Direito Constitucional

terça-feira, 13 de agosto de 2008


Ferdinand Lassalle e a Essência da Constituição


Tópicos:
  1. Contexto dos séculos XIX e XX
  2. Idéias de Lassalle
  3. Avisos

Contexto dos séculos XIX e XX

Deve-se compreender o contexto histórico em que ele escreveu isso. Foi a segunda metade do séc. XIX. Lassalle morreu aos 39 anos, provavelmente num duelo porque estava tendo um caso com a mulher de outro homem...

Sugestão de leitura: O que é uma Constituição Política, do próprio Lassalle. É o mesmo texto, com diferenças de tradução e edição. Tem uma pequena biografia do autor inclusive. Como era a Europa no tempo de Lassalle?

Vimos na aula passada que a Revolução Francesa, que começa em 1789, foi o grande momento de afirmação da classe burguesa, na virada de mundo feudal, antigo regime, para aquilo que conheceremos como Estado moderno, a sociedade moderna, direitos universais e direitos do homem. Não mais um soberano absolutista que manda em todos e tem privilégios, mas agora há a idéia de uma vontade geral como síntese da idéia de soberania. A soberania popular começa a se afirmar. A classe burguesa chega ao poder, afirma valores como o da livre iniciativa, liberdade religiosa, direito de propriedade, ampla defesa, etc.; tudo isso se afirma nessa primeira fase de mudanças na época da transição do séc. XVIII para o XIX. Ha, entretanto, um caráter ideológico: as mudanças foram feitas em nome do “homem”, do ser humano, e não da classe burguesa, que foi quem de fato fez a revolução. Os interesses buscados eram muito específicos. Foi isso que ocorreu na França.

Também vimos um pouco sobre os fatos da revolução: a queda da Bastilha, o terror, radicais, jacobinos, leia este post do blog. ¹

Só se conclui esse ciclo tenso e violento com a chegada de Napoleão Bonaparte ao poder. Ele dá uma nova centralizada política e jurídica ao poder, é carismático, encerra a onda de execuções, e, de alguma maneira, acena para a nobreza que ele não iria simplesmente destruir tudo. Depois se auto-proclama imperador e expande os domínios da França através de uma grande campanha militar: as guerras napoleônicas que agitaram a Europa Ocidental. A Europa Ocidental respondia, na época, por todas as colônias africanas, americanas e asiáticas. Quando Napoleão é derrotado, ocorre o Congresso de Viena. É uma espécie de ancestral de organizações como a ONU. Foi nesse congresso que ficou definido onde seria a Prússia, a Áustria, a Polônia, etc. Quando Napoleão é derrotado em Waterloo, os países se reúnem em Viena e fazem o rateio dos espólios. É mais ou menos nessa forma que ficou o desenho do mapa da Europa do séc. XXI.

A Prússia é a que mais gostou dessa partilha. Entretanto, não era um país. O que chamamos de Alemanha hoje era, naquela época, uma confederação de principados, a chamada Confederação Germânica. Era o até então Sacro Império Romano-Germânico. A história da Alemanha unificada só começa mesmo no séc. XX. Havia desde o Congresso de Viena a idéia de unificar os territórios alemães, mas isso não se confirmou por causa da divergência entre Prússia e Áustria.

A Prússia ganha força por causa do rompimento de barreiras alfandegárias entre os países e isso realmente fortalece a região. Quando chega a época de 1840-1845, a Confederação Germânica já era uma potência econômica. Já possuía indústrias, trabalho, acumulação de capital, exportava, arrecadava... porém ainda era governada por leis feudais. O poder ainda se afirmava na figura do monarca soberano, cujo exército jurava defendê-lo, a aristocracia dava sustentação a esse regime e a burguesia, que trabalhava, estava no limite da paciência. Até que, em 1848, uma revolução popular explode na Prússia. Quem participa dela ativamente é o próprio Ferdinand Lassalle. Ele era era professor, advogado e socialista; era um pequeno burguês. As insatisfações eram que não seria possível um comércio desenvolvido se ainda se deviam pagar tributos aos lordes luxuosos. A motivação foi mais ou menos aquela que subverteu a França cerca de meio século antes.

Depois é a vez da Áustria, Suíça, e todos os países do ocidente europeu. São as revoluções burguesas do séc. XIX. A exceção foi a Inglaterra, que teve sua revolução dois séculos antes. 

Por que estudamos tanto sobre a Alemanha, autores alemães, textos e Constituição alemã? É porque houve um revezamento cultural, com o renascimento italiano primeiro no séc. XVI, e depois do renascimento teve essa fase de contestação por meio da arte, o Iluminismo, a revolução filosófica, fatos esses essencialmente franceses, sucedidos por Napoleão, guerras, declínio de Napoleão e, depois de tudo isso, com o fortalecimento da região da Prússia, o centro cultural passa para a Alemanha.  

1848 é o ano da revolução na Prússia, seguida por imitações do movimento burguês que pipocaram nos demais países europeus. Buscava-se garantir que, do processo revolucionário, nascesse uma nova constituição, que garanta liberdades, direitos, que estabeleça a segurança do país. O sonho constitucional acompanha a humanidade ocidental num momento em que ela decide se emancipar. É um sonho de emancipação. A indagação que servia de motor revolucionário era “por que nós, seres humanos, livres, dotados de inteligência, precisamos ficar submetidos a um poder opressor, seja de uma nobreza ou de um monarca?" Esse era o questionamento para convencer a consciência do povo, a consciência social a se mobilizar contra a opressão e a injustiça. a Constituição passa a ser o veículo de pregação desses valores. Aconteceu primeiro na França, depois na Prússia. Foi editada a Constituição de Frankfurt, de 1848, que adotava, entre outras coisas, o sufrágio universal. Leia este post ² do blog do professor sobre a Prússia e a Constituição. É um texto de Wikipedia, então cuidado, cheque as referências ³ no final do artigo. O texto serve para entender a comparação entre o caso francês e o caso prussiano.

