Direito Penal

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Concurso de agentes - continuação

Tópicos:

  1. Tipos de autoria
  2. Crimes culposos
  3. Crimes omissivos
  4. Conceito de participação
  5. Teorias da acessoriedade
  6. Resumo das três teorias
  7. Formas de participação
  8. Participação de menor importância
  9. Participação dolosamente diversa
  10. Comunicação das circunstâncias de caráter pessoal

Tipos de autoria

Basicamente, há três formas de autoria: autoria direta, autoria indireta ou mediata e co-autoria.

Autoria direta: que é o que normalmente ocorre. Ocorre quando o alguém pratica o crime diretamente, sem interposição de qualquer outra pessoa. Como o agente que põe veneno no café de uma vítima, ou o agente que dispara o revólver, etc. Há a prática do delito diretamente.

Co-autoria: que ocorre quando há a prática, por vários autores, do mesmo ato. Há co-autoria quando há divisão do trabalho. Roubo a banco, sonegação de tributo e lesão corporal são exemplos: ladrões se reúnem para roubar bancos, e acertam qual será o trabalho de cada um, como um deles ficar no carro aguardando os comparsas, enquanto outros fazem os clientes de reféns, e outros esvaziam os caixas e cofres. Na sonegação, geralmente ocorre acerto entre sonegadores e fiscais que deveriam verificar a regularidade dos pagamentos; há co-autoria. Na lesão corporal, um dos agressores pode segurar a vítima enquanto outro a espanca. É uma forma de autoria, em que vários autores praticam, de comum acordo, um crime. Não necessariamente praticando a mesma ação; podem ser ações diferentes, mas ainda são cultores. Outro exemplo é a esposa e seu amante que resolvem matar o marido. Se ambos contratam três assassinos, então o crime de homicídio possuirá cinco autores. Todos praticam a ação principal.

Autoria indireta ou mediata: ocorre quando o agente se vale de terceiro como instrumento para a prática de crime. Nesse caso, não há propriamente concurso de agentes. Exemplo: usar criança ou adolescente. Na autoria mediata, usa-se alguém inculpável. Pode ser um inconsciente, como sonâmbulos ou pessoas sob hipnose. A criança é vista como instrumento. Elas não são autoras, então não há co-autoria. É um caso de autoria simples. Responde exclusivamente o autor mediato, não o imediato, que é o instrumento para a prática do crime. Observação: usar macaco treinado para furtar não é autoria mediata. O instrumento deve ser uma pessoa.

Outro exemplo: um médico quer matar o paciente, e dá uma dose elevada de succinilcolina para a enfermeira ministrar ao paciente. Aqui, a enfermeira age inocente e inconscientemente. Ela é, portanto, o instrumento usado pelo autor (médico) para a prática do crime de homicídio. O médico é o autor mediato, pois.

Haverá autoria mediata todas as vezes em que se usar um adolescente para a prática de um crime? Não. Há vezes em que o adolescente age conscientemente, ou até é o chefe da quadrilha. Responde segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, mas há concurso de agentes, pois o menor não é propriamente um instrumento. Só há autoria mediata quando se usa alguém como instrumento. Se a enfermeira percebe que aquela substância está irregular ou é veneno e ainda assim prossegue na aplicação, há co-autoria, não autoria mediata. Só há autoria mediata quando o intermediário (autor imediato) é usado como “pata-de-gato”. Quando ele passa a agir conscientemente, passa a ser co-autoria.

Observação: taxista que dá carona a mulas com malas carregadas de drogas ou assassinos geralmente não pratica autoria mediata nem co-autoria; transportá-los é uma ação penalmente neutra, pois está dentro da atividade comercial do taxista.


Crimes culposos

Há uma discussão se eles admitem ou não co-autoria e participação. Caso Timponi: ele e seu colega estavam batendo um racha. Ao chegar à ponte, ele bate contra um Corolla e mata três pessoas. Primeiro, vamos abstrair a hipótese do dolo eventual, que é do que o agente está sendo acusado. Houve um crime culposo. É possível dizer que houve participação do outro corredor? Ou então, uma mulher que seduz o motorista enquanto dirige, então perde o controle e mata?

