Direito Penal

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

A lei penal no tempo


Tópicos:
  1. Teorias
  2. Crimes permanentes e crimes continuados
  3. Hipóteses de retroatividade da lei
  4. Combinação de leis
  5. Sucessão de leis
  6. Leis temporárias
  7. Contagem dos prazos penais
  8. Avisos

Teorias

Vamos imaginar que alguém atira em uma pessoa. O atirador tem 17 anos, 11 meses, 29 dias, 23 horas e 59 minutos de idade. A vítima morre uma semana depois no hospital. O agente é menor ou maior para o Direito Penal?

E se, depois de o agente completar 18 anos, entra em vigor uma nova lei que passa a considerar esse crime mais grave. Essa lei alcançará o sujeito?

Há três teorias para resolver estas questões.

  1. Teoria da ação: o momento do crime é o momento da ação ou da omissão independente do momento do resultado.
  2. Teoria do resultado: considera que o importante não é o momento do crime, mas do resultado. Portanto, se alguém atira com aquela idade acima, ele será maior para efeitos penais. De acordo com essa teoria, para esse sujeito, que é maior para efeitos penais, a lei agravará sua situação.
  3. Teoria mista ou da ubiqüidade: considera que o tempo do crime pode tanto ser o momento da ação ou do resultado. Raramente se adota essa teoria.

A teoria adotada pelo Código Penal brasileiro é a primeira. Isso é regra geral, mas ha exceções. Quando o Código fala sobre a prescrição, ele adota a teoria do resultado. Exemplo: o sujeito atira em alguém no dia 05/05/08; a vítima é levada pro hospital, e morre bem depois, no dia 10/10/08. O prazo de prescrição começa a contar a partir de 10/10/08, que foi a data do resultado. Portanto, usa-se, quando se trata de prescrição, a pior teoria para o réu.

Isso posto, adotaremos o tempo do crime como tempo da ação ou omissão.
 

Crimes permanentes e crimes continuados

Com relação aos crimes permanentes e continuados, vejamos:

Exemplo: um jovem empresário que vai sonegando, sonegando... só então completa 18 anos, e, tempos depois, surge uma nova lei passando a tratar o crime de sonegação de maneira mais severa. Se for pego neste momento, ele se tornará responsável por todos os crimes, inclusive pelos praticados antes de sua maioridade.

Há uma discussão sobre a constitucionalidade da Súmula 711 do STF que supostamente viola o princípio da legalidade e o princípio da irretroatividade da lei penal: Cezar Bittencourt defende essa idéia.
 

Hipóteses de retroatividade da lei

  1. Novatio legis incriminadora: a lei não retroagirá quando for prejudicial ao réu. Quando há uma novatio legis incriminadora (neocriminalização), ela não será aplicada aos casos anteriores, só aos futuros.  Hobbes já dizia: antes de existir a lei, não existe violação da lei. Ocorre novatio legis incriminadora quando uma conduta, que até então não era considerada criminosa, passa a ser tratada como tal.
  2. Novatio legis in pejus: lei que não criminalizou o fato novo, mas passou a dar um tratamento mais duro a um fato que já era considerado crime: lei de crimes hediondos, por exemplo. Não retroage para prejudicar o réu.
  3. Abolitio criminis: o fato deixou de ser crime, a exemplo do adultério e da sedução de mulher virgem. Nestes casos, a lei retroagirá para beneficiar o réu. O sujeito é solto, o processo é arquivado, mas a superveniência da nova lei não tem efeitos civis. Ou seja, se alguma indenização foi paga, então ela não deverá ser devolvida. O réu volta a ser primário, e sua condição voltará a ser tal como se nunca tivesse praticado um crime.
  4. Novatio legis in mellius: ocorre quando surge uma nova lei que passa a dar um tratamento mais brando a uma conduta já tida como criminosa. Penas reduzidas, benefícios, etc. Exemplo: nova lei de drogas em relação ao usuário.

 

Combinação de leis

Na vigência da revogada Lei de Tóxicos, alguém praticou um crime de tráfico quando havia pena de 3 a 15 anos para esse fato. A lei nova estabeleceu que a pena deverá ser de 5 a 15 anos. Qual é a lei usada? A lei velha. Aquela lei dizia que a pena seria aumentada em 1/3 a 2/3 se houvesse tráfico para o exterior. A nova disse que o aumento seria não de 1/3 a 2/3, mas de 1/6 a 2/3. A pena extra é menor, com aumento mínimo menor. Então aplicar-se-iam 3 anos + 1/6, ou seja, a menor pena possível para o fato de acordo com a lei revogada, mais o menor incremento possível de acordo com a lei nova. É possível? A maioria dos autores é favorável a essa combinação. Entretanto os tribunais, inclusive o Supremo, não a estão admitindo, alegando que o juiz não é um legislador.

O professor não gosta muito da expressão “combinação de leis”.

Como visto, a lei pode retroagir parcial ou totalmente.

No entanto, o STJ julgou recentemente: para um caso velho, pegou-se a pena da lei nova: 5 anos menos o aumento máximo da maior. Isso significa que a pena não deve ser considerada abstratamente; deve haver a consideração de todas as variáveis.

Em suma: os tribunais não admitem a combinação, mas a doutrina sim. Os advogados dos acusados, obviamente, buscam sempre a melhor combinação possível para seus clientes.
 

Sucessão de leis no tempo

Regra: aplica-se sempre a lei mais favorável ao réu em caso de sucessão de leis no tempo. Vejamos uma situação hipotética: em 1354, era crime brincar de boneca nas escolas, sob pena de ter-se a boneca confiscada e destruída. Em 1360, editou-se uma nova lei, cominando uma pena mais gravosa ao crime de brincar de boneca nas escolas, que seria a de confisco da boneca mais reclusão do agente: 5 anos na masmorra. Em 1367, não satisfeitos, os legisladores da época resolveram agravar mais ainda a situação de quem brincava de bonecas durante as aulas, e determinaram a pena de confisco e destruição da boneca mais morte do agente na fogueira. Depois desse momento, aproximadamente em 1370, descobriu-se que uma menina brincara de bonecas durante todas as aulas entre 1350 e 1353; ela foi denunciada. Pergunta-se: qual a lei que deveria incidir sobre o caso dessa menina? Resposta: a mais antiga das leis, a que vigia até 1354, pois, durante todo esse período de tempo, era a mais benéfica à ré. Em outras palavras, a lei deverá retroagir para beneficiá-la, procurando-se aquela mais benéfica entre as que vigeram, durante o período, e aplicá-la.

Entretanto, vamos imaginar uma outra região do mundo, que também não gostava que as crianças brincassem nas escolas, e a prática da brincadeira de pique-esconde era criminosa. Nesta, havia, até 1230, uma lei que previa a pena de reclusão de 8 a 12 meses para quem praticasse tal fato, mais expulsão da instituição de ensino. Em meados de 1236, editou-se uma lei abrandando a pena, removendo a reclusão, mas mantendo a expulsão. Essa lei vigeu por alguns anos. Indignados, os representantes das instituições de ensino pressionaram o “Legislativo” da região para voltar a dar tratamento mais severo àqueles que brincavam de pique-esconde nas escolas, e foram ouvidos: em 1245, a pena para o fato passou a ser a de expulsão da instituição de ensino mais execução na fogueira mais destruição do lar do condenado.

 

Leis temporárias

São as leis editadas para viger durante um período predeterminado na própria redação da lei. Geralmente são feitas para atender a situações extraordinárias. Elas durarão o tempo que durar a situação excepcional que as motivou.

O Código Penal prevê a ultratividade das leis excepcionais e temporárias: significa que elas continuam valendo mesmo apos a cessação de suas vigências, quanto aos crimes praticados durante sua vigência. Exemplo: na Inglaterra do séc. XVII, estava havendo um boom populacional. O rei editou um decreto proibindo o sexo sem seu consentimento, visando ao controle de natalidade. Aquele que quisesse ter relações sexuais deveria procurar a realeza que, depois de apreciar seu caso, emitiria um documento em forma de uma placa para se pregar na porta de casa. A placa continha o aviso: “Fornication Under Consent of the King”, ou, abreviadamente, F.U.C.K. Ora, naquela época, as casas eram todas pequenas, próximas umas às outras, feitas de madeirite, material muito inflamável, que ao mesmo tempo era péssimo isolante acústico, portanto era fácil flagrar um casal praticando a "conjunção carnal", mesmo dentro de casa. Inclusive foi por isso que ocorreu o histórico “Fire of London”, incêndio que destruiu grande parte da cidade de Londres, em que o fogo atingia casa por casa. Isaac Newton fugiu para sua fazenda e lá começou a desenvolver suas teorias da Física. Isso foi em 1666. Haveria sanções para quem descumprisse a medida anti-sexo do rei, claro.

Suponha, então, que a Inglaterra tenha um ordenamento jurídico semelhante ao brasileiro. Depois de alguns anos, a população parou de crescer desordenadamente, e entendeu-se que não mais seria necessária a Lei Fuck, e esta foi revogada. Entretanto, dias depois, surgiram provas de que um casal vinha fazendo amor freqüentemente sem haver conseguido placa real. Nesse caso, a lei deve retroagir para prejudicar os réus. Em resumo: as condutas criminosas praticadas durante vigência de lei temporária, que, ao cessar, deixa automaticamente de considerar crimes tais fatos, serão punidas independentemente do término de sua vigência.

Mas alguns autores vêm dizendo que isso é inconstitucional, por causa da não-recepção pela Constituição de 1988: haveria violação ao princípio da retroatividade da lei mais favorável ao réu. Simplesmente adveio o período de cessação da lei. Outros defendem que houve recepção.
 

Contagem dos prazos penais

Desejamos saber se determinado indivíduo é maior ou menor de idade. Ele nasceu no dia 21/8/90. Para efeito de cumprimento de pena, o Código manda que desprezemos as frações de dias, ou seja, no dia de seu aniversário de 18 anos, ele já é considerado maior de idade, independente da hora de seu nascimento registrada na certidão. Considera-se o dia a partir do começo desprezando as frações. Se ele cometer um crime, for processado, julgado e levado à penitenciária às 23:00, às 0:00 do dia seguinte, ou uma hora depois, ele já terá cumprido um dia de pena. O dia do começo é considerado para efeito de prazo penal. Uma pena de exatamente um ano que começa a ser cumprida em 20/05/08 termina em 19/05/09. Para efeitos penais incluem-se os feriados e finais de semana.

Os prazos processuais, todavia, são diferentes. Começa a se contar no dia seguinte à intimação. Se cair num sábado, domingo ou feriado, iniciará a contagem no próximo dia útil. Se determinada intimação tiver prazo de 5 dias e alguém recebê-la numa quarta-feira, então a pessoa deverá se manifestar até quarta-feira da semana seguinte, que correspondem a 5 dias úteis.


  1. Fonte: http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=711.NUME.%20NAO%20S.FLSV.&base=baseSumulas
Questões sobre a matéria até agora:
  1. Se alguém perguntar o que é o Direito Penal, o que você diria?
  2. "O juiz é o escravo da lei; ele não pode ir além nem aquém dela, pois não é legislador”. O que você acha disso?
  3. Conceituar e distinguir analogia de interpretação analógica.
  4. Dissertar sobre o princípio da legalidade.