Ações Constitucionais
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Hoje, às 14:00, terá um julgamento muito importante no Supremo: o da infidelidade partidária. O Tribunal Superior Eleitoral baixou uma resolução criando regras sobre o procedimento em caso de infidelidade de políticos, especialmente os recém-eleitos. O Procurador Geral da República diz que o TSE, sendo um órgão do judiciário, não tem competência para criar tal resolução. Quem perder pode assistir a reprise na TV Justiça, à noite.
Falamos na aula passada do controle de constitucionalidade difuso. Nele, como regra, as ações vão de baixo para cima na hierarquia do judiciário.
Desde a Emenda Constitucional nº 45 há dois mecanismos que limitam o acesso ao Supremo. Um é a repercussão geral, que diz que a ação deve ter reflexo em mais casos, não apenas entre as partes, e a súmula vinculante. “Sumula”, como vimos, é um resumo, uma síntese da jurisprudência predominante do Supremo. Quando a Emenda 45 criou a Súmula Vinculante, ela deu, praticamente, a capacidade ao Supremo de legislar, já que as Súmulas têm efeito erga omnes.
A
tendência é mesmo concentrar
poderes no Supremo Tribunal Federal. Inclusive por causa do controle
difuso.
Isso criava atritos na magistratura brasileira. Daniel Dantas: o
plenário do Supremo
julgou o habeas corpus concedido
nas
férias pelo presidente da Corte Gilmar Mendes. O curioso nesse
julgamento não
foi apenas a argumentação, mas o debate político. A turma do STF pegou
muito
pesado com os juízes de primeiro grau, com os magistrados do Tribunal
Regional Federal
e do STJ, acredita o professor. Falamos do habeas
corpus porque hoje vamos falar das ações constitucionais. São
ações que
estão previstas expressamente no texto da própria Constituição,
relacionadas no
art. 5º como garantias fundamentais. No geral, a ação é um processo
acessório,
um direito adjetivo: quando sofre-se um dano, aciona-se a justiça para
buscar o
direito de reparação daquele dano.
Art. 5º, inciso LXVIII:
TÍTULO
II
Art.
5º Todos
são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
termos
seguintes: [...] LXVIII - conceder-se-á "habeas-corpus" sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder; |
Vamos ver como esses instrumentos se colocam no sistema de proteção aos direitos. Para que serve o habeas corpus, para a proteção de que tipo de direito? Do direito de ir, vir e permanecer. Direito de locomoção. Cabe habeas corpus quando houver abuso de poder ou de autoridade por parte de um agente do Estado, ou mesmo se esse agente praticar alguma ação ilegal contra o indivíduo. Também é cabível habeas corpus quando o sujeito tiver razões para acreditar que sua liberdade será violada no curto prazo. Como o Estado detém o monopólio do uso da força, não cabe habeas corpus contra ações de constrangimento ilegal e cárcere privado de particulares, pois esses são crimes.
Há duas modalidades:
No primeiro, pede-se um salvo-conjunto. No segundo, pede-se uma ordem de soltura. Pode-se ajuizar preventivamente o habeas corpus fundamentando-se as razões para se acreditar que se terá a liberdade restrita. Não é necessário advogado/ qualquer pedaço de papel pode ser usado. Inclusive um escrito em papel de pão foi acolhido, disse o presidente do Supremo Ministro Gilmar Mendes dia 14/07, quando perguntado se a Corte privilegia casos de réus ricos. No caso Daniel Dantas e operação Satiagraha, a Polícia Federal estava grampeando todos, reunindo provas e investigando o banqueiro. De repente, sai uma notícia na Folha de S. Paulo dizendo que o indivíduo “estava prestes a ser preso”. O inquérito, que foi vazado da PF para a mídia, levou os advogados do sujeito a impetrarem um habeas corpus preventivo. Esse HC foi ajuizado na instância em que o processo estava correndo. Depois recorreram ao TRF, depois ao STJ; todos negaram o pedido. Quando o HC chegou ao Supremo, o sujeito já estava preso. O ministro Gilmar Mendes, nas férias, concedeu a ordem de soltura, convertendo o HC de preventivo para liberatório em favor de Dantas, e ele foi solto.
No mesmo dia, o juiz federal Fausto de Sanctis, alegando que se baseava em novas provas, inclusive a gravação em vídeo da tentativa de suborno em que um associado de Dantas oferecia 1 milhão de Reais a um delegado da PF para que ele removesse o nome do banqueiro e sua irmã do inquérito, expediu outro mandado de prisão. A prisão, que antes era provisória, foi preventiva, desta vez, já que o réu, por meio de seus emissários, poderiam interferir no processo e também no comportamento das testemunhas. Gilmar entendeu que aquilo foi uma afronta à autoridade de sua decisão. Desta vez, o ministro, desprezando a súmula ordinária 691, expediu novo alvará de soltura para Daniel Dantas. A súmula diz que o Supremo não pode suprimir as instâncias inferiores para conceder habeas corpus. Isso significa que o HC deveria tramitar em todos os níveis do judiciário até chegar ao Supremo. O advogado de Dantas impetrou o segundo habeas corpus diretamente no STF.
Fiquemos atentos para os desdobramentos desse caso.
A Suprema Corte é muito liberal em matéria de habeas corpus. Quando se decreta a prisão preventiva de alguém, o sujeito não deve ficar preso por muito tempo sem um processo. Isto está previsto no art. 5º da Constituição, no inciso LVII:
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; |
Trata-se do princípio da presunção de inocência ¹. Só se pode ser declarado culpado depois que não couber mais nenhum recurso. Mas o Estado detém de meios para evitar que alguém pratique crimes ou continue praticando-os, ou interferindo nas investigações ou mesmo no processo. São os institutos da prisão em flagrante, prisão provisória e prisão preventiva. O habeas corpus em geral não é concedido quando se entende que há razões para manter o sujeito preso.
Um perigo é a banalização da concessão de HCs. O Supremo inclusive já está com a reputação arranhada nesse particular: enquanto foi considerado bem atuante no caso da ADIN contra a lei de biossegurança e questões de nepotismo e fidelidade partidária, ele ficou com o estigma de passivo e leniente em relação a questões penais, especialmente de corrupção.
O
habeas corpus é uma ação e garantia
constitucional que tem por
objetivo proteger o direito de locomoção de qualquer ato abusivo de
autoridade.
Não apenas para processos penais.
Mandado = ordem. Diferente de mandato, que significa representação, procuração.
Na forma que possui, é invenção puramente brasileira, começou na República Velha com Rui Barbosa. Inspirou-se no habeas corpus, mas amplificando a lista de direitos sujeitos à proteção. Consolidou-se até 1937, quando entrou em vigor a Constituição do Estado Novo, e retornou na República de 46.
LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público; |
Serve para proteger qualquer direito que seja liquido e certo. O que é isso? Direito sobre o qual não haja dúvidas quanto à questão fática. Para a concessão do mandado de segurança, não existe fase probatória e a tramitação é bem rápida. A idéia é evitar que alguém continue sofrendo prejuízo a direito certo.
Quem pode entrar com mandado de segurança? Aqui, é necessário advogado. E quem são os entes coatores, alvos do mandado de segurança?
Vejamos. O CEUB oferece o serviço de educação superior. Entende-se que a educação é uma atribuição do poder público. O CEUB oferece a educação por delegação, concessão do poder público. A educação superior no Brasil não é livre. Precisa-se passar pelos trâmites burocráticos para que seja aberta uma nova instituição de ensino. Logo, derivado daquele entendimento, também se entende que os diretores do CEUB se equiparam a autoridades públicas. Isso significa que eles podem ser sujeitos passivos num mandado de segurança. Se a instituição, por exemplo, se negar a conceder um diploma, há o “remédio” previsto na Constituição. Neste caso, o mandado de segurança tramitará nas Varas de Fazenda Pública.
Observação: estes detalhes processuais, que veremos em direito processual, não serão cobrados em prova.
Logo, os entes sujeitos ao mandado de segurança são, portanto, os agentes públicos ou particulares que prestam serviços da competência do poder público. Quando falamos em “direito líquido e certo”, estamos falando em todos os direitos, com a exceção do direito de ir e vir, que deve ser pleiteado por meio de habeas corpus. Também entende-se, dessa expressão, que “não deve haver margem para discussão ou dúvida em relação ao indivíduo ter ou não os direitos descritos”. Isso deve vir explicado na peça, por isso a fase probatória não existe numa ação de mandado de segurança.
Há também o mandado de segurança coletivo, existente desde 1988. Serve para proteger o interesse de toda uma coletividade:
LXX - o
mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:
a) partido
político com
representação no Congresso Nacional; |
O
habeas corpus e o mandado de
segurança estão intimamente
relacionados. O habeas
corpus já é bem antigo, o mandado de segurança
relativamente antigo, mas já o...
Mandado de injunção, por sua vez, é uma novidade.
LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania; |
Há direitos na Constituição que precisam de lei regulamentadora para serem efetivados. O mandado de injunção se associa às normas com a expressão "na forma da lei". Se não houver lei regulamentando a forma de exercício de tais direitos, eles ficam apenas na promessa constitucional. Não existem direitos fundamentais absolutos. Uns porque eventualmente colidem com outros, outros porque realmente precisam de uma lei para a delimitação do exercício desse direito, definindo-lhe a forma com que se procederá para garanti-lo. Logo, esta é mais uma forma de limitação dos direitos fundamentais. Essa limitação é razoável, já que requer e deve requerer uma lei que regulamente o exercício desse direito, mas não pode, por outro lado, fazer com que o indivíduo dependa do legislador por tempo indeterminado para que esse direito seja garantido. É uma ação enviada diretamente ao Supremo.
Qual é a conseqüência? No início dos tempos constitucionais, os primeiros mandados de injunção foram julgados por um corpo de ministros formados no âmbito do regime constitucional anterior, que era civilista, romanista e conservador. Acreditava-se que o instituto interferia na tripartição de poderes, logo o mandado de injunção foi jogado no esquecimento.
Quanto à legislação de greve, que regulava apenas o setor privado mas não a greve do serviço público, ficou acertado, até que viesse uma legislação própria para os servidores públicos, que a greve do setor seguiria as mesmas regras da lei de greve para a iniciativa privada. Foi quando o mandado de injunção começou a ter uma utilidade.
Para
que serve? Visa reparar a
omissão inconstitucional: quando um direito é assegurado pela
Constituição mas
outro poder se omite a regulamentá-lo. A inconstitucionalidade da lei
não é
apenas pela ação, mas também pode ser por omissão. A omissão
legislativa também
pode ser considerada inconstitucional pelo próprio fato de o poder
competente
não defender a própria Constituição na medida em que deixa de produzir
a lei
necessária para regulamentar determinado direito. O mandado de injunção
é uma
ação subjetiva.
LXXII -
conceder-se-á "habeas-data":
a) para
assegurar o
conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante,
constantes de
registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter
público; |
Também é um recurso pouquíssimo usado ². Serve para:
Não
significa o direito de
destruir, mas de rever.
LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência; |
Qualquer
cidadão está legitimado
a entrar com uma. É um direito muito interessante. Qualquer brasileiro
pode
fazer isso, e não precisa do Ministério Público. Serve para proteger o
patrimônio
público, o meio ambiente, o patrimônio histórico e cultural e a
moralidade.
Está no inciso LXXIV do art. 5º:
LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos; |
Direito à assistência jurídica caso se prove que o sujeito é hipossuficiente. Este inciso nos lembra um problema da Constituição de 88: ela delegou muitos poderes para o Ministério Público, mas pouquíssimos para a Defensoria Pública.