Frase do dia: “O bom advogado não é aquele que decora artigos da lei penal, mas que sabe seus princípios.”
Introdução aos princípios penais
Os princípios são idéias derivadas do entendimento da lei. Ao estudar o Código Penal, deparamos com vários. Um deles é o princípio da pessoalidade da pena, também chamado de princípio da responsabilidade penal subjetiva, que veremos com melhores detalhes depois. Eis apenas um exemplo ilustrativo: alguém manda matar o prefeito de uma cidade. Com ele, por acaso havia dois seguranças, que também acabaram mortos, mas a ordem de matar foi somente contra o prefeito. O mandante responde apenas pelo homicídio do prefeito; já os executores responderão pelos três homicídios.
Vejamos agora o caso do psico-assassino-traficante-corruptor que retalhou a adolescente inglesa em Goiás: mesmo confessando, é necessário o trânsito em julgado até que ele seja juridicamente considerado culpado. Há um princípio constitucional que prevê isso: é o princípio da presunção de inocência.
Passaremos agora por uma
discussão sobre o porquê de o
Direito ser tão “bondoso” com os
criminosos, o porquê de não se admitir provas
obtidas ilicitamente, o porquê de a lei retroagir apenas para
favorecer, nunca
para prejudicar, o porquê da existência de um princípio da presunção de
inocência e não da presunção
de culpa. Partiremos, então, das
Ordenações
Filipinas, que era a legislação vigente no Brasil
durante séc. XVII, portanto
anterior ao Iluminismo.
As Ordenações Filipinas e o princípio da legalidade
Comecemos pelo Princípio da Legalidade, que surgiu historicamente como uma forma de proteção do indivíduo contra os abusos. Qualquer conduta poderia ser considerada crime de acordo com o Livro V das Ordenações Filipinas. Tudo era bem fácil de ser enquadrado, geralmente com pena de morte. Boa parte do livro continha dispositivos para reprimir diversas práticas sexuais. Por exemplo, o sexo com animais. Se ocorresse, o “sedutor” seria morto, bem como o animal, que seria queimado. Hoje trata-se apenas de um crime ambiental. Havia também a proibição específica do sexo envolvendo padres, freiras e membros da família. Hoje em dia trata-se apenas de uma questão moral. Pelo teor das matérias sobre as quais o livro dispunha, dizia-se que, ao abri-lo, sentia-se cheiro de sexo, numa alusão à repressão à prática sexual; ao espremê-lo, jorrava sangue, aludindo à cominação da pena de morte para quase todos os tipos de delitos. Portanto, ele recebeu de alguns estudiosos posteriores o apelido de “perereca menstruada”.
Apenas com o Iluminismo do séc. XVIII, principalmente com Montesquieu e Beccaria, respectivamente por suas obras Do Espírito das Leis (1748) e Dos Crimes e Penas (1764), que veremos em criminologia, surgiu um sistema de garantias para proteção dos indivíduos. A lei protege a liberdade de todos.
O princípio da legalidade
traz consigo um brocardo latino
muito famoso: “nullum crimen, nulla
poena, sine lege’’, que significa:
não há crime nem pena sem lei anterior
que os defina. Nenhuma outra fonte, que não a lei, pode
definir crimes ou
estabelecer penas. Isto serve, entre outras coisas, para limitar o
poder do
Estado.
Englobado também pelo princípio da legalidade. Está no art. 5º, inciso II da Constituição de 1988:
Art. 5º Todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,
nos termos seguintes: [...] XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu; |
Novatio legis in pejus: uma conduta que já era crime, e lei posterior passa a dar tratmento mais duro aos agressores. Lei 8072/90 – Lei de Crimes Hediondos. Matar já era crime de homicídio, mas a lei de 1990 agravou as consequências do delito. A lei não retroage. Só atinge os crimes praticados posteriormente à sua entrada em vigor.
Caso Daniela Perez, 1992: até então, homicídio qualificado não era crime hediondo. Graças à manifestação liderada por Glória Perez, a legislação passou a considerar o homicídio como crime hediondo. Infelizmente, a lei não retroagiu a ponto de atingir o condenado, Guilherme de Pádua, cujo caso já havia transitado em julgado quando a lei que redefiniu a classificação do crime de homicídio qualificado para hediondo entrou em vigor, ou seja, o próprio caso que motivara a mudança da lei permaneceu inalterado.
No entanto, a lei pode retroagir para
favorecer o
réu. Ex: abolitio criminis
ou descriminalização.
Em 2001, foi descriminalizado o adultério, ou seja, removido
do Código Penal,
permanecendo apenas como ilícito civil. O mesmo para a sedução
de mulher virgem. Se um indivíduo já
se encontrava condenado por um
desses crimes, por meio da abolitio
criminis ele voltará a ser réu
primário
imediatamente, e sua ficha criminal será apagada. A abolitio criminis
pode se dar
por meio de lei ou interpretação. O STF pode vir
a entender, por exemplo, que a
Lei de Contravenções Penais não
está de acordo com a Constituição
Federal de
1988. A jurisprudência também pode gerar abolitio criminis.
Além disso, pode
ocorrer a...