A doutrina alemã sempre recusou a possibilidade de co-autoria em crimes culposos. Ao contrário da doutrina espanhola, que em geral a admite. No Brasil, está dividido o assunto. Quem não admite considera que, negada a co-autoria, cada um responde independentemente por sua ação. É, portanto, um caso de autoria colateral. Dois autores bons sobre o assunto são  Juarez Tavares e Juarez Cirino dos Santos.

Cirino diz que não e possível o concurso de agentes nos crimes culposos, e, do ponto de vista prático, é desnecessário, porque na hipótese de comportamentos imprudentes simultâneos cada lesão do dever de cuidado ou do risco permitido estaria ligada ao resultado, motivo pelo qual seria imputável a cada um dos agentes a título de autoria colateral.¹

O professor não concorda com os Juarezes. Para ele, parece razoável adotar a possibilidade de co-autoria em crimes culposos. Nelson Hungria, por exemplo, também defende essa idéia. Só que, no caso Timponi, não foi crime culposo, mas dolo eventual. Então, essa discussão acaba. Como foi doloso, o caso inclusive vai a júri.
 

Crimes omissivos

Quanto a eles, os autores em geral admitem a co-autoria. Armin Kaufmann diz que não é possível a co-autoria em crime omissivo. É necessário distinguir o crime omissivo próprio do impróprio. O primeiro é a só omissão. Se cinqüenta pessoas estão numa piscina e vêem uma criança se afogar e nada fazem, cada um praticou um crime autônomo de omissão de socorro. Mas, se os banhistas forem todos racistas e da mesma etnia, e se a omissão decorrer de um acordo ou ajuste entre eles para não praticar a ação legalmente determinada (o salvamento da criança de outra etnia), haverá, então, co-autoria em crime omissivo. Tem que haver nexo subjetivo entre as pessoas no sentido de não prestar socorro.

Na omissão imprópria, os agentes estão todos na situação de garante. É o caso de pais, salva-vidas, bombeiros, etc. Se os pais percebem que a criança está se afogando e nada fazem, haveria crimes autônomos de omissão de socorro, mas os pais são garantes, então ambos praticam homicídio (crime comissivo) na forma omissiva. Havendo ajuste entre eles, ambos responderão por co-autoria em crime doloso de homicídio. Qual a diferença entre omissão própria e imprópria? Na primeira, o agente responde pela simples omissão. Na segunda, o agente tinha dever de agir e evitar o resultado.

Se essas pessoas combinam entre si de não salvar a criança, então haverá co-autoria em crime omissivo próprio, desde que não sejam garantes.

Se houver, entre eles, garantes e não garantes, há participação em crime omissivo impróprio, como na hipótese de o salva-vidas estar ocupado com sua namorada ao invés de observar os banhistas. Se a namorada encoraja salva-vidas a permanecer com ela em vez de cumprir o dever, haverá a participação dela em crime omissivo impróprio.

 

Conceito de participação

A participação pressupõe uma ação principal praticada pelo autor. Se houve participação, então houve uma intervenção secundária do partícipe em fato praticado pelo autor. O partícipe sempre sofrerá pena menor? Geralmente sim, em razão do princípio da proporcionalidade, mas não necessariamente. Pode haver situações excepcionais em que o partícipe sofre uma pena igual ou maior que do autor. Mas a participação é sempre uma intervenção acessória.

Se o autor desistir do crime, o partícipe não é punido. Como o homem que empresta o carro para o agente matar alguém, mas desiste.

 

Teorias da acessoriedade

O Código não se refere a nenhuma das três teorias seguintes. Então, a análise do caso concreto dependerá de interpretação.

