Direito Penal

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Consumação e tentativa

Frase do dia: “não há tentativa quando, iniciada a execução, o agente desiste voluntariamente ou se arrepende eficazmente.”

Tópicos:

  1. Introdução
  2. Iter criminis
  3. Conceito de consumação
  4. Súmula 610 do STF
  5. Conceito de tentativa
  6. Requisitos da tentativa
  7. Espécies de tentativa
  8. A pena

Introdução 

Como regra, no Direito Penal, só se punem crimes consumados e tentados. Vale dizer: como regra, ações meramente preparatórias ou de cogitação não têm relevância penal. Por que isso? É importante perceber que estas aulas estão conectadas às primeiras. Como dito antes, o Direito Penal tem caráter subsidiário. É a “última ratio” do controle social formal. Então, o Direito Penal só se ocupa de coisas lesivas, como diz o princípio da lesividade ou da ofensividade.

Exemplo: sujeito deseja matar um desafeto. Compra arma, ou contrata um pistoleiro, e, no caminho da realização do plano, desiste. Suponhamos que ainda assim ele é preso. Será ele acusado de tentativa de homicídio? Negativo. No máximo por porte ilegal de arma, na pior das hipóteses.

A pena para os crimes tentados é a mesma para os consumados, reduzida em um terço a dois terços, a critério do juiz.

 

Iter criminis

É o caminho do crime. Possui três fases:

  1. A primeira é a que começaria pela cogitação, o pensar em praticar o crime, bem como levantar os planejamentos.
  2. Depois segue-se para a fase de preparação ou de atos preparatórios. Comprar arma, veículo, manufaturar a bomba, contratar falsário, contador, pistoleiro, etc.
  3. E finalmente aos atos executórios. Esta é a fase de consumação e tentativa. O agente planeja, compra a arma, aponta e atira. Se acertar e matar, então é consumado o crime de homicídio. Se não chegar a matar, é tentado. Somente na execução que falamos na relevância jurídico-penal da ação; só os atos executórios interessam ao Direito Penal. Como regra, atos de cogitação e preparação são considerados irrelevantes. Algumas exceções: petrechos para falsificação de moeda, porte de armas, de drogas e (formação de) bando ou quadrilha.

Exemplo: um bando se reúne num hotel que fica ao lado de um banco roubá-lo, banco esse que abre às 11 horas da manhã. Se o bando for preso às 10:30 com armas e com os integrantes prontos para a assaltar o banco, não haverá tentativa de roubo; o único crime praticado até então terá sido o próprio bando ou quadrilha e o porte de armas, ambos já consumados.

Em geral, os autores consideram que o iter criminis se compõe dessas três fases. Mas há um autor, chamado Rogério Greco, que defende que, além dessas fases, também faz parte o exaurimento. Não apenas Greco. O que é isso? O exaurimento é uma fase posterior à execução do crime, à sua consumação. O crime já se consumou e o agente consegue realizar tudo o que havia pensado. Exemplo: meliante que mata os pais para obter a herança: recebê-la seria o exaurimento do crime já consumado (de homicídio). Na verdade, o exaurimento, em geral, ou é um crime autônomo, ou não-autônomo. Pode ser uma qualificadora ou causa de aumento de pena, ou então não ser nada. Matar e ocultar o cadáver: a ocultação é exaurimento, ou fase do exaurimento o crime de homicídio, e será um crime autônomo. Se o assassino também por acaso for necrófilo, o vilipêndio a cadáver que ele venha a praticar será um exaurimento, porém classificado como novo crime autônomo:

        Vilipêndio a cadáver

        Art. 212 - Vilipendiar cadáver ou suas cinzas:

        Pena - detenção, de um a três anos, e multa.


Recebimento de dinheiro de extorsão mediante seqüestro: mero exaurimento. O crime já está consumado desde a abordagem da vítima com constrangimento dela. Concussão (art. 316 do Código Penal): também já se consuma no simples ato da exigência da vantagem ilícita pelo funcionário público.

 

Conceito de consumação

É um conceito essencialmente formal. Ou seja, só sabemos se um crime é consumado ou tentado se observarmos a redação do tipo penal. Crime consumado é aquele em que nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal.

  1. Consumação dos crimes materiais: ocorre com a consumação do resultado. Exemplo: homicídio. Se a vítima sobrevive, não há consumação, mas mera tentativa. 
  2. Consumação dos crimes formais: a consumação se dá antecipadamente. É o caso da extorsão mediante seqüestro. Se o seqüestrador entra em contato com a família para exigir o dinheiro e a polícia o prende horas depois, mas antes que ele receba o dinheiro, o crime já está consumado. Extorsão mediante seqüestro tem o seguinte tipo penal: ”seqüestrar com o fim de...” (art. 159); concussão: “exigir vantagem...” (art. 316). Na observação dos tipos penais, é fundamental atentar para o verbo na redação.
  3. Consumação dos crimes de mera conduta: são crimes sem resultado. A consumação também se dá antecipadamente. Exemplo: violação de domicílio e violação de correspondência (arts. 150 e 151, respectivamente). Também os crimes omissivos próprios, como a omissão de socorro (art. 135). A consumação se dá no ato da própria omissão.

 

Súmula 610 do STF

É uma súmula antiga, até agora não questionada nem revogada. Fala especificamente sobre o latrocínio, o roubo seguido de morte (art. 157, § 3º, segunda parte):

        Roubo

        Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:

[...]

        § 3º Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de sete a quinze anos, além da multa; se resulta morte, a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa.

Nele, o sujeito mata para roubar, ou seja, é um roubo com o resultado morte. O latrocínio é consumado sempre que houver morte da vítima. Isso é o que diz a súmula. Se houver subtração tentada e morte consumada, haveria, de acordo com essa súmula, latrocínio consumado. Está certo isso? Vimos anteriormente que “é consumado o crime quando se reúnem todos os elementos de seu tipo”. Mas o roubo sequer foi consumado! Então essa súmula não é razoável.

Se houver subtração consumada seguida de morte, então não há dúvida, o latrocínio é evidente. Entretanto, se houver o contrário: subtração consumada e morte tentada, também há controvérsias. Alguns autores dizem que haveria dois crimes autônomos, enquanto outros dizem que trata-se de um tentado, outros dizem que são dois consumados... Há também controvérsia sobre a retroatividade hipotética dessa súmula: se, por acaso, essa súmula for revogada, deverão aqueles que foram julgados e condenados por latrocínio consumado na descrição da súmula (subtração tentada e morte consumada) ser soltos e voltar à condição de réus primários, como no caso da abolitio criminis?

Conceito de tentativa

A tentativa ocorre quando, iniciada a execução do crime, ele deixa de se consumar por uma circunstância alheia à vontade do agente. Por exemplo: o sujeito deseja matar alguém, mas erra o tiro ou a vítima resiste. A circunstância estranha pode ser: falta de perícia, inesperada capacidade de resistência da vítima, vento¹, etc.

Qual a diferença entre crime tentado e consumado?

Subjetivamente, não há diferença. Do ponto de vista da intenção, o dolo do agente é o mesmo tanto no tentado quanto no consumado. Então, a diferença é está exclusivamente no plano objetivo. No crime consumado, há a produção do resultado previsto em lei. Na tentativa, não há a produção do resultado previsto no tipo.

No passado, alguns autores propunham que consumação e tentativa tivessem a mesma pena, pelo fato de o dolo ser o mesmo. Mas é que os autores atuais fazem uma distinção entre o desvalor da ação e desvalor do resultado. No crime consumado e no crime tentado, o desvalor da ação seria o mesmo. Num caso a vítima morreu, noutro sobreviveu, inclusive com a possibilidade de ter ficado sem seqüelas.

 

Requisitos da tentativa

A tentativa pressupõe:

  1. Início dos atos da execução;
  2. Não-consumação por circunstâncias alheias à vontade do agente.

Se o agente é preso no caminho da casa da vítima, então ele ainda está na fase preparatória, e não há tentativa. E se uma jovem sem muitas possibilidades de resistência recebe uma carona em que o motorista desvia do caminho em vez de levá-la para casa, situação na qual ela já percebeu a intenção do sujeito? Note que o estupro é "constranger". O grande problema é distinguir tentativa de ato preparatório. O fato alheio à vontade do agente pode ser: resistência da vítima, imperícia do agente, intervenção policial ou de terceiro². Logo, se ele não se consumar porque o agente desistiu, então não há nem tentativa. O ladrão de carros que percebe que há uma criança no banco de trás e por isso acaba desistindo de levar o carro ao desmanche não faz consumar o crime de furto, por fato não alheio à vontade do agente, mas fato justamente inerente à sua própria vontade. É o que chamamos de desistência voluntária. Também não há tentativa quando há arrependimento eficaz.

        Desistência voluntária e arrependimento eficaz

        Art. 15 - O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados.


Não há tentativa quando, iniciada a execução, o agente desiste voluntariamente ou se arrepende eficazmente.

 

Espécies de tentativa

Há duas:

A primeira ocorre quando o agente exaure os elementos de que dispõe para a consumação do crime. Ou seja, há uma tentativa perfeita quando ele realiza a ação, por exemplo, de disparar os 20 tiros de uma Glock 18c e esvaziar o pente.

A tentativa perfeita tem a ver com arrependimento eficaz.

Já a tentativa imperfeita ocorre quando o sujeito não exaure os meios de que dispõe para a consumação do crime. Associa-se à desistência voluntária: o atirador dispara, por exemplo, uns sete tiros da pistola, mas, quando se dá conta da própria alteração emocional, desiste de puxar o gatilho e, portanto, de dar prosseguimento à execução.

Se ele dá um tiro em alguém, a pessoa finge que morreu e o atirador se retira? Há desistência voluntaria? Não.

Ainda há referencia à tentativa branca: quando o sujeito ou autor não acerta o alvo. Não consegue atingir o bem jurídico protegido pela norma.

 

A pena

A pena do crime tentado é a mesma do consumado com uma diferença: ela é reduzida de um terço a dois terços. Para isso, devemos observar os princípios da proporcionalidade e da lesividade. Quanto mais o crime se aproximar da consumação, menor deve ser a redução. Quanto mais longe tiver sido a tentativa da consumação, maior a redução e menor a pena. No primeiro caso, podemos imaginar um golpe de faca que ficou a milímetros do coração da vítima; no segundo, podemos imaginar uma mulher que, nunca tendo manuseado uma arma, atira no alvo mas, em vez de acertá-lo, acaba desenhando seu contorno na parede de fundo.

Houve um caso, comentado pelo professor, em que um homem, suspeitando que sua mulher o traía, desferiu-lhe 90 facadas, deu-lhe dois tiros e ainda passou por cima de seu corpo com o carro. A mulher, provavelmente por milagre, resistiu. É por causa de casos como esse que um crime tentado pode acabar tendo pena resultante maior do que um consumado: o juiz pode aplicar a maior pena prevista e a menor redução em virtude da não-consumação.


1- O vento não foi citado, mas, a esta altura da aula, ele poderia se encaixar na descrição de circunstância alheia à vontade do agente. Entretanto, perguntei mais tarde se o sujeito que atira contra um carro com a intenção de matar o ocupante, mas sem saber que o vidro é blindado, pratica tentativa de homicídio ou crime impossível. O professor disse que essa é uma discussão em aberto. Portanto, não confiem muito no "vento" como "circunstância alheia à vontade do agente", ainda.

2- Neste momento vemos, como o professor não citou "outros fatores", que o vento pode ser uma circunstância alheia à vontade do agente que configure de fato crime impossível, e não apenas tentado, apesar de eu achar que a hipótese de crime impossível é bem menos provável para o caso do vento.