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A primeira que devemos saber para determinar se alguém deve responder por crime ou não é notar a relação de causalidade ou nexo causal entre a conduta do sujeito e o resultado. Sem ela, não há a possibilidade de imputação ao agente. O nexo causal é uma condição necessária, mas não suficiente para a imputação de um crime a alguém como obra sua.
Exemplo: um sujeito dispara vinte tiros contra alguém que está dentro de um carro e vai preso. Depois, a perícia concluía que a vítima já estava morta por ter sofrido um ataque cardíaco uma hora antes. Então não há relação causal, e o sujeito não responderá por crime algum. Nem a título de dolo, culpa, crime consumado nem tentado. Se a perícia balística também concluir que os calibres da bala alojada no corpo da vítima e o da arma que o sujeito portava diferem, também não haverá nexo causal. Logo, não poderá haver imputação e o sujeito não deverá responder a processo algum.
A relação de causalidade é fundamental para o estabelecimento da responsabilidade penal nos crimes materiais. Crimes materiais, como vimos, é o crime cujo resultado é indispensável para a sua total configuração. A consumação exige a produção de um resultado material. Crimes formais são os crimes em que a lei antecipa a consumação para o momento da ação ou omissão. São crimes de resultado, mas o resultado é dispensável para efeito de consumação. Há também os crimes de mera conduta: não há resultado, e a consumação ocorre no momento da ação ou omissão.
Lembrar dos tipos de crimes é importante porque o nexo causal só é interessante na análise dos crimes materiais. A consumação se dá independentemente do resultado nos formais, então não há relevância a aferição no nexo de causalidade. Exemplo: extorsão mediante seqüestro: já está consumado antes mesmo da obtenção da vantagem econômica.
No estudo do nexo causal, analisamos
o crime de homicídio (art.
121) especialmente.
Teoria adotada pelo Código Penal
Há várias teorias. O Código Penal se filiou à teoria da conditio sine qua non, expressão que significa “condição sem a qual não”, também conhecida como teoria da equivalência dos antecedentes causais. Essa teoria diz, no art. 13 do Código Penal, que considera-se causa toda a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. Todas as condutas, comissivas ou omissivas, que concorrerem para o resultado são consideradas causa. A teoria não distingue causa adequada, inadequada, ação e omissão. Se houver várias causas para o resultado de um homicídio, como empurrar, puxar cabelo da vítima, socos, tiros, então todas essas condutas serão causas, pois são elementos que concorreram para a formação do resultado. O Código equipara ações e omissões, sejam elas mais ou menos importantes.
Exemplo: atira-se em alguém, a vítima não morre, ela é socorrida, vai de ambulância para o hospital. O veículo bate e então a vítima morre. Tudo isso é causa. A soma de tiro com erro médico também é considerada causa.
Significa dizer: essa teoria se vale
de uma forma heurística,
de um conteúdo hipotético. Se eliminarmos a
suposta causa e com isso o
resultado desaparecer, então é porque
há nexo causal. Mas, eliminarmos a
suposta causa e o resultado persistir, então não
há nexo causal.
Se o médico desligar aparelhos que mantêm alguém vivo, não há nexo causal porque ele morreria de qualquer jeito? Este é um problema da teoria. Ou então alguém que está condenado à morte às 16:00 toma um tiro de alguém sedento por vingança às 15:59. O condenado morreria de qualquer jeito também.
Então, temos que usar melhor a teoria, e levantar os questionamentos: quando ocorreu, e como ocorreu. Essa é uma correção da teoria, que em tese levaria à impunidade do médico e do vingador. Nesses casos, portanto, haverá relação de causalidade pois seria de outra forma que ocorreriam os resultados.
Porém, o Código
não adotou essa teoria de forma absoluta.
Causas supervenientes absolutamente independentes
Um crime pode ter várias causas.
Digamos que um sujeito esteja dentro de uma casa e dá uma facada alguém. A vítima sofre uma hemorragia. Um caminhão, que nada tinha a ver com a história, invade a casa e mata de vez a moribunda. Essas são causas absolutamente independentes. São causas que decorrem de fatores totalmente alheios um ao outro, e são chamadas de causas absolutamente independentes.
Quando as causas forem consideradas
absolutamente
independentes, cada um responderá por sua respectiva causa.
O sujeito que deu a facada
responde por homicídio tentado, enquanto o que atropelou com
o caminhão
responderá por homicídio culposo consumado. Se a
facada tivesse levado a vítima
a óbito em tempo, não haverá nexo
causal em relação à segunda
ação, pois,
eliminada a segunda causa, o resultado teria ocorrido da
mesmíssima forma como
ocorreu.
Causas supervenientes relativamente independentes
O problema é com relação às causas supervenientes relativamente independentes, que ocorrem quando há uma relação de interdependência entre a primeira causa, a segunda, a terceira, a quarta... A terceira, por exemplo, não ocorreria se não tivesse ocorrido a segunda, que por sua vez não teria ocorrido se não tivesse ocorrido a primeira circunstância. Voltemos ao exemplo do tiro e a ambulância batida: não teria sido necessário o transporte pela ambulância se não fosse pelo tiro, e não haveria o acidente se não fosse pelo fato de o sujeito estar sendo levado pela ambulância. Quando as causas forem relativamente independentes, o Código diz que o agente não responderá pelo resultado final se a segunda causa por si só produzir o resultado. Exemplo: há uma sucessão de causas. Tiro + choque da ambulância, ou tiro + erro médico. São causas relativamente independentes. Há imputação de resultado em princípio; o atirador responderá por homicídio consumado, exceto se a segunda causa, que é o erro medico, produzir o resultado por si só (a morte). Nesse caso, o atirador responderia por homicídio tentado e o médico por homicídio culposo consumado.
Se houver incêndio no hospital, inviabilizando o atendimento e, assim, levando à morte da vítima, o atirador responde apenas por homicídio tentado. Para aprender de uma vez: “a causa é a ação ou omissão sem a qual o resultado final não teria ocorrido.” Se o atirador respondesse por homicídio doloso consumado, haveria violação não apenas do princípio da proporcionalidade, mas principalmente do princípio da pessoalidade da pena. Então, é importante fazer o link com os princípios da proporcionalidade, pessoalidade da pena e legalidade. Se a segunda causa for suficiente por si só para o resultado, o agente da primeira responde apenas pelos atos já praticados.
Outro caso: se atira-se em alguém que já se envenenou para o suicídio, então as causas são absolutamente independentes.
Poderá haver causas
antecedentes e também causas
concomitantes. Se o sujeito for levado para o hospital depois de levar
tiro e lá
morrer de infecção hospitalar, o
bom advogado deve argumentar o princípio da
legalidade e pessoalidade da pena.
Essa teoria da relação de causalidade tem sido criticada por muitos autores, como Roxin, Jakobs e Jescheck. Ela encerra uma tautologia, porque não resolve, em verdade, absolutamente nada. Eles argumentam que essa teoria pretende chegar a uma resposta que não basta à teoria, que pressupõe a causa. É como se dissesse que a causa é a causa. Ela pretende dar a solução pressupondo a já existência da solução; essa solução pressuposta é dada por algo externo a ela. Dito de outra forma: Causa é o que mesmo? “A ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”.
Então imaginemos: alguém dá cinco tiros em alguém e o mata em razão disso. A perícia diz: o sujeito morreu em razão de cinco tiros disparados a queima roupa... isso significa que a perícia já resolveu o problema da causalidade. Essa teoria não acrescenta nada, portanto. No primeiro caso, o laudo pericial já responde.
Segunda hipótese: imaginemos que o laudo não tem como responder. É o caso Isabela Tainara, menina cujo corpo foi encontrado em já avançado estado de putrefação, logo não sabia-se dizer se foi tiro, estrangulamento, então “não podemos nos pronunciar”, dizia a perícia. Então, ou laudo responde a questão e acabou o jogo, ou o laudo não responde nada e a teoria nada mais tem a acrescentar. Ela se baseia numa resposta achada empiricamente. Esses autores propõem a abolição dessa teoria.
Há outras críticas, uma delas dizendo que a teoria leva a um regresso ad infinitum. Tudo que concorreu para o resultado é causa, então todo mundo deve responder. Quem responderia então seriam: o atirador, o fabricante da arma, o vendedor, o fornecedor de material para a confecção da arma...
Por isso, eles propõem uma
teoria alternativa, a...
Moderna teoria da imputação objetiva
Nasceu em 1930, ficou esquecida, e agora está sendo retomada. Essa teoria trabalha, resumidamente, com dois conceitos básicos: o de risco proibido e risco permitido. No mundo atual, estamos sujeitos a uma infinidade de riscos. Dirigir é arriscado; posso tanto chegar ao destino como também posso matar alguém. Todas as atividades são perigosas: tomar banho: escorregar, cair e bater a cabeça. Há o risco permitido quando se pratica uma atividade dentro do que é socialmente tolerado, como uma atividade esportiva, fazer lipoaspiração ou saltar de pára-quedas. Se um resultado decorreu da prática de um risco permitido, como dirigir em baixa velocidade, então ele não será imputável jurídico-penalmente ao agente, pois decorreu de riscos socialmente tolerados. Mas se o sujeito produz resultados a partir de riscos proibidos, como dirigir embriagado, voar sem brevê, andar com arma de gatilho de fraca tensão carregada, então o resultado é imputável ao agente em razão da criação de um risco proibido.
Auto-colocação em risco: o agente se coloca em uma
situação
de risco. Houve o caso de um andarilho que, ao se cansar, resolveu
parar numa
estação de caminhoneiros na beira da estrada e se
deitar sob uma carreta.
Dormiu. Nas primeiras horas da manhã, o dono da carreta deu
a partida no motor
e deu à ré, matando o sujeito que lá estava. Este
resultado (a morte do viajante)
não pode ser imputada ao caminhoneiro pois foi o
próprio andarilho que se
colocou numa situação de risco socialmente
inaceitável; qualquer homem médio
teria o discernimento para não se deitar sob um
caminhão. Ao mesmo tempo, não se poderia exigir que o motorista
verificasse sob seu caminhão todas as vezes em que fosse iniciar uma
viagem.
Tudo que vimos até agora tem a ver com crimes comissivos. E como ficam os omissivos? Primeiro, lembramos que os omissivos podem ser próprios ou impróprios. O próprio é aquele praticado por simples omissão, ou seja, a não-ação, não-agir. Há também a omissão imprópria, em que há imputação ao agente que, na verdade, cometeu um crime comissivo na forma omissiva, como a mãe que, desejando matar o filho, deixa de amamentá-lo. Então, nos omissivos imprórios, equipara-se a omissão à ação. A situação do agente é a situação de garante. A relação causal não é material, mas jurídica. O salva-vidas que deixa de salvar e o sujeito que está se afogando morre: a rigor, não há nexo causal, já que o que matou foi, na verdade, o mar. Mas o salva-vidas estava na condição de garante, e responderá por crime omissivo impróprio, como diz o art. 13 § 2º do Código Penal:
Relação de causalidade Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. [...] Relevância da omissão § 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado. |
Outra situação: quem, em razão de outra situação, não necessariamente lei, assumiu o dever de evitar o resultado. Salva-vidas de clubes: dever contratual, mas que o coloca na situação de garante.
Terceira hipótese: criação de risco, em razão de comportamento anterior, leva o agente a ser equiparado à condição de garante. Como o guia turístico que diz que o rio é raso: o turista pula de cabeça e morre. O guia responderá por crime comissivo; em tese, homicídio. Seu advogado deverá alegar que essa equiparação é ilegal, absurda, que viola o princípio da legalidade, da proporcionalidade e da razoabilidade.
Também é imputável por crime omissivo impróprio (comissivo) o delegado que deliberadamente coloca acusado de estupro em cela superlotada, já sabendo como serão as boas-vindas dos outros presos.