Direito Penal

quinta-feira, 2 de outubro de 2008


Concurso de agentes

Vamos ver esse assunto em duas aulas, que é cheio de detalhes.

Tópicos:

  1. Introdução
  2. Conceito informal
  3. Conceito e momento
  4. Requisitos
  5. Desistência voluntária e arrependimento eficaz
  6. Cumplicidade em ações neutras
  7. Autoria e participação

Introdução

A questão é saber quando há uma situação de concurso eventual de agentes. Como vimos na aula de classificação de crimes, eles podem ser monossubjetivos ou plurissubjetivos. Os primeiros são aqueles em que podem ser cometidos por um único agente, apesar de não afastar a possibilidade de vários concorrerem no ato; pode haver concurso eventual de pessoas, porém não necessariamente. Mas ainda assim continua sendo crime monossubjetivo, pois a classificação é normativa. Já os plurissubjetivos, que são a exceção, são crimes que só podem ser praticados por múltiplos agentes, como o bando ou quadrilha e a rixa. Concurso de agentes tem a ver exclusivamente com crimes unissubjetivos. Inclusive, não faz sentido falar em concurso de agentes em crimes plurissubjetivos pois a presença de múltiplos agentes é um pressuposto da própria classificação desse tipo de crime.

 

Conceito informal

Há concurso de agentes quando várias pessoas tomam parte num determinado crime, seja como autores ou partícipes.

Simplificando, autor é o que pratica a ação principal descrita no tipo. Se houver vários autores, então haverá co-autoria. Homicídio: quem mata. No estupro: quem constrange. Se vários atiram ou vários concorrem para o constrangimento da mulher que culmina na conjunção carnal, como um penetrá-la, enquanto outro lhe mantém a arma na cabeça, há co-autoria. Co-autoria ocorre quando várias pessoas, na condição de autores, tomam parte.

Partícipe: ocorre participação quando um sujeito pratica uma ação secundária em relação ao autor principal. Não chega a ser propriamente autor. Exemplo: Cebolinha deseja matar Mônica, mas precisa saber onde ela se reúne com as amigas. Cascão sabe e dá essa informação a Cebolinha. Cascão é, portanto, partícipe. Ou então aquele que fornece dinheiro para o executor pegar um táxi, ou fornece a arma, etc. Se houver vários partícipes, haverá co-participação.

Para ser considerado autor, o sujeito não precisa ser maior de idade. Há concurso de agentes mesmo quando no grupo há pessoas não-imputáveis.

Não é qualquer ato que pode ser considerado como uma intervenção ou participação penalmente relevante. Só se pode tomar como relevante algo como regra ativa na ação. Exemplo: havia um casal no qual o marido carregava, ao andar num táxi, uma mala com cocaína. O taxista, transportando-o, em seguida pegou a esposa do traficante, que entrou no carro de mãos vazias. Ambos foram presos pouco depois, acusados de tráfico de drogas. A mulher apenas sabia do que o marido fazia. O simples fato dela saber é suficiente para que ela seja imputada penalmente? Não. Não basta saber que alguém é criminoso ou que vai praticar um crime para que o sabedor seja considerado partícipe. Simples omissão ou simples conhecimento não são suficientes para a configuração de concurso de agentes, exceto se o sabedor for ao mesmo tempo um omitente que está na condição de garante. Há um entendimento de que, sendo a mulher esposa do sujeito, espera-se que ela seja solidária para com o marido, inclusive no crime. Até moralmente espera-se que ela seja fiel.

Primeiro, não havia provas de que a mulher realmente sabia das drogas na bolsa do marido, apenas indícios. Segundo, o só fato de saber não é suficiente para que ela seja penalmente imputada. Nesse caso verídico, a mulher acabou passando quatro anos presa. Houve, portanto, violação do princípio da legalidade e da pessoalidade da pena.

Ainda que alguém goste e sinta prazer em ver outro praticando um crime, como de estupro ou lesão corporal, ainda não é suficiente para que o "espectador" seja penalmente imputado. O mesmo para o fato de alguém que tenha ficado feliz porque o pai foi morto deixando uma herança.

 

Conceito e momento

Há concurso de agentes quando duas ou mais pessoas tomam parte num crime dolosa ou culposamente. Isso pode acontecer em qualquer momento do iter criminis, ou seja, desde a fase de cogitação até a fase de execução (tentativa e consumação). Em geral as pessoas cogitam, idealizam, planejam e executam o crime; normalmente, o crime é cogitado por todos e todos executam. Mas nem sempre todos que cogitaram chegam a tomar parte na execução. Há por exemplo o caso de um paralítico que orquestrou um assalto a banco, mas que, obviamente, não participou da execução. Ele também está dentro de um concurso de agentes. Uma mulher que contrata um pistoleiro para matar o marido toma parte na cogitação, mas não fez parte da execução; ainda assim houve concurso de agentes.

Não há concurso de agentes se alguém toma parte apenas na fase de exaurimento. Como alguém que ajuda um homicida a ocultar o cadáver. Nesse caso, esse sujeito responderá por um crime autônomo: co-autoria em ocultação de cadáver:

        Destruição, subtração ou ocultação de cadáver

        Art. 211 - Destruir, subtrair ou ocultar cadáver ou parte dele:

        Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

Ajudar a esconder carro: favorecimento real:

        Favorecimento real

        Art. 349 - Prestar a criminoso, fora dos casos de co-autoria ou de receptação, auxílio destinado a tornar seguro o proveito do crime:

        Pena - detenção, de um a seis meses, e multa.


Requisitos

Em geral os autores falam em quatro. O professor concorda apenas com o primeiro dos descritos a seguir:

Vínculo subjetivo ou adesão subjetiva: Também chamado de vínculo psicológico. Só há concurso de agentes quando duas pessoas, ou mais, tomam parte num crime conscientemente. Em geral, há um ajuste prévio para o crime. Como assaltar um banco. O crime não necessariamente precisa ser doloso. Isso é objeto de divergências doutrinárias, mas geralmente aceita-se o vínculo subjetivo mais nos crimes dolosos do que nos culposos. Ou seja, esse vínculo subjetivo quase sempre coincide com o próprio dolo. É a intenção de tomar parte num crime dolosa e conscientemente; vontade consciente. Em geral isso corresponde a um ajuste.

No entanto, pode ocorrer concurso de agentes mesmo com a recusa de outras pessoas. Por exemplo: Magali está indignada com Quinzinho, seu namorado, e decidiu matá-lo. Há pessoas que querem ajudá-la. Magali, por orgulho, recusa a ajuda. Ainda assim Denise, sua amiga e bajuladora, lhe ajudou de alguma forma. Então, há vínculo subjetivo independentemente da recusa. Outro exemplo: há um ladrão no condomínio, que invade cada casa da rua para furtá-las. A empregada de uma das casas, por raiva de sua patroa, facilita o furto na casa onde trabalha por deixar a porta aberta, mesmo que o delinqüente não saiba que foi ajudado. Podemos dizer que houve vínculo subjetivo ou psicológico entre os dois agentes.

Mas há uma situação diferente: imaginemos que uma vítima acaba de ser esfaqueada por um sujeito, que se evade do local. Em seguida passa por perto outra pessoa, que simula um socorro à vítima e furta sua carteira. Isso é considerado concurso de agentes? Não. São crimes autônomos. Nesse caso, não há concurso de vontades, nem vínculo subjetivo.

Se dois decidiram ao mesmo tempo matar alguém, sem se conhecer, e os dois atiram na vítima ao mesmo tempo, então ocorre autoria colateral: quando duas pessoas tomam parte num crime autonomamente, sem que um saiba dos planos do outro. Também não há vínculo subjetivo.

Pluralidade de agentes: é outro requisito, dentre os três criticados pelo professor. Claro que, se há uma pessoa apenas, não pode haver concurso de agentes. A pluralidade de pessoas cometendo o crime é um pressuposto, não um requisito. As ações delas não precisam ser iguais.

Nexo causal: é a aplicação do concurso de agentes na teoria da relação de causalidade, ou seja, na teoria da conditio sine qua non. Nexo causal é: deve haver uma relação de seqüência necessária entre as várias ações. Logo, se não houver, tais ações serão penalmente irrelevantes; há situações em que várias pessoas intervêm e, se eliminarmos a participação de algumas dessas pessoas do raciocínio, o crime ocorreria do mesmo modo. Como as participações de menor importância. No seqüestro, por exemplo, podemos eliminar o papel da “baby-sitter”, do faxineiro do cativeiro, do telefonista da quadrilha, etc; o seqüestro ocorre do mesmo jeito:

        Seqüestro e cárcere privado

        Art. 148 - Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado: [...]


Note que o tipo é apenas o “privar alguém de sua liberdade”, logo, o papel da babá do cativo pode ser eliminado sem que o seqüestro deixe de se consumar. Em última análise, se conseguirmos aplicar a sério a teoria da conditio sine qua non para o concurso de agentes, levaríamos a grande maioria dos casos à impunidade.

Unidade de crimes: se várias pessoas tomam parte num homicídio, todas respondem. A conseqüência da configuração do concurso de agentes é a imputação de um mesmo crime para todos. Acontece que a unidade de crime não é um requisito, é conseqüência, pois já pressupõe o concurso de agentes. E, também, nem sempre ocorre essa unidade de crimes. Pessoas podem tomar parte num estupro e responderem por crimes diferentes. É uma regra, mas há exceções a esse princípio da unidade de crimes. No estupro, por exemplo, um dos criminosos pode adormecer a vítima, outro transportá-la para uma sala, e outros dois praticarem a conjunção carnal.


Desistência voluntária e arrependimento eficaz

Já estudamos esses dois conceitos quando falamos sobre a consumação e tentativa. Se houver desistência voluntária ou arrependimento eficaz, o que acontece? O agente não responde por tentativa, apenas pelos já praticados:

        Desistência voluntária e arrependimento eficaz

        Art. 15 - O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados.


