Y diz. Violar um dispositivo constitucional é violá-la por inteiro.
Podem ser dogmáticas ou históricas. Mais uma vez o exemplo da Constituição inglesa. Normalmente, como se faz uma Constituição? Delega-se a qualquer um a tarefa de fazê-la? Sim! Apenas não será qualquer pessoa que redigirá o texto. O projeto da constituinte de 1824 é de Antônio Carlos Andrada. A de 1891 é de Rui Barbosa, principalmente. Quando se instaurou a assembléia, Deodoro faz uma comissão de “cinco ilustres”. Mas antes do projeto sair, mandaram para Rui olhá-lo e revisá-lo. Então, ele se baseou no modelo americano de Constituição.
Então vêm as outras constituições: todas passaram por um processo semelhante de elaboração. As históricas são as que surgem espontaneamente, com base em modelos de comportamento. Histórica é a inglesa. Nem mesmo a americana foi; ela foi criada pelos federalistas (Delegates of the Philadelphia Convention).
Os autores dividem e criam algumas nuances. Haverá constituições rígidas e flexíveis. Alguns deles usam as classificações de hiper-rígidas, super-rígidas, semi-rígidas, etc. Basicamente, usamos as classificações mutáveis e imutáveis. As imutáveis estão condicionando as gerações futuras àquele modelo concebido pela assembléia constituinte. Teoricamente é impossível uma Constituição completamente rígida. Sempre haverá a interpretação que mudará com o tempo e as gerações de tribunais, ainda que o texto se mantenha o mesmíssimo. E nisso a nova corte pode fazer a adaptação histórica daquele documento rígido. Constituição americana é sintética, rígida, mas não hiper-rígida nem flexível. É bicentenária. As primeiras emendas foram feitas logo, pois faltava uma Bill of Rights. A Constituição era mais pragmática, preocupada em organizar o poder. Os direitos já tinham sido conquistados. A Constituição americana já foi alterada várias vezes sem que o texto fosse alterado. Isso é feito pela Suprema Corte. Isso fez com que a Constituição se adaptasse a novas condições históricas. Houve atrito feroz entre executivo e judiciário na ocasião de 1929. Foi a mesma suprema corte que aboliu a escravidão e o racismo.
A Suprema Corte também se posicionou contrariamente à constitucionalidade das prisões marítimas e Guantánamo.
Haveria, em resumo, apenas constituições rígidas e flexíveis nos extremos. Entre uma e outra há variações. Veja os artigo 60 da Constituição brasileira:
Subseção
II
Art.
60. A Constituição poderá ser emendada
mediante proposta:
I
- de um terço, no mínimo, dos membros da
Câmara dos Deputados ou do Senado
Federal;
II
- do Presidente da República;
III
- de mais da metade das Assembléias Legislativas das
unidades da Federação,
manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.
§
1º - A Constituição não
poderá ser emendada na vigência de
intervenção federal,
de estado de defesa ou de estado de sítio.
§
2º - A proposta será discutida e votada em cada
Casa do Congresso Nacional, em
dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos,
três quintos dos
votos dos respectivos membros.
§
3º - A emenda à Constituição
será promulgada pelas Mesas da Câmara dos
Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de
ordem.
§
4º - Não será
objeto de deliberação a proposta de emenda
tendente a abolir:
I
- a forma federativa de Estado;
II
- o voto direto, secreto, universal e periódico;
III
- a separação dos Poderes;
IV
- os direitos e garantias individuais. |
Veja o § 4º: são quatro hipóteses das clausulas pétreas da Constituição: não podem ser alteradas por emendas. Como a Constituição brasileira não se encaixa em nenhum dos extremos, então entram os autores para dizer novas classificações. Alguns dizem que a nossa em semi-rígida. Pelo critério de procedimentos de mudanças: a flexível é aquela que não exige nenhum critério especial para a mudança, com qualquer quorum de votação.
Isso era assim no tempo em que a Constituição não tinha força normativa. Agora, as Constituições assumiram o papel diretivo das instituições jurídicas. Então, elas têm força normativa, e têm supremacia sobre as demais leis. Logo, não faz sentido que elas possam ser alteradas pelo mesmo procedimento das demais leis.
O Professor acha que a Constituição brasileira é do tipo semi-rígida. Ela não é imutável mas também não pode mudar de qualquer forma. O que os constituintes definiram em 88 não é imutável, mas pode ser emendado, desde que não se tratem de cláusulas pétreas. O quorum é muito mais pesado e difícil de se atingir para aprovar uma Emenda Constitucional do que uma Lei Ordinária.
Emenda 45 de 2004: fala sobre a duração razoável do processo. Veja o novo inciso do art. 5º:
LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. |
A inglesa é, a rigor, flexível, mas não é algo que mude todos os dias. As instituições inglesas estão lá há séculos. É bom ver os exemplos reais para ver a falibilidade de cada uma dessas classificações. Precisamos saber isso para resolver problemas, e não apenas resolver questões de concursos. Não existe nenhuma Constituição ultra-rígida, porque é teoricamente impossível, até por causa da interpretação. Isso é imaginar que a sociedade permaneceria do mesmo jeito que era a sociedade no tempo do constituinte.
A Constituição brasileira pode ser mudada em qualquer tempo, momento, em qualquer dispositivo? Não. O quorum é diferente do das leis ordinárias. Então, cuidado com os autores, não se prendam a um. Alguns podem dizer que é rígida, outros vão dizer que é semi-rígida, só não é mesmo flexível. O núcleo preservado é a federação, a separação de poderes, os direitos fundamentais, e voto direto, secreto, periódico e universal. Os adjetivos são qualificadores, e não meros adornos. E ainda o professor acrescentaria: votações honestas. Para isso há a Justiça Eleitoral. Isso significa que nenhum inciso dos artigos quinto, sexto e sétimo pode ser revogado, apenas novos incisos podem ser acrescentados. Olhe o § 2º:
Os direitos aqui adquiridos não excluem outros direitos e garantias.
§§ 3º e 4º: os tratados internacionais sobre os direitos humanos entrarão na ordem jurídica brasileira como emendas constitucionais, desde que sejam aprovados pelo Congresso Nacional com os mesmos critérios. Então, se tornarão clausulas pétreas.
Constituições flexíveis: também é uma impossibilidade teórica. Porque, com flexibilidade ao pé da letra, a Constituição não teria supremacia sobre as outras leis, e, dessa forma, paradoxalmente não seria uma Constituição. Qual seria a diferença entre uma Constituição flexível e uma Lei Ordinária? No contexto histórico que temos hoje de Constituições vinculantes, só podemos admitir rígidas ou semi-rígidas. Ultra-rígidas? No tempo de Lassalle as Constituições não tinham prevalência sobre as leis. Hoje têm, e as Constituições têm força normativa. Por mais que continue a cair em concurso esse tipo de questão, esses conceitos não funcionam na verdade, a julgar pela observação da experiência constitucional.
Podem ser: populares (democráticas) ou outorgadas. Nem todas as constituições surgiram de baixo para cima. Algumas constituições surgiram de cima para baixo. Não foram submetidas a processo democrático, mas impostas à sociedade pelo grupo político que comandava aquele país e a sociedade naquele momento histórico. Exemplos: Constituições brasileiras de 1824 e 1937. O imperador dissolveu a assembléia de 1823 porque ela estava dando sinais claros de que o imperador teria seus poderes limitados. Então, ele outorgou a primeira Constituição. Não foi democrática. Muito embora D. Pedro I tenha tido muita popularidade. Já a Constituição de 1891 foi complicada: houve assembléia, mas não havia voto direto, nem secreto nem universal. As eleições eram fraudadas. Então, foi outorgada ou promulgada? Nenhuma das duas classificações. Houve um poder constituinte; logo não foi um ato de força como em 1824. Foi uma comissão de cinco que mandou para Rui Barbosa o projeto, que por sua vez deu uma revisada e mandou para assembléia. Em três meses ela foi promulgada. Então, oficialmente ela foi promulgada. Mas Deodoro da Fonseca dissolveu a Câmara, depois é deposto. A Constituição de 1891 era uma folha de papel, sem força normativa. Não havia controle sobre a constitucionalidade dos atos. Foi cópia da Constituição americana, então o controle estava previsto, mas nunca foi aplicada.
Esses critérios são conceituais. Servem em alguns casos, outros não.
Se a Constituição é flexível, ela não pode ser chamada propriamente de Constituição. Se o critério para mudar é o mesmo para mudar uma lei qualquer, então a Constituição e as outras leis estão em pé de igualdade, e, portanto, não é Constituição.
A de 1891 não foi popular, nem democrática, foi de gabinete. Mas não foi uma outorga.
1934: Constituição popular, que surge num contexto de uma transformação da sociedade. Se o professor fosse historiador, ele diria que a republica brasileira começa em 1930. Os coronéis tiveram seus poderes muito mais elevados na primeira republica. Eram uma espécie de senhor feudal.
1937: típico exemplo de Constituição outorgada. Vargas rasgou a Constituição que tinha acabado de fazer (1934) e outorgou a dele próprio. Francisco Campos, vulgo Chico Ciência ¹ foi seu redator. Baseada na Constituição da Polônia, foi por isso que a Constituição brasileira de 37 ficou conhecida como "a polaca". Vargas nomeou interventores para os estados, removeu governadores, numa atitude muito napoleônica. Governou 10 anos sem eleições, Congresso, Justiça Eleitoral (que ele mesmo tinha criado em 32).
1946: bem mais popular que 1891, não foi outorgada. A participação das pessoas aumentou muito, principalmente por causa do voto feminino. Aqui surgiram partidos de massa, PTB, UDN, PSD... dura até 64, quando vem mais uma outorgada em 1967 ².
Analíticas (chamada por alguns de prolixas) e sintéticas. Ligadas ao tamanho. O que é essencialmente constitucional e o que é apenas formalmente constitucional? Alguns acham que a regulamentação da reforma agrária deveria estar em Lei Ordinária, não na Constituição. As Constituições de 1891 e 1934 foram sintéticas. A nossa atual é analítica. Não são os teóricos da Constituição que são os constituintes, então há coisas lá que não deviam estar mesmo.
Um
bom teórico da
Constituição na opinião do professor
é
Paulo Bonavides.
Quarta-feira terá
revisão.
1-
http://www.jusbrasil.com.br/noticias/96772/quem-foi-chico-ciencia-claudio-campos
2- O professor não teve tempo de falar das
Constituições de 67 e 88 nesta aula.