Em razão de pedidos, e por poder ser necessário, neste sábado o professor na sala 3216 para falar somente sobre prescrição, decadência e reparação de danos. Não é aula de reposição nem anteposição. Quem vier é bem-vindo. Fora isso só haverá aula de revisão na quinta-feira depois de amanhã. No sábado não haverá revisão. A intenção para sábado é que tenhamos uma aula prática. Não haverá nenhum tipo de formalismo, como chamada.
Na aula passada, analisamos a prescrição e a decadência. Vimos que ambas são institutos responsáveis pela extinção de direitos subjetivos. Atuam sobre a extinção de direitos com base na ação do tempo; elas têm essa característica idêntica. O objetivo de um e de outro é proporcionar segurança jurídica na medida em que fixa diretrizes para que os agentes envolvidos possam exercer seus direitos.
Característica básica da prescrição: age sobre a possibilidade de agir. Não extingue o direito propriamente dito. A prescrição extingue o direito de agir, o direito de correr atrás, de perseguir alguma coisa. O direito em si é mantido; ele fica reservado na personalidade jurídica daquele sujeito.
Decadência: extinção do direito em si. É mais grave do que a prescrição. A prescrição, como vimos, tem como uma de suas características a possibilidade de ser suspensa, interrompida, e a de não contar prazo. A decadência, por sua vez, não respeita nada disso; ela é inexorável. Se cair na prova uma questão como essa, dificilmente será perdoado um erro. Isso é muito claro. Segunda característica da prescrição que servirá de referência: a prescrição admite renúncia. Ou seja, se o prazo prescricional já tiver se consumado, só se isso tiver acontecido, a parte que seria beneficiada pela prescrição pode renunciá-la. Significa que um ato incompatível, como pagar uma dívida, implica renúncia tácita. Está no art. 191 do Código Civil. Não confunda com a regra para a decadência.
Outra característica da prescrição: seus prazos não se alteram. Está no art. 192. Decadência convencional pode ser alterada.
Prazo para anular negócio: 4 anos. É prazo decadencial. Decadência não admite renúncia mas admite alteração de prazo.
Mais
características: a comunicação da prescrição depende da
solidariedade ou da indivisibilidade do negócio. Imagine um casal que
acaba de
se separar, com um filho pequeno, que fica sob a guarda da mãe. Nasce para ela (art. 189) a pretensão de
pleitear em juízo a pensão alimentícia. Essa pretensão poderá atingir a
avó
paterna da criança, que, em alguns casos, poderá ser obrigada a
pagá-la. Se o
pai tomar providências para interromper prazo prescricional e conseguir
essa
interrupção em juízo, esse direito não se comunicará à sua mãe (a avó
da
criança) automaticamente. A avó terá que, caso também queria ter o
prazo
prescricional interrompido, ajuizar ela mesma uma ação separada. A
prescrição,
portanto, não corre nos casos dos arts. 197 a 199. Prescrição só pode
ser
interrompida uma única vez nas condições do Art. 202. Cuidado: não há
nada que
se possa fazer para interromper prazo para anular negócio jurídico.
Vamos agora voltar às primeiras aulas para retomar a terceira classificação dos fatos jurídicos: os atos ilícitos. Alguns de nós podemos estranhar a expressão “ato jurídico ilícito”. Como pode algo ilícito ser jurídico? É uma questão de semântica: dizer “isto é jurídico” não necessariamente quer dizer algo legal, saudável. Mas aqui não cabe bem essa nossa visão porque estamos partindo daquela classificação que fala de fato jurídico propriamente dito, ato-fato jurídico, e ato jurídico. Dentro dos atos jurídicos temos duas vertentes: os lícitos e os ilícitos. Este último é justamente o que o Direito vai reprimir. Logicamente, este prisma é do Direito Civil. Cabe também na CLT, mas no Direito Penal não cabe esta expressão, pois lá, quando estudamos o conceito analítico de crime, vimos que crime é “em fato típico, ilícito (ou antijurídico) e culpável.”
Para o Direito Civil, o que vem a ser o ato jurídico ilícito, ou simplesmente como a doutrina e o Código trazem: “ato ilícito”? É um dos poucos institutos cuja definição está no próprio Código, no art. 186:
TÍTULO III Dos Atos Ilícitos Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. |
É a única coisa que precisamos saber sobre ato ilícito. Ao deparar com uma questão sobre ato ilícito na prova, basta abrir o Código no art. 186. Precisamos, Entretanto, saber lê-lo.
Aquele...: só pode se referir a um agente. Agente de que tipo? Pessoa natural ou pessoa jurídica? Tanto faz. Um cachorro pode causar dano a alguém? O dono do cachorro agiu com negligência. Se sabe que aquilo é um animal, mesmo sendo bonzinho, se ficamos desatento ao comportamento do bicho, quem é o responