Direito Penal

quinta-feira, 9 de outubro de 2008


Excludentes de ilicitude

Frase do dia: esta é exatamente a hora de levar o curso a sério. Melhor estudar agora do que ficar louco depois recorrendo a conceitos básicos na hora de fazer concursos.

 

Tópicos:
  1. Introdução
  2. As excludentes de ilicitude
  3. Legítima defesa 
  4. Estado de necessidade
  5. Erro
  6. Excesso
  7. Efeitos da sentença absolutória
  8. Elementos subjetivos
  9. Distinção entre excludentes de ilicitude e de excludentes de culpabilidade

Introdução

Nós vimos que crime é fato típico, ilícito e culpável. É o conceito analítico de crime de acordo com a doutrina majoritária. Há também os que consideram a punibilidade como um quarto elemento. Não é a maioria que pensa assim, entretanto.

Fato típico: fato previsto em lei. Refere-se ao conceito formal de crime. Verificado que o fato é típico, passamos a analisar a ilicitude: é a relação de contrariedade entre o fato típico e a ordem jurídica como um todo. Também chamado de fato antijurídico. O ato praticado está em contradição com o ordenamento jurídico, e não está amparado por uma causa de justificação. Finalmente, verificamos a culpabilidade, que estudaremos depois.

A ilicitude deve ser analisada a partir da Constituição Federal. Outra coisa também é certa: o sentido das coisas não é dado pelas próprias coisas, nem os dos textos, mas pelas pessoas que interpretam as coisas e os textos. Seja um texto legal ou religioso. Lembrem-se da frase de Nietzsche que vimos no início do semestre: “não existem fenômenos morais, mas uma interpretação moral dos fenômenos”. Se algo está ou não autorizado pelo Direito, isso dependerá de interpretação. Caso do agente da Delegacia de Operações Especiais que matou dois ladrões e feriu um: a lei nada diz. Precisa-se, portanto, interpretar. A vontade da norma não é dada pela norma, se é que existe uma vontade. Somos nós quem atribuímos o sentido. Naquele caso, entendeu-se que o doe fez em legítima defesa e não o prendeu, é por sua vez inclusive que nem haja julgamento.

Caso do segurança da promotora, que escoltava seu filho: o próprio promotor pediu a absolvição alegando legítima defesa.

No passado, inclusive, era comum o marido de mulher morta que haviam chifrado serem absolvidos por legítima defesa da honra.

Interprete sempre.

 

As excludentes de ilicitude

São quatro tipos previstos no Código Penal:

  1. Legítima defesa
  2. Estado de necessidade
  3. Exercício regular da profissão
  4. Estrito cumprimento do dever legal

Alguns autores questionam essa classificação, principalmente entendendo que as duas últimas não são excludentes de ilicitude, mas da própria tipicidade. Especialmente na Alemanha, com Roxin.

 

Legítima defesa  

É a resposta do agente a um ataque de terceiro, sempre pessoa humana, moderadamente, para a proteção de direito próprio ou alheio.

Ex: dar tesourada em estuprador. É uma situação de legítima defesa real. Para rechaçar uma violência, o sujeito usa, moderadamente (discutível), um meio de defesa.


Estado de necessidade

Ocorre quando o agente está numa situação de perigo atual e, para proteção de direito próprio ou alheio, ele tem de violar um bem jurídico alheio. Exemplo: ser atacado por um cão. Note que legítima defesa só pode ocorrer contra ataque de pessoas humanas. Também em situação de calamidade, em que o sujeito pode estar com fome, então vai ao mercado da quadra e pega um toddynho, um pedaço de bacalhau, etc. Sobre este assunto, convém ler o livro O Caso dos Exploradores de Cavernas.

A doutrina propõe outras excludentes que não estão no Código: são as excludentes “supralegais” de ilicitude. Em geral, os autores propõem, por exemplo, o consentimento do ofendido. Isso é questionável. Mas os autores mais recentes alegam que tais coisas são excludentes não de ilicitude, mas da própria tipicidade. Também está em discussão a classificação do que seria a violência desportiva.

Não é um rol taxativo, mas meramente exemplificativo. Diz que é possível imaginar outras causas de ilicitude que não estejam no Código Penal. Difícil, na verdade, é imaginar uma excludente que não se encaixe em nenhum dos quatro tipos.

 

Erro

As excludentes de ilicitude podem ser reais, numa situação de real legítima defesa, mas também pode haver uma legítima defesa putativa: alguém pode se imaginar em legítima defesa mas não está. Como o sujeito jurado de morte por um desafeto que, ao encontrá-lo, o vê começar a retirar um objeto do bolso e o mata antes que termine de mostrar o objeto, que o sujeito pensava ser uma arma, mas não era. O homicida desta situação pensou estar agindo em legítima defesa, mas na verdade não estava.

Quando reais, esses quatro casos (legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular da profissão) são excludentes de ilicitude. Quando excludentes putativas, estas não excluem propriamente a ilicitude. Há uma discussão sobre isso: alguns autores entendem que exclui a tipicidade, outros falam que exclui a culpabilidade, outros falam de um tipo intermediário sui generis. Mas se o sujeito pratica uma ação numa situação de legítima defesa putativa, se for inexigível a conduta diversa, o dolo é excluído e a culpa também. Se a conduta diversa for evitável, o dolo é excluído, mas a culpa não, desde que o tipo, de acordo com o Código Penal, seja punível na forma culposa. O erro evitável também é chamado de erro de tipo permissivo.

 

Excesso

Alguém pode se encontrar numa situação de legítima defesa e se exceder nessa condição. Ele passa, a partir do início das condutas excessivas, a atuar no sentido contrariamente ao Direito. Alguém pode estar numa situação inicial de legítima defesa e passar a atuar ilegalmente: o sujeito está sendo atacado pelo agressor, então puxa a faca, golpeia uma vez, incapacitando-o, e continua a golpear, até matá-lo. O mesmo para o furto ao supermercado depois da subtração do bacalhau por estado de necessidade.

Legítima defesa recíproca: o agredido passa a ser agressor. O novo agredido pode passar a atuar em legítima defesa também.  É a chamada legítima defesa sucessiva. O excesso é ilícito (antijurídico, contrário ao Direito).

Observação: não confundir este excesso com a desproporção total entre ação e reação. Como o exemplo já visto em sala de Chico Bento invadir o pomar do Nhô Lau para furtar algumas goiabas e levar tiros de espingarda em resposta, indo a óbito por isso.  Isto não é um excesso, é uma execução. O excesso normalmente caracteriza um crime autônomo.

 

Efeitos da sentença absolutória

Se alguém for absolvido em uma sentença penal em razão de legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular da profissão ou estrito cumprimento do dever legal, essa sentença faz coisa julgada nas demais esferas do Direito. Isso porque a legítima defesa é uma excludente de ilicitude, logo, torna o ato lícito. Licitude é sinônimo de juridicidade, então, o ato lícito é considerado conforme o Direito como um todo. Por isso que dizemos que a ilicitude é uma característica de contrariedade a todo o ordenamento jurídico. Portanto, a legítima defesa e as demais excludentes de ilicitude produzem efeitos que também reverberam nos âmbitos civil, administrativo, etc., impedindo que ações nessas esferas sejam interpostas contra o sujeito. O trânsito em julgado transcende o Direito Penal, incidindo sobre todo o Ordenamento. Portanto, a família de um indivíduo morto por alguém que agia em legítima defesa não terá direito à indenização.

Devemos ter em mente que a ilicitude é uma só. Quem atua conforme o Direito Penal, atua conforme o Direito todo. Logo, se o juiz reconhece uma dessas excludentes, esse reconhecimento impedirá qualquer outra forma de responsabilidade por aquele mesmo fato. Entretanto, há situações em que a sentença penal absolutória não produz efeitos: quando reconhecer excesso ou ainda uma situação de erro. Isso não impedirá a propositura de ação de reparação de dano no cível. Ou ainda quando houver aberratio ictus = erro na execução do crime (desvio do alvo), como matar com bala perdida. Isso não impede que a vítima seja indenizada no cível pelo Estado ou pelo autor dos disparos. Houve aberratio ictus quanto à vítima inocente.  Erro inevitável também não exclui reparação no cível.

 

Elementos subjetivos

Há uma discussão ainda atual sobre: para que alguém possa alegar legítima defesa, ele precisa saber que estava em legítima defesa ou basta que ele se encontre numa situação de legítima defesa? Precisa do animus defendendi? É um assunto controvertido. Os autores antigos falavam que não havia essa necessidade. Os modernos falam que é necessário, inclusive é o entendimento geral. Como um sujeito que mata alguém e só depois fica sabendo que estava em legítima defesa.  Em geral, Roxin defende que só pode alegar legítima defesa quem sabe que está atuando em legítima defesa, com animus defendendi. Juarez Tavares defende, hoje, que não há necessidade do elemento subjetivo. É uma discussão meramente acadêmica.

 

Distinção entre excludentes de ilicitude e de excludentes de culpabilidade

A distinção entre umas e outras não preexiste à interpretação, mas é dela resultado. Numa mesma circunstância, ou num mesmo fato, uma ação pode ora ser entendida como excludente de ilicitude ou por como excludente de culpabilidade, ou até rechaçada pela justiça. É muito comum, em caso de sonegação, os advogados alegarem em favor de seus clientes que a empresa estava falida, portanto deveria pagar os funcionários primeiramente. Até porque a lei estabelece prioridade, então deve-se pagar os funcionários em detrimento do tributo. O tribunal entende que isso é uma excludente de ilicitude (estado de necessidade), ora excludente de culpabilidade (inexigibilidade de conduta diversa), ou então indefere a alegação. Tudo dependerá de interpretação. “Não há fenômenos jurídicos, mas uma interpretação jurídica dos fenômenos. – Nietzsche”

Apesar disso podemos fazer uma distinção:

As excludentes de ilicitude valem para o Direito como um todo, não apenas para o Direito Penal, enquanto as de culpabilidade valem apenas para o Direito Penal. Quando reconhecidas, as excludentes de ilicitude fazem coisa julgada no cível e em outros âmbitos. As de culpabilidade, portanto, não impedem ação indenizatória ou de reparação de danos, por exemplo. O alcance da primeira é muito maior que a segunda, pois.

Alguns autores dizem que as excludentes de ilicitude são essencialmente objetivas, enquanto as de culpabilidade são essencialmente subjetivas.

E mais: uma mesma circunstância, legalmente falando, ora pode ser excludentes de ilicitude ora pode ser excludente de culpabilidade. O Código Penal Militar traz o estado de necessidade como excludente das duas.


Próxima aula: estudo aprofundado da legítima defesa.