História e Cultura Jurídica Brasileira

quinta-feira, 11 de setembro de 2008


Continuação 

Esta é a última aula antes da prova.
Não haverá liberação antecipada da questão.
Haverá múltiplas questões embutidas em uma. Devemos fazer reflexões e relações entre os fatos aprendidos. 

Vamos finalizar o texto do capítulo 1 do livro A Construção da Ordem, de José Murilo de Carvalho.

O primeiro elemento tem relação direta com o caráter parasitário da nobreza de Portugal, e o tipo de formação histórica do Estado português está diretamente vinculado ao próprio modelo histórico da sociedade portuguesa. Foi o primeiro constituir um Estado forte e centralizado, aproximadamente em 1385. Portanto, já no século XIV havia uma estrutura administrativa e burocrática formada em torno de um rei forte. A força desse rei e a subordinação que ele impôs às nobrezas têm a ver diretamente com a evolução do povo português.Foi devido à luta de reconquista contra os árabes na Península Ibérica, ao mesmo tempo em que Portugal lutava contra os reinos de Leão e Castela. Logo, houve um esforço de concentração e consolidação do poder político em torno dele mesmo. Desse processo de luta e reconquista emergiu uma aristocracia extremamente enfraquecida e exausta. Isso tornou mais fácil a predominância do rei em relação a elas. O próprio esforço de reconquista obrigou a nobreza a se colocar sob a ordem, domínio e direção de um comando unitário, que fosse centralizado.

O fim desse processo aponta para uma aristocracia empobrecida. Isso perpetuou o domínio real sobre Portugal.

Se desejamos simplificar, então precisamos falar em uma fragmentação dentro da própria aristocracia, da nobreza. Havia três tipos de aristocracia em Portugal: uma mais influente e próxima ao rei, menos empobrecida, militar; uma pequena empobrecida e uma de toga. Quem eram esses? Era um corpo de nobres convocado de fora do âmbito da nobreza hereditária. Muitos deles eram burgueses que compravam os títulos de nobres empobrecidos. Então, passou a haver mais heterogeneidade entre a nobreza em Portugal. Ela ficou dividida, tanto em aspectos de origem, militares e financeiros. A guerra custou caro. Desse conflito a nobreza saiu muito enfraquecida. Isso implica que haja uma predominância ou uma fonte única de comando, o rei. Os fatores que agravavam esse quadro eram: a devastação dos campos, a cultura não modernizada, o alto custo de produção, terras abandonadas, o que gerou miséria e fome.

Isso colocou muita gente na dependência de recursos que vêm do poder central.

Nobreza de toga: heterogeneidade social portuguesa. Ela não era originalmente nobre, hereditária, mas conquistada pela compra de títulos, privilégios concedidos, títulos dados pelo rei, e essa nobreza de toga foi atraída pelo Estado e é treinada em Coimbra, aproximadamente em 1290. Lá foram formados os juristas que comporão o staff do Estado português. O Estado e os juristas tinham o interesse da reprodução do poder e da manutenção do poder do Estado.  É uma tradição romanista de Direito. Eles recuperaram a jurisprudência romana do juris civilis cuja fonte era principalmente a vontade do príncipe. Não é à toa que foram a Bolonha: o Direito que se ensinava era um Direito Civil, laico, e não canônico, cuja fonte principal é a vontade do soberano. Isso interessava ao rei, que tinha pretensões absolutistas. É esse Direito que Portugal passa a ensinar em Coimbra. O Direito tem dupla face: uma parte francesa (origem de parte da casa monárquica portuguesa) e parte bolonhesa.

Como a predominância em Portugal é a vontade do príncipe, a proeminência do Estado é clara. Portanto, lá se formou um Estado forte e uma sociedade fraca. O Estado atrai setores da sociedade que gravitam em torno dele de forma parasitária, retirando do Estado o sustento. As elites políticas se confundem com as elites burocráticas. Então, o interesse é consolidar os interesses do Estado. Os juristas são esses especialistas treinados em Coimbra treinados para reproduzir a doutrina de proeminência do Estado em relação à sociedade, que já é fraca.

Inglaterra e EUA: a elite política tira sua fonte de recursos de fora do Estado, da própria sociedade. Houve revolução burguesa lá, ao contrário de Portugal. Os partidos políticos e o parlamento lutaram contra o próprio Estado.

No caso desses países, temos um Direito que vem da sociedade, e não do Estado. Não vem de legistas ou juristas treinados pelo Estado, mas de setores da sociedade. É um Direito consuetudinário, tradicional, costumeiro.  A figura proeminente é do advogado, que defendia interesses da sociedade, de particulares. Isso remete à formação histórica desses países.

Finalmente, a questão da homogeneidade desses países: na Inglaterra, a elite é muito mais homogênea, que é construída ao longo de séculos, no âmbito da própria sociedade, a nobreza casava entre si, então desenvolveram um ethos de vida, uma mentalidade própria, com escolas especificas para a elite, com valores e conhecimentos ensinados especificamente para os nobres; a coesão social advém do processo social. O poder é retirado da sociedade, do estilo de vida, do processo educacional.

EUA: país muito vasto, e de uma história recente. Não houve tempo suficiente para os sistemas educacionais estabelecerem algo rígido. Há uma relativa homogeneidade, que abre brechas para vulnerabilidades e conflitos sociais. A guerra do sul contra o norte foi um exemplo clássico no qual essa configuração culminou.

Portugal e Prússia: a homogeneidade das elites é precária. A elite portuguesa é formada por uma nobreza dividida em pelo menos três vertentes. A de toga, a rica e a empobrecida. A homogeneidade da elite é conseguida não do ponto de vista da sociedade, mas do Estado, que é uma instituição poderosíssima. Na verdade, se deu por meio da universidade de Coimbra. Isso dá a idéia de uma homogeneidade ideológica em meio à elite. É uma homogeneidade conseguida artificialmente, pregada pelo sistema de ensino de acordo com a vontade do Estado.

E no caso das formações coloniais? E os países que são oriundos de uma formação colonial, como o Brasil? A homogeneidade é ainda maior. Todavia, diferente das colônias espanholas, (há outro texto de José Murilo sobre isso), Portugal nunca permitiu que fosse fundada uma universidade. O Brasil só veio a desenvolver ensino superior a partir de 1810, com as escolas de medicina. As de Direito, que estavam ligadas diretamente ao poder, só puderam ser fundadas em 1824. E Portugal inclusive nunca disfarçou isso. A província de Minas tentou, mas foi negada porque ela trabalharia claramente para a independência. Então havia a idéia clara de que as escolas de Direito estavam vinculadas às elites políticas. Então, inviabilizariam a própria reprodução colonial. Então, se elas quisessem estudar Direito, teriam que ir a Coimbra. Os pais que tinham recursos mandavam seus filhos para a escola de Direito de Coimbra, e iam para a escola dos seminários.

Nas colônias espanholas, as universidades surgiram bem antes, já no século XVI. Essa é uma das razões pelas quais o Brasil se manteve inteiro e grande. Houve universidades no Peru, Chile, Equador. Elas formaram uma elite política que logo perceberam o seu descompasso em relação à metrópole espanhola. Por isso há tanta fragmentação entre os países de língua espanhola da América Latina hoje. Então os portugueses foram espertos. “Seria como criar cobras debaixo do colchão”. Então, nunca houve um movimento de separação importante aqui.

Professor acredita que não somos oriundos de uma tradição jurídica puramente ocidental. Aqui há a categoria de pessoa, não de indivíduo. É o contrário do que ocorre na França, berço da igualdade ocidental contemporânea, que privilegia o indivíduo.

 


Esquema: 

Portugal:
Nobreza parasitária e dependente do Estado
|-> dividir espaço com a nobreza de toga
                                                   |-> treinada em Coimbra (1290)
                                                   |-> tradição romanista vinda de Bolonha
                                                   |-> Direito positivo cuja fonte é a vontade do príncipe
                                                                                                      |-> em torno da qual se forma o Estado absolutista
                                                                                                         |-> administrado a partir de grandes arcabouços legais

                                                                                                        

O problema da homogeneidade das elites -> quanto mais homogênea, mais estável o processo de formação do Estado.

Inglaterra e EUA:
|-> mais relevantes os mecanismos de representação
   |-> common law e Direito consuetudinário

Inglaterra: homogeneidade de natureza social -> sistema educacional, relações familiares, círculos de amizade e estilos de vida

EUA: mais representativa do país como um todo, mais heterogênea e mais vulnerável a conflitos sociais

 

Prússia e Portugal:
|-> menor homogeneidade social e mais coesão de caráter ideológico.
      |-> formação dos Estados oriundos de situações coloniais
      |-> processo histórico condensado e período curto de tempo
      |-> arranjo político estabelecido por influência de potências que controlavam os mercados de produtos de exportação
      |-> heterogeneidade ideológica