  1. Teoria da acessoriedade mínima: diz que, para que a ação do partícipe seja punível, basta que a ação praticada pelo autor seja típica. Não há necessidade de que o fato seja ilícito e culpável. Exemplo: emprestar carro para alguém com pretensões de matar uma pessoa. Enquanto o agente dirige, o dono do carro não está praticando nenhuma ação típica, logo, ele não responderá penalmente. Em outro caso: um amigo empresta uma arma para que o agente mate alguém. Se o que matou, por acaso das circunstâncias, tivé-lo feito em legítima defesa, o partícipe responde penalmente? Por essa teoria, sim, pois o agente já estava praticando uma conduta típica que é o porte de arma. Isso significa que as excludentes de ilicitude não se comunicam às atitudes do partícipe, de acordo com esta teoria. A teoria exige o mínimo, pois. É uma corrente minoritária.
  2. Teoria da acessoriedade limitada: é a corrente majoritária. Só é punível a conduta do partícipe se a conduta do autor for típica e ilícita. Mas se o autor praticar uma ação típica porém lícita, como legítima defesa, então o partícipe segue a sorte do autor nesse caso: ele não responderá penalmente pelo homicídio, caso o agente tenha, no caso, matado em legítima defesa.
  3. Teoria da acessoriedade extremada: exige, além das duas características da ação, a culpabilidade. Também a punibilidade do partícipe pressupõe a tipicidade, a ilicitude e a culpabilidade da ação do autor, logo, se ele for beneficiado por uma excludente de culpabilidade, então o partícipe também é absolvido. É outra corrente minoritária. O assassino, se for louco, acaba provocando a absolvição do partícipe também. Em geral essa teoria não é aceita porque transfere para o partícipe circunstâncias pessoais do autor, como ser louco ou ser menor.

O professor prefere essa última teoria, apesar de ser seguida por menos autores, com uma mudança: sempre que o autor for beneficiado por uma excludente de culpabilidade, essa excludente também deverá ser estendida ao partícipe, exceto quando se tratar de duas coisas: inimputabilidade em razão de doença mental etc. ou quando se tratar de menor, que são circunstâncias personalíssimas. Mas, em todas as demais excludentes de culpabilidade, também dever-se-ia estender a absolvição ao partícipe.

Exemplo: era uma vez um caçador, que adentrava-se na mata acompanhado de seu instrutor. Uma autoridade os flagra em plena atividade. Se o caçador for beneficiado por erro de proibição, alegando não saber que a caça é proibida ali, parece razoável que o instrutor, que praticou algo ainda menor, também deve ser absolvido, em razão do princípio da proporcionalidade.

Resumo das três teorias: a da acessoriedade mínima exige apenas que o autor pratique uma conduta típica para que o partícipe seja punível. A teoria da acessoriedade limitada, que é a mais bem-aceita, diz que o partícipe só será punível caso o autor pratique uma conduta típica e ilícita. Já a teoria da acessoriedade extremada diz que é necessário que o autor pratique uma conduta típica, ilícita e culpável para que o partícipe seja punível.

 

Formas de participação

Há a instigação e a cumplicidade.

 

Participação de menor importância

Não é uma participação penalmente irrelevante. Se o juiz entender que alguém interveio de forma secundária, mas tão secundária que não chegou a produzir nada de tão significativo, o juiz pode absolver o partícipe alegando princípio da insignificância. Nem chega a ser uma participação de menor importância. Comparada com a intervenção de outros autores, é realmente absolutamente secundária, mas não irrelevante. Acompanhar mulas em suas viagens, como a jovem que acompanhou um homem que transportava drogas dentro do corpo durante sua viagem: é um caso de cumplicidade, mas de menor importância. A pena, portanto, é reduzida de um sexto a um terço:

TÍTULO IV
DO CONCURSO DE PESSOAS

        Regras comuns às penas privativas de liberdade

        Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.

        § 1º - Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço.

[...]

Havendo participação de menor importância, a pessoa é condenada, mas tem a pena reduzida.