Se a desistência ou o arrependimento forem ineficazes, então haverá crime consumado. O que isso tem a ver com concurso de agentes? É que pode ocorrer, no concurso de agentes, desistência ou arrependimento de um deles contra a vontade de outro(s). Como a mulher que contrata o pistoleiro para matar o marido e se arrepende um dia antes. Se ela se arrepende de forma eficaz, haverá quatro hipóteses:

  1. Primeira hipótese: há desistência voluntária ou arrependimento eficaz, então ela não responderá nem por crime consumado nem tentado. Contratar o pistoleiro foi meramente um ato preparatório.
  2. Segunda hipótese: ela se arrependeu, mas não conseguiu entrar o contato com o sujeito a tempo, que matou seu marido apesar do arrependimento. Isso significa que houve desistência ou arrependimento ineficaz. Portanto, o crime se consumou, e ambos responderão por homicídio, na melhor das hipóteses apenas com um atenuante para a pena ela.
  3. Terceira hipótese: imaginemos que ela desiste ou se arrepende, mas o executor não se importa e vai até o final. Ele dá o primeiro tiro, a esposa intervém e mata o pistoleiro. Então há uma desistência ou arrependimento contra a vontade do executor. Então ela não responde por crime tentado, apenas pelos já praticados, conforme o art. 15 do Código Penal. O executor será acusado de tentativa, porque não se consumou por circunstâncias alheias à sua vontade, se sobreviver.
  4. Quarta hipótese: a esposa e o pistoleiro acertaram o serviço, mas este desiste depois de atirar pela primeira vez. O executor agiu contra a vontade do mandante; aquele praticou desistência voluntária ou arrependimento eficaz contra este. Há autores que dizem que, neste caso, ninguém responde por nada, enquanto outros dizem que responderão. Houve um crime tentado por parte do mandante, porque iniciada a execução, o crime não se consumou por uma circunstância alheia à sua vontade. Isso parece ser válido. O executor só responde pelos atos já praticados, mas não por crime tentado (no caso, lesão corporal, já que chegou a atirar contra a vítima).

O Código Penal não prevê nenhuma regra especial sobre isso. Logo, devemos recorrer subsidiariamente aos conceitos de arrependimento eficaz e desistência voluntária nesses casos.

Cumplicidade em ações neutras

Existe um livro, publicado há dois anos, de Luis Greco, com esse título. Levanta a discussão sobre a cumplicidade. As ações do cúmplice, em princípio, são neutras, e não têm nenhuma relevância para o nexo causal. Digamos que Nhô Lau quer matar Chico Bento, e se dirige ao armazém do Seu Manoel para comprar um facão. Manoel sabe das intenções de Nhô Lau, mas o comerciante responderá por crime? Não. Pessoas que praticaram ações neutras responderão por crime? Greco cita vários casos. Se o sujeito (no caso, Manoel) se limita a praticar uma ação legal, como vender um facão, o que está dentro de sua atividade comercial, então não há por que essa pessoa responder por crime, em razão do princípio da pessoalidade da pena. Então, se Manoel emprestou a arma ao agente (Lau), porém sem estimulá-lo à prática do crime, Manoel não deve responder, pois não é responsável pelos atos de Lau, até mesmo por não ser seu pai. Em resumo: em ações neutras, não há por que imputar aquele que as tenha praticado.

Entretanto, se houver estímulo, encorajamento ou instigação, tudo muda; há cumplicidade não em ação neutra, mas já se passou para o plano do incentivo. Nesse caso, o sujeito passa a responder por crime penalmente relevante. A neutralidade foi afastada.
 

Autoria e participação

Alguns Códigos distinguem expressamente as duas coisas. Os Códigos Penais antigos do Brasil faziam essa distinção. O Código Penal em vigor, mesmo com a reforma de 84, não faz mais essa distinção expressamente. Ele adotou a teoria monista, ou teoria unitária, não distinguindo a autoria e participação. No máximo, encontraremos alguns estudos que transigem com essa descrição. Mas não vemos isso explicitamente. O Código entende que essa distinção é muito complexa, problemática, e o legislador achou por bem não fazê-la.

TÍTULO IV
DO CONCURSO DE PESSOAS

        Regras comuns às penas privativas de liberdade

        Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.

        § 1º - Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço.

      § 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave.


Este artigo traz uma variável da teoria da conditio sine qua non.

Há uma equiparação, equivalência na participação de todos. Praticamente todos os códigos do Ocidente fazem essa distinção. No Brasil não há essa distinção. Isso não significa que todos receberão a mesma pena. Mas a pena variará conforme a gravidade da participação de cada um. O Código estabelece uma série de critérios para a fixação da pena; mesmo adotando a teoria unitária, ele fez algumas concessões, e não a adotou de forma absoluta. Por exemplo, o Código previu a figura da participação dolosamente diversa, e também a figura da participação de menor importância.

Alem da teoria unitária ou monista adotada pelo Código Penal Brasileiro, há outras: