Direito Penal

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Tentativa - continuação

Frase do dia: "A desistência voluntaria afasta a tentativa."
Tópicos:
  1. Crimes que não a admitem
  2. Preparação e tentativa
  3. Desistência voluntária e arrependimento eficaz
  4. Crime impossível
  5. Súmula 145 do STF
  6. Flagrante retardado
  7. Arrependimento posterior

Crimes que não a admitem

Nem todos os crimes admitem a forma tentada. Há crimes incompatíveis com a forma tentada, como os culposos. Todos os crimes culposos são necessariamente consumados ou então não ocorreram. Exemplo: “atropelamento”. Não cabe falar em tentativa em crime consumado; se houve de fato uma “tentativa intencional” de se atropelar alguém, deve-se observar o dolo do agente, se foi de causar lesão corporal ou homicídio, não atropelamento. Alguns autores falam em tentativa consumada, mas não são bem vistos e são minoritários. Devemos lembrar que nos crimes culposos o sujeito não quis o resultado, mas deu causa a ele por negligência, imperícia ou imprudência.

Os crimes preterdolosos também não admitem a tentativa, pela mesma razão: é a fusão de dolo e culpa. Se não houver resultado culposo, então o crime não é preterdoloso, apenas doloso, e a tentativa é admitida.

Caso do Índio Galdino: primeiro entendeu-se que houve preterdolo, com lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3º), mas o tribunal de segunda instância entendeu que houve no mínimo dolo eventual. Se o índio sobrevivesse, ou haveria homicídio tentado ou lesão corporal dolosa grave. O primeiro entendimento foi de que houve um crime preterdoloso consumado. Não há a possibilidade de crime preterdoloso tentado.

Também não cabe falar em tentativa nos crimes habituais. Exemplo: bando ou quadrilha (art. 288), exercício ilegal da medicina (art. 282), charlatanismo (art. 283), curandeirismo (art. 284), etc. Para configurar o tipo penal, deve haver habitualidade ou o fato é considerado atípico. Se um bando for preso depois de roubar o banco, se foi a primeira vez que eles se reuniram, haverá roubo consumado mas não haverá o crime de bando ou quadrilha porque faltou a habitualidade. O mesmo para o sujeito que se finge médico e prescreve medicamento que causa lesões corporais graves.

Contravenções também não admitem tentativa, como dito no art. 4º da lei de contravenções penais (LCP):

        Art. 4º Não é punível a tentativa de contravenção.

Como visto, é proibida por expressa disposição legal a punição por tentativa de contravenção.


Preparação e tentativa

O maior problema e distinguir o ato preparatório da execução. Precisamos saber o que são atos de execução e o que são atos preparatórios. Por exemplo: alguém é preso depois de entrar num quintal de uma casa, ou então enquanto a destelhava, mas ainda sem nela adentrar. Destelhar a casa ou entrar no quintal é considerado ato preparatório ou ato executório? Outra situação: um sujeito é preso na fila do banco, aguardando o melhor momento para anunciar o assalto. Qual a classificação desse ato (de aguardar)? Qualquer um dos atos acima descritos pode ser tanto ato preparatório quanto ato de execução. Há várias teorias para ajudar na resolução desse problema:

  1. A primeira coisa a se levar em conta é o dolo. Voltemos ao caso do sujeito que é preso no quintal da casa. Essa invasão é considerada ato preparatório ou execução? Veja bem: se a intenção era adentrar na casa para matar o dono, então se trata de um ato preparatório. Mas tiver sido para furtar algo? Então é ato executório. Logo, além do dolo, é fundamental saber...
  2. Qual é o crime que se pretendia cometer. O caso da fila do banco é ato preparatório. Mas se o ladrão for preso fora do horário de expediente, ou se tiver se escondido até a hora de fechar o banco? Então será ato de execução em relação ao furto. Nesse caso, o agente já está atuando ilegalmente; já há violação à propriedade. Dessa forma, é necessário que a atuação seja ilegal, mesmo que não configure crime algum.
  3. Terceira coisa a se levar em consideração: o critério formal. Devemos observar o verbo usado na oração/no tipo. No artigo 121, que trata do homicídio, o verbo é matar.  Se uma arma é apontada para o alvo como intuito de matá-lo, isso ainda é ato preparatório, pois não houve risco de se configurar o tipo. Entretanto, já estamos no terreno da execução se dispara-se o primeiro tiro e erra-se o alvo.

Adentrar na casa para furtar: já é início de ato de execução, pois uma ilegalidade já foi cometida para se perfazer o ato de furtar: a invasão de domicílio.

Sutileza: No exemplo anterior, em que a arma é apontada para o alvo, o apontar é um ato preparatório. No entanto, se o alvo vir o atirador momentos antes do disparo, então está configurado o crime de ameaça, ou seja, uma ilegalidade foi cometida antes de se perfazer o crime de homicídio, que era o objetivo do atirador. Ainda assim, nada mudará com relação ao apontar da arma; isso ainda terá sido um ato preparatório.

Estupro: o sujeito dá carona a uma mulher, diz que vai estuprá-la e tranca-a para que ela não possa sair do carro. Essa é uma seqüência de atos preparatórios, apesar de ser uma distinção um pouco mais difícil. Isso porque o tipo penal do estupro, como diz o art. 213, é constranger, não estuprar. Todavia, se os dois estão na conversa preliminar, na qual o sujeito deixa claro suas intenções sexuais, não se cometeu ainda um ato executório, então na pior das hipóteses pode haver apenas o assédio.

Na dúvida, deve-se invocar o princípio in dúbio pro reo.

 

Desistência voluntária e arrependimento eficaz

Desistência voluntária: o agente pode, durante o iter criminis, desistir de um ato já iniciado. Ocorre a desistência quando, iniciado o ato executório, o sujeito interrompe os atos que praticaria subseqüentemente. Se isso acontece, e se essa interrupção for voluntária, ele não responderá por crime tentado. A desistência voluntária afasta a tentativa. Se for o caso, ele responde pelos atos já praticados:

        Desistência voluntária e arrependimento eficaz

        Art. 15 - O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados.


Lesão corporal para matar: o agente que está agredindo alguém e desiste em seguida do homicídio que tinha a intenção de praticar responderá apenas por lesão corporal. A desistência voluntária não leva à impunidade; apenas afasta a tentativa do crime posterior.

Dar um tiro, errar e desistir (sem esgotar a munição): a desistência voluntária pode levar à impunidade total ou à punição em relação aos atos já praticados, desde que eles configurem um tipo penal.

Para ter lugar, a desistência tem que ser voluntária. O sujeito poderia prosseguir, mas não quis. É o mesmo caso do sujeito que furta o carro com uma criança dentro, já visto antes. Se a desistência voluntaria for inútil, então o crime se consuma, e o agente responderá por ele.

Arrependimento eficaz: possui o mesmo tratamento legal. Quando o sujeito pratica a ação necessária à consumação do crime, exaurindo o meio que dispõe para praticar o crime (como o pente da pistola), mas se arrepende: ele dispara uns sete ou oito tiros e, depois de feito, leva a vítima para o hospital. A diferença básica é em relação ao momento. Aqui no arrependimento eficaz, há uma intervenção positiva. Se houver arrependimento eficaz, o sujeito não responde por crime tentado, apenas pelos atos já praticados. Se a “tentativa de conserto” não der certo, o crime será consumado. Na melhor das hipóteses, o sujeito pode ter uma atenuação de pena por ter se arrependido.

 

Crime impossível

Ocorre em duas situações: quando houver ineficácia absoluta do meio ou impropriedade absoluta do objeto (ou então a conjugação de ambos.)

Na prática, os juízes não têm sido tão exigentes para admitir a ineficácia absoluta do meio. Houve um caso em que uma jovem de 17 anos tomou a carteira de identidade de uma mulher de 52 para ir ao banco tentar sacar dinheiro de sua conta. O caixa, não precisando de muito discernimento, logo perguntou a idade da esperta moça. Ela respondeu "52". De tão ineficaz a tentativa de se enganar o sujeito do caixa, a acusação de estelionato foi indeferida. Também é caso de crime impossível tentar passar nota falsa de R$ 3,00. Naquele hilário caso (em que o falsário nem se deu ao trabalho de inventar um novo animal brasileiro para ilustrar a cédula, que imitava a de R$ 2,00), houve ineficácia absoluta do meio.

Ineficácia absoluta do objeto: tentar matar “alguém” que já está morto, por exemplo, ou então "estuprar" boneca inflável.

Só há crime impossível quando há absoluta ineficácia do meio ou do objeto. Se a ineficácia for relativa, o crime é possível, portanto é tentado.

Situações controvertidas: atirar contra carro blindado, com a intenção de matar o ocupante. É circunstância acidental ou relativa o fato de o carro ser blindado. Logo é tentativa, até porque o agente poderia usar uma arma com maior poder de penetração, e aí conseguiria seu objetivo. Entretanto, atirar com um revólver calibre .38 num alvo a 500m  de distância também é impossível. Na dúvida, invoquem o in dúbio pro reo.

A ineficácia ou impropriedade deve ser analisada concretamente. Em abstrato, o meio pode ser ineficaz, mas concretamente eficaz, como é o caso do açúcar ministrado a diabéticos: o açúcar é considerado, abstratamente, um meio inócuo para matar alguém. Mas se a vítima for diabética, então o açúcar poderá ser tão eficiente quanto um veneno.

 

Súmula 145 do STF ¹

Súmula 145

NÃO HÁ CRIME, QUANDO A PREPARAÇÃO DO FLAGRANTE PELA POLÍCIA TORNA IMPOSSÍVEL A SUA CONSUMAÇÃO.


Esta súmula criou uma terceira hipótese de crime impossível: a do flagrante provocado ou preparado. Ocorre flagrante preparado quando a polícia prepara uma situação de flagrante para possibilitar a prisão de alguém. É uma situação de mentira para que o sujeito ou autor do crime seja preso em flagrante. Para isso, é necessário que haja de fato uma preparação, e também a não-consumação em razão dessa preparação. Agora imagine que um juiz exija uma quantia considerável para dar uma sentença. O advogado aceita e aciona a polícia. Não é crime impossível, a concussão (art. 316) ocorreu normalmente no ato da exigência da vantagem.

Tráfico: há algumas questões. Um sujeito é policial e se faz passar por usuário para prender o traficante. O crime e o flagrante coincidem cronologicamente. Só há comprometimento daquele crime que foi objeto da preparação. No entanto, se a policia descobrir, por tabela, que havia drogas ali perto armazenadas, então a prisão por tráfico é valida por ter o novo fato se encaixado num dos outros 17 verbos associados ao tráfico: “ter em depósito”.

Não confundam flagrante provocado com flagrante esperado. Este é valido, e a súmula não se aplica aqui. É o caso de a polícia saber que alguém está praticando um crime e espera o melhor momento para a prisão. Isso significa que a polícia não interveio no iter criminis.

Embora a súmula fale de policia, também se entende quando se fala em segurança privada, repórteres, etc, que são outros agentes que podem interferir no iter criminis.
 

Flagrante retardado

Algumas leis admitem expressamente o instituto do flagrante retardado. Ocorre quando a polícia, sem intervir no iter criminis ou curso causal, adia ou retarda a prisão do sujeito ou agentes do crime. É muito comum a polícia fazer escutas e deixar passar pequenas coisas quando já poderia prendê-los desde logo. Mas ela aguarda mais tempo para identificar toda a quadrilha e interceptar o carregamento maior de drogas. É uma espécie do flagrante esperado.

Na prática, é difícil distinguir flagrante retardado de flagrante provocado. É como o caso de um sujeito que foi preso na Alemanha com grande quantidade de drogas para vir ao Brasil, mas, em vez de ir direto para o xadrez, fez um acordo com a justiça alemã coordenado com a brasileira para que ele viesse com as drogas para cá, permanentemente policiado, para que pudesse ser preso juntamente com os outros integrantes da quadrilha. Se tivesse sucesso, teria sua pena reduzida. O que interpretar, então? O flagrante foi provocado ou esperado? Ora, o crime já estava acontecendo quando ele foi interceptado pela polícia alemã. Entretanto, a segunda parte foi provocada mesmo. Então tanto pode-se dizer que houve quanto que não houve intervenção no iter criminis. O bom advogado deverá alegar a súmula 145.

 

Arrependimento posterior

É uma causa de diminuição de pena aplicável aos crimes consumados ou tentados nos quais não tenha havido violência ou grave ameaça à pessoa. Não é propriamente um arrependimento. É aplicável quando o sujeito reparar o dano ou restituir a coisa. A pena é reduzida de um terço a dois terços em razão disso. Também pode ser aplicado eventualmente em crimes tentados.

        Arrependimento posterior

        Art. 16 - Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.


1- http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=145.NUME.%20NAO%20S.FLSV.&base=baseS