Conclusão da aula passada: analogia e interpretação analógica
Os autores fazem essa distinção. É comum também ser cobrada em provas. Ocorre analogia quando a norma não prevê uma determinada situação e o juiz tem que recorrer à analogia. É usada quando há uma lacuna legal ou omissão legal. Por exemplo: o Código Penal prevê que, no caso de gravidez resultante de estupro, a mulher que abortar será isenta de pena. É uma hipótese de autorização legal de aborto, em caso de estupro. Art. 128:
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: Aborto necessário I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. |
Atentado violento ao pudor Art. 214 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal: Pena - reclusão, de seis a dez anos. |
É também possível considerar o assedio sexual algo como quase estupro.
Outro exemplo: o Código Penal
prevê a
remição por trabalho. O preso que está
trabalhando tem o direito de diminuir sua
pena em um dia para cada três trabalhados. Com a construção do
entendimento auxiliado pela analogia, foi editada a Súmula
341 do STJ: o
estudo também enseja a remição.
É uma
construção jurisprudencial, uma analogia in
bonan partem.
Interpretação analógica: quando a lei expressamente admite a possibilidade de o juiz se valer de recursos analógicos. A própria lacuna é conhecida pelo legislador que, de alguma forma, oferece alternativas. Por exemplo: "embriaguez por álcool ou substância de efeito análogo"; ou "traição, emboscada, ou outro recurso que dificultou a defesa da vitima" Encontramos a interpretação analógica quando o legislador não tem como enumerar tudo que é possível. Um autor que fala sobre isso é Antônio Castanheira Neves.
Analogia expressa e
analogia tácita: tudo é analogia, e essa
distinção é falsa. A
própria interpretação
exige uma espécie de analogia, pois cada caso é
um caso. Apenas as variáveis de
tempo e espaço tornam cada ação humana
singularíssima, portanto não há um
caso idêntico
a outro. Matar uma criança, um velho, um adulto, um
pataxó, dolosamente,
culposamente, tudo isso é variável. Matar sendo
primário ou reincidente. Os
casos são mais ou menos semelhantes.
Ao
fazer um juízo de valor, recorremos à nossa
própria experiência sobre aquilo.
O conflito aparente de normas também é chamado de unidade de crimes ou concurso de normas. Mas a expressão mais comum é mesmo conflito aparente de normas. O conflito aparente de normas ou de leis é cada vez mais freqüente e mais comum em nossa sociedade. Não raro é difícil resolver esse problema, que necessariamente demanda interpretação. O que é o conflito aparente de normas? É um conflito que ocorre quando, sobre uma dada situação, com um mesmo crime, mesmo fato, incidem várias normas penais. Quando isso ocorre, podemos aplicar todas ao mesmo tempo? Não, pois haveria a violação de um princípio: o da proporcionalidade e mais exatamente o princípio ne bis in idem, que veda a múltipla penalização de um mesmo comportamento. Também relaciona-se com o princípio da legalidade. Sobre a conduta de matar alguém, pelo Código Penal, podem incidir várias normas, em tese: homicídio (art. 121), infanticídio (art. 123), aborto (art. 124), latrocínio (conforme o § 3º, parte final, do art. 157), entre outros fatos.
Material: ocorre quando, mediante varias ações, o sujeito pratica vários crimes. Roubo de um veículo, atropelamento de um pedestre, atentado violento ao pudor. Não há incompatibilidade entre concurso material e conflito aparente de normas. Art. 69:
Concurso material Art. 69 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela. § 1º - Na hipótese deste artigo, quando ao agente tiver sido aplicada pena privativa de liberdade, não suspensa, por um dos crimes, para os demais será incabível a substituição de que trata o art. 44 deste Código. § 2º - Quando forem aplicadas penas restritivas de direitos, o condenado cumprirá simultaneamente as que forem compatíveis entre si e sucessivamente as demais. |
Concurso formal Art. 70 - Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior. Parágrafo único - Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra do art. 69 deste Código. |
Crime continuado Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços. Parágrafo único - Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código. |
Como saberemos resolver os problemas de conflito aparente de normas, como a diferenciação entre latrocínio e homicídio? A doutrina propõe princípios para isso. Mas um fator importantíssimo que é o dolo do agente. É, na opinião do professor, o que há de mais importante: a intenção do agente. Se houve, então sim, é doloso. Se não, é culposo. Primeiro, é identificar o elemento subjetivo: dolo ou culpa. Por exemplo: digamos que alguém queira torturar para obter uma confissão. A violência que um delegado usou num suspeito resultou em sua morte. Qual era a intenção? Torturar; então o dolo era de torturar. Tortura + resultado morte = tortura qualificada: Lei 9455/97, art. 1º, § 3º:
Art. 1º Constitui crime de tortura: I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa; c) em razão de discriminação racial ou religiosa; II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. Pena - reclusão, de dois a oito anos. [...] § 3º Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão de quatro a dez anos; se resulta morte, a reclusão é de oito a dezesseis anos. |
Homicídio qualificado § 2° Se o homicídio é cometido: [...] III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; [...] Pena - reclusão, de doze a trinta anos. |
São três: o da especialidade, o da consunção ou absorção e o da subsidiariedade.
Perigo para a vida ou saúde de outrem Art. 132 - Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente: Pena - detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave. |