Novatio legis in mellius: a conduta não deixou de ser crime, mas a pena ficou mais branda por conta de lei nova. Nesse caso, a lei retroage para favorecer o réu. Exemplo: a lei de drogas em relação aos usuários. Certa feita, um sujeito chamado Marcelo Anthony foi beneficiado por esta lei por portar cerca de trezentos gramas de maconha. Não existe mais pena de prisão; há advertência, tratamento, obrigação de frequentar cursos...
O princípio da irretroatividade também fala sobre o Processo Penal? Suponhamos, então, que uma nova lei determine que todas as penas que variem de 10 a 20 anos passem a variar, em vez disso, de 20 a 30 anos. A lei retroage? Não. Mas e na parte processual penal? Diga-se, por exemplo, que lei nova passe a prever prisão preventiva obrigatória. Ou então, extingue-se a liberdade provisória. De acordo com os processualistas, as leis processuais penais têm aplicação imediata, logo podem retroagir para prejudicar o réu. Isto está no art. 2º do Código de Processo Penal:
Art. 2º - A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior. |
Caso Fernandinho Beiramar: depois de
transitada em julgado a decisão, o caso motivou a criação do RDD, o
Regime
Disciplinar Diferenciado, que é um
regime fechadíssimo. A colocação ou
não de um condenado em RDD é assunto
processual. Entretanto, entendeu-se que a norma que criou o RDD pode
retroagir,
e o próprio Beiramar ficou a ele sujeito.
Não basta que a lei defina o crime e comine a pena; ela deve dizer o mais claramente possível em que consiste o crime e qual é a pena. O Princípio da Taxatividade diz que a lei deve redigir muito exatamente a conduta para que sejam evitados os abusos do juiz. Sem este princípio, a lei poderia ser burlada facilmente. Ex: ato obsceno em lugar público. Outro: estupro. Sexo anal, oral e outras variações não são consideradas estupro, pois a lei o define, no art. 213 do Código Penal, como: ¹
Art. 213 - Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça [...] |
Há um grupo de leis chamadas “leis penais em branco”. De acordo com Karl Binding, a lei penal em branco é “uma alma errante em busca de um corpo”. São normas incompletas que remetem sua complementação a uma outra norma. Vejamos o tráfico: a lei de drogas o define como exportar, importar, trazer consigo, expor à venda e mais outros 14 verbos. Mas que droga? Anabolizantes? Medicamentos comprados em farmácia? Bagulho? Há pessoas que já foram presas pelo porte de qualquer desses tipos. Para melhor definir que drogas exatamente que podem ser associadas ao crime de tráfico, é necessária uma portaria da ANVISA. No caso, é uma norma penal em branco heterogênea, que remete a uma norma de hierarquia inferior. Normas penais em branco homogêneas, portanto, são aquelas do Código Penal, ou de outra lei ordinária que remetem a outra lei de igual hierarquia, como o Código Civil.
Para alguns autores, o princípio da reserva legal é o mesmo princípio da legalidade em sentido amplo. No Direito Civil e no Direito Administrativo, há o princípio da legalidade mas não como reserva legal. Aqui no Direito Penal sim, a legalidade é vista como reserva legal. O legislador não pode criminalizar fatos por outras fontes que não a lei. Por exemplo: medida provisória. Em princípio, as MPs não podem dispor sobre matéria penal, nem decretos, nem regulamentos nem portarias. A única fonte do Direito Penal é a lei, e só ela pode definir crimes e cominar penas. Se outra fonte o fizer, esta fonte não será válida; será inconstitucional. Há uma discussão, entretanto, sobre a possibilidade de a MP dispor favoravelmente em relação ao réu. “Não pode o presidente Lula abolir a contravenção do jogo do bicho por MP?” Nesse caso, não haveria violação do caráter garantista desse princípio.
Há
quem questione as disposições heterogêneas, porque supostamente estão
violando alguns princípios: o da divisão de poderes e o da reserva legal. Isso
porque na verdade é o Executivo que está
legislando em matéria penal por
simples portaria, afinal a ANVISA é subordinada ao
Ministério da Saúde, e isso é
inconstitucional. Mas, que juiz terá coragem de permitir o
tráfico? Os
defensores desse questionamento, basicamente gaúchos,
são: Andrei Schmidt,
Rogério Greco, Zaffaroni e outros. Os tribunais nada pensam
sobre isso, ainda.
Princípio da proporcionalidade: garantia individual que surgiu historicamente, para a proteção do indivíduo contra o Estado. Estabelece que a intervenção do Direito Penal só deve ocorrer quando a consequência imposta for absolutamente proporcional à gravidade da conduta praticada. Deve haver proporcionalidade entre crime e o castigo, mas não apenas isso; este é o significado antigo da proporcionalidade, mas hoje ela tem uma característica mais ampla. A proporcionalidade, como é entendida hoje, tem três dimensões: a necessidade, a adequação e a proporcionalidade em sentido estrito. Em matéria penal isso quer dizer: