História e Cultura Jurídica Brasileira

quarta-feira, 10 de setembro de 2008


Formação dos Estados modernos

Lembrete: a prova poderá conter toda e qualquer matéria que o professor deu em sala de aula.

 Tópicos:

  1. Introdução
  2. Inglaterra
  3. Estados Unidos
  4. Prússia
  5. Portugal
  6. Esquema

Introdução

Qual é a idéia central do texto de José Murilo de Carvalho? É mostrar como se processou a construção, estruturação e formação do Estado moderno do Ocidente. O nascimento do Estado, essa estrutura que para a nos é cotidiana, quase natural, e que não nos parece possível haver vida sem o Estado. Até mesmo por conta de nossa tradição. Essa tradição é de uma importância, grandeza e onipotência do Estado ¹, e a sensação que temos é que não viveríamos sem tal coisa. Todavia, há a história para nos mostrar o contrário: as origens, as matrizes, a cronologia da formação do Estado. A história não é nada natural, como já vimos nas primeiras aulas. Um dos pontos centrais desse texto é mostrar por que esse processo de formação do Estado e de centralização se deu. Todavia, para se fazer isso, propõe que se faça a partir de um lugar de observação. Vamos olhar pela perspectiva das elites políticas.

Estamos estudando o Estado moderno, no caso específico de Portugal, Gregório VII, a revolução gregoriana, a revolução canônica... José Murilo decide olhar o processo pela ótica da formação das elites, sobretudo na construção de um aparato técnico-burocrático que é o Estado, do tipo português. Isso é dito por Mosca e Pareto, que são os autores a quem José Murilo recorre.

O elemento fundamental que se deixou de fora foi a formação do Estado. Então vamos pensá-la. Quais são as etapas clássicas? Weber e Wallerstein ², discorrem que tais elementos seriam: a centralização da taxação fiscal, o domínio e controle legítimo da força, a jurisdição compulsória sobre um determinado território, o monopólio do recrutamento militar, criação de legitimidade em relação aos súditos, ampliação do poder de taxação e burocratização.

Onde predominou a burocracia, seus estratos mais altos se confundiram em parte ou totalmente com a elite política. Então, vamos ver os tipos de Estado. Onde predominou a burocracia, como já dito, a elite política tende a se confundir com a elite burocrática. Onde predomina o parlamento e partidos políticos, a elite política tende a tirar seu poder fora do Estado, de fontes externas a ele. Como vimos, o Brasil se encaixa no primeiro caso. São essas as duas possibilidades. Dois grandes tipos dentro dos quais se inserem os exemplos que ele dará, e que são os que veremos hoje.

Onde a revolução burguesa foi mais profunda, há menor importância do Estado. Isso para nós é até lógico, já que as revoluções burguesas vieram justamente para requerer liberdades, e o Estado passou a dever interferir menos na vida dos indivíduos. As elites, portanto, tiravam seu poder de fontes externas ao Estado. Aqui no Brasil nem houve revolução burguesa, nem guerra nem derramamento de sangue; como vimos na aula de Direito Constitucional, a independência do Brasil foi comprada. ³ O Brasil é um Estado onde predomina a burocracia, e, por isso, os estratos mais altos tendem a se confundir, em parte ou totalmente, com a elite política. Note que, como dito na aula passada, os setores sociais mais significativos são justamente os que estão comprometidos com o governo atual: CUT, MST e UNE, para dizer apenas três exemplos.

 

Inglaterra: primeira revolução burguesa do Ocidente.

O caso inglês é tipico de uma revolução burguesa, precoce em relação às outras. Em todos os exemplos que vimos em sala, desde o feudalismo, víamos propriedades auto-suficientes, com baixa densidade populacional, nada de salário, nem comércio nem moedas, todo aquele cenário. O caso inglês é um pouco atípico. Quando olhamos de perto, vemos que lá  havia uma aristocracia que desde muito cedo virou capitalista de proprietários. A mentalidade era completamente diferente da Europa continental; relação da aristocracia inglesa com a terra é bem diversa do comportamento das outras aristocracias. Enquanto as outras viam a terra como um símbolo de status social, a aristocracia inglesa olhava para a terra como um objeto capaz de propiciar e produzir riquezas. Essa forma de relação com a terra fomentava a concepção de métodos e técnicas de cultivo completamente distintas das praticadas no resto do Ocidente, não para produção simples (para o senhor feudal e seus súditos), mas para o mercado. A aristocracia dependia, para sua presença e permanência no mercado, de várias técnicas e relações com outros setores da economia, como os construtores de máquinas. Sem eles, a aristocracia não cumpriria seus objetivos. Esse tipo de relação da aristocracia com a terra produziu a possibilidade de transformações na estrutura feudal do campo. Essas inovações permitiram que propriedades rurais não tão grandes produzissem relativamente mais do que os latifúndios do continente, que praticavam produção extensiva: aumentava-se a quantidade de terra plantada para maximizar a quantidade de produtos. Não era o caso inglês, que usava a agricultura intensiva.  As inovações eram capazes de fazê-los produzir em pequenos pedaços de terra a mesma quantidade que uma porção bem mais vasta do resto da Europa seria capaz. Produtividade era a chave, não produção em termos absolutos. Foi isso que permitiu que a aristocracia inglesa se sobressaísse.

Enquanto a agricultura inglesa já pensava em termos industriais, as outras estavam devagar. Por isso que, no século XVIII, a revolução industrial ocorre de maneira muito bem sucedida na Inglaterra.

De onde essas classes inglesas dominantes retiram seu poder? Do Estado? Ou seria de suas forças sociais, de suas capacidades de produzir riquezas, do pagamento de salários, de uma economia cada vez mais monetária? Da sociedade. Por isso a precocidade da revolução inglesa (com eventos que pipocaram em 1650, 1660 e 1688). Assim, a elite tira seu poder das forças sociais. Ela se assenhorou do parlamento, que é a caixa de ressonância das forças políticas. Note que a revolução inglesa nasceu de uma luta entre parlamento e o rei. O parlamento é representação da sociedade (coisa que praticamente não existe no Brasil, só temos notícia de executivos fortes, mas não legislativos fortes), que se contrapõe a um rei absoluto. Então, era uma revolução da sociedade contra o Estado. Bom para eles, já que o Estado adotou uma forma não-paternalista e não-patrimonialista lá; pelo esforço dos ingleses, a Inglaterra é hoje um país que tem sua identidade dentre as mais fortes do mundo.

 

Estados Unidos

Outro caso de sucesso de revolução burguesa, aliada de uma revolta contra o domínio colonial.  Ela se faz no momento da independência em relação à sua metrópole. No caso dos EUA, temos uma elite de profissionais liberais, industriais, comerciantes, etc. Exceto o sul do país, que era escravista, em que havia uma estrutura agrária, de fazendeiros donos de pequenas terras, que progressivamente se mecanizam, o que permite que os EUA seja, já no século XIX, um “grande celeiro do mundo”, o grande produtor de alimentos. Os profissionais liberais eram basicamente os advogados: representantes de interesses. A elite política é constituída de profissionais que representam a sociedade, não o Estado. Os juristas, que são o caso típico português, são os que defendiam o interesse do Estado.

Prússia

Temos a formação e fortalecimento do Estado não em função das forças sociais, mas de um misto delas: um misto de burocracia civil e militar. Há um conflito entre o imperador e sua nobreza. A burocracia forçou o imperador a fortalecer o Estado, especialmente na indústria. Ela fez isso atacando os pontos fundamentais de poder do imperador e sua nobreza: abolição dos privilégios. Nem mesmo na Inglaterra havia algo semelhante. Construiu-se e formou-se um sistema de regras, e treinavam-se as elites burocráticas com base na diferenciação de assuntos, como é feito com os ministérios hoje. Havia luta entre modernizados e atrasados. A burocracia civil e militar modernizante prevaleceu. Há papel forte do Estado no desenvolvimento capitalista, mas também há a presença forte de setores da sociedade. É uma aristocracia modernizante, não mais tradicional.

 

Portugal

O caso mais interessante para nós. Portugal foi o primeiro país a ter a centralização e fortalecimento do Estado moderno. Não foi por outro motivo que foi também o primeiro país capaz de fazer sua expansão ultramarinha e de constituir colônias. Essa formação do Estado foi feita através de uma poderosa luta de reconquista contra os mouros e contra as forças leonesa e casteliana, luta essa que exauriu as forças aristocráticas portuguesas. Antes disso, Portugal era apenas um condado. Durante o próprio esforço das reconquistas, centralizou-se o poder no rei. O Estado português já nasce com essa propensão de se concentrar na figura de um monarca que controla as forças da nobreza. Isso ocorreu três séculos antes da revolução inglesa. Houve enfraquecimento da nobreza, o que a impediu de ter a mesma força que teve a aristocracia inglesa para com a terra. Pouco se investia na terra em Portugal. Não se pensava no mercado, mas apenas em si próprio. Como a nobreza ficou empobrecida, é o Estado o personagem que manterá a coesão entre os segmentos da sociedade. O que permitiu que o Estado conseguisse abrigar todas essas pessoas foi a expansão ultramarinha. Veja como a sociedade tem muito menos força em Portugal do que na Inglaterra e nos EUA. A nobreza era dependente do emprego público. As classes dominantes no Brasil também dependem fundamentalmente do emprego público.

 


Esquema:

Inglaterra:
Uma aristocracia capitalista de proprietários rurais, financistas e industriais
      |-> transformações capitalistas no campo
      |-> monopólio do parlamento e cargos ministeriais
            |-> defesa dos interesses agrários e industriais

EUA:
      |-> sem aristocracia, elite política composta de industriais, comerciantes, fazendeiros e proprietários liberais (advogados),
      diferentemente dos juristas, eram ligados à representação de interesses
            |-> produto das revoluções burguesas           

Prússia:
O Estado como motor do desenvolvimento capitalista e da unidade nacional (centralização)
      |-> papel mais importante da burocracia na política - > elite burocrática treinada e capacitada
      |-> Cameralismo

Burocracia civil e militar aliada a uma nobreza modernizadora
      |-> luta contra os privilégios de uma nobreza agrária atrasada (abolição)
            |-> introdução dos princípios de mercado na aquisição de terras

Portugal:
      |-> luta de reconquista
      |-> centralização do poder monárquico e formação do Estado moderno sob D. João I (1385)
      |-> enfraquecimento da nobreza terratenente
      |-> pobreza e despovoamento do campo
      |-> nobreza empobrecida e população faminta -> dependentes do serviço do Rei e da empresa colonial
            |-> dependente do emprego público.


1- Há até quem diga sobre a onipresença do Estado, especialmente com o problema dos grampos telefônicos de ultimamente.
2 - O problema da aula passada com relação a esse sujeito permanece. Esqueci de perguntar pro professor sobre ele.
3- Professor Mauro de Direito Constitucional concorda que pode ser esse o motivo de a identidade do Brasil e do brasileiro não são tão fortes quanto de outros países mais prósperos. As nações que brigaram pelas suas independências são hoje as mais fortes.