 

Participação dolosamente diversa

Também chamada de desvio subjetivo de conduta ou cooperação dolosamente distinta. Ocorre quando o co-autor ou partícipe ajusta um crime e ocorre crime diverso mais grave do que o que foi combinado. Ou seja, ocorre participação dolosamente diversa quando os crimes vão além daquilo que foi previamente ajustado entre os autores e participes. Exemplo: contrata-se um pistoleiro para matar o prefeito da cidade. O pistoleiro acaba matando dois seguranças do prefeito mais sua esposa. Houve, portanto, quatro crimes, e houve participação dolosamente diversa. Contratar alguém para bater em alguém, mas o executor matar a vítima: também ocorre participação dolosamente diversa.

Há três hipóteses sobre ela:

  1. O resultado(s) mais grave(s) não era(m) previsível(is) por quem combinou a coisa menos grave. Nesse caso, o agente (mandante) só responde pelo combinado, em virtude do princípio da proporcionalidade, da pessoalidade da pena e da legalidade.
  2. O resultado mais grave era previsível: neste caso, a solução permanece a mesma. O tratamento jurídico-penal é o mesmo, com uma diferença: a pena é aumentada de até a metade (§ 2º do artigo acima):
            § 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave.
  3. O resultado mais grave não era só previsível, mas provável. Houve no mínimo dolo eventual. Exemplo: “Pegue estes R$ 1000,00 para bater naquela piranha, mas, se matá-la, o problema é seu, até te dou um agrado de mais 500. Ou então, caso haja testemunhas ou obstáculos, elimine-os.” Ou ainda: “mate o prefeito, mas não deixe testemunhas.” Nesse caso, não há mais participação dolosamente diversa, mas participação idêntica. Haverá, pois, co-autoria. Não há desvio subjetivo de conduta.

Digamos que quatro pessoas resolvem assaltar um banco. Todos estão armados; três entram no estabelecimento enquanto outro permanece do lado de fora dando cobertura. Os que reagem lá dentro são mortos. O que ficou de fora também responde por latrocínio, pois o resultado era provável. Isso é comum na jurisprudência por causa da teoria monista/unitária adotada pelo Código. A participação dolosamente diversa é uma relativização da teoria unitária.

 

Comunicação das circunstâncias de caráter pessoal

Uma mulher que está parindo pode praticar o crime de infanticídio:

        Infanticídio

        Art. 123 - Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após:

        Pena - detenção, de dois a seis anos.


Digamos que ela seja auxiliada pelo médico, ou namorado, ou amigo. Ele, que é um estranho, e que obviamente não está em estado puerperal, responderá pelo que? O infanticídio é um crime especial, assim como o peculato. Como regra, as circunstâncias não se comunicam, pois haveria violação do princípio da pessoalidade da pena.

Mas o código abriu uma exceção: se comunicarão quando constituírem um tipo penal autônomo. No caso, há, no nosso Código, o crime de homicídio e o crime de infanticídio, independentes um do outro. Médico que auxilia o infanticídio responde por co-autoria ou participação em infanticídio mesmo que o tipo penal seja “matar [...] o próprio filho”. Entretanto,  não há, no Código Penal Brasileiro, o crime de parricídio, que seria o homicídio cometido contra o próprio pai. Nesse caso, como o parricídio constitui um tipo penal autônomo, então as circunstâncias pessoais do autor não se comunicarão com o partícipe. Exemplo: alguém ajuda uma pessoa a matar o próprio pai, como o caso Von Richthofen. O art. 121 do Código traz, em seu § 2º, inciso II, a qualificadora do motivo fútil, que é o caso quando a filha assassinou os pais. Essa é uma circunstância de caráter pessoal da autora, o que agravou sua pena, mas não deveria agravar a dos executores ².

Se Se um reincidente e um primário estiverem concorrendo para um crime, a reincidência só se aplicará ao reincidente, não ao primário, pois também trata-se de uma circunstância de caráter pessoal.


1 - Do livro do professor, p. 252.
2 - Não sei quais foram os modificadores da pena dos Cravinhos.