Essa Constituição não é aceita pela monarquia, que submete ao parlamento outra Constituição, que é aprovada em 1850. Embora já seja um avanço, ela mantém privilégios e não prevê o sufrágio universal. Tem voto censitário e cria o Senado da Republica. Lassalle quase morreu de desgosto. Era contemporâneo de Marx.

O feudalismo vai ficando pra trás na memória, o acúmulo de capital já está se fortalecendo, a revolução industrial está no auge. Mais difícil não foi promover mudanças na economia, mas sim na política e no Direito, que mexem com o exercício do poder: de comandar o exército, de fazer leis, o direito de mandar. O industrial capitalista está lá, mandando em seus empregados, mas não na nação. Nesse momento ainda é a monarquia e aristocracia que tem poder, mas vão sendo gradativamente substituídos pelos burgueses.

Isso tudo e mais um pouco entrega para o séc. XX uma herança de políticas não resolvidas: por isso há revoluções e guerras mundiais. Primeira guerra, ascensão de Hitler, nova tentativa de reconciliação, segunda guerra, que se aproveitou da tecnologia militar para aumentar exponencialmente o numero de mortes. Depois guerra fria, ameaça nuclear e de guerra de mísseis balísticos, então pensam até na caveira de Hamlet, “to be or not to be”: “o que há de ser depois disso tudo?” Einstein até disse: “não sei se teremos uma terceira guerra mundial, mas a quarta será uma guerra de paus e pedras.” Tudo isso por causa do século XIX mal-resolvido.

Idéias de Lassalle

Lassalle inventa o “constitucionalismo sem constituição”. Ele defende que a Constituição real é outra coisa, diferente daquela escrita naquele papel: a constituição real de toda e qualquer sociedade (a Essência da Constituição) é diferente. O que é a essência de uma Constituição? O que torna algo verdadeiramente uma Constituição? Como ela deve ser pra ser chamada de Constituição? Toda teoria constitucional tem que responder a essas perguntas. Lassalle começa seu pensamento por aí. A Constituição é a soma, a conjunção dos valores e fatores reais que vigoram naquele país. Lassalle tem uma visão sociológica, jurídica e anti-dogmática. Lança perguntas e só as responde no final da obra. O que é verdadeiramente uma Constituição? O que deve ter uma Constituição para ser chamada como tal? Um jurisconsulto diria que é um pacto social e invocaria a teoria contratualista; se for uma república, é um documento político de uma nação, que serve também para organizar o poder e distribuir direitos. Isso não é suficiente para Lassalle. O que é essencialmente constitucional? Essa é a pergunta para toda e qualquer sociedade.

Primeiramente, é necessário que a Constituição seja fundamental. Mas o que é fundamental?

Fundamental é o necessário? Na construção de uma casa, o que se faz primeiro? A fundação, o fundamento. então sim, fundamento é necessário. Ela também deve ser a base para a gênese das outras leis. A validade destas tem que vir da validade da Constituição. Vamos imaginar, por absurdo, que ocorreu um incêndio na Prússia (situação hipotética proposta por Lassalle). A biblioteca que continha o registro de tudo pegou fogo. E agora? Se de repente todas as leis de um país deixassem de existir por um acidente desses? Mais ou menos como na revolução, mas não exatamente. Pegou fogo e pronto. Poderia o parlamento, o legislador, reescrever a legislação do jeito que ele bem quisesse? Claro que não. Se o legislador se achasse no direito de fazer uma lei atrás da outra, de forma totalmente arbitrária, a monarquia poderia mandar o exército prender e bater em todo mundo. Quais seriam, entao, os fatores reais de poder político nessa sociedade? E hoje, quais são eles?

Monarquia, aristocracia, a grande burguesia, mercado financeiro. Pra ele, a Prússia era isso. Era a soma desses fatores reais de poder. Em caso de desespero, o povo. Então, para Lassalle, a verdadeira Constituição não estava no papel. Mas é assim até hoje? Podemos dizer que a visão dele é a certa, perfeitamente?

Ferdinand Lassalle também abre uma discussão muito interessante sobre o poder constituinte, mas não fecha. Ele não menciona as condições para o exercício desse poder constituinte.


Avisos

Não parem de ler o blog. Lá contém os artigos postados pelo professor com os fundamentos históricos das constituições. As notas de Direito Constitucional devem ficar mais ricas quando o professor começar as aulas mais esquemático-expositivas. Aparentemente, o conteúdo do blog, somados aos três textos que ficamos encarregados de ler (A Essência da Constituição, a Força Normativa da Constituição e o texto de L.R. Barroso), somado ao livro A Era dos Direitos, já dão o embasamento necessário por hora, já que não estamos vendo o Direito Constitucional positivo ainda. Conferência de 1863 de Ferdinand Lassalle na Prússia. Leia. É um texto histórico importante, uma referência ao que estudamos em nossa área. A visão sociológica da Constituição voltou a ter um espaço interessante no estudo do Direito Constitucional e também na questão do poder constituinte. De onde vem a força que inaugura a ordem constitucional, a ordem jurídica de um determinado país? então, Lassalle tem uma visão bastante crítica das constituições dos países, às quais chama de “meras folhas de papel”. O que é essencialmente uma Constituição? Leia o blog e a apostila com o texto A Essência da Constituição.


1- http://constitucional1.blogspot.com/2008/08/revoluo-e-constituio.html 
2- http://constitucional1.blogspot.com/2008/08/prssia-e-constituio.html

3- http://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%B5es_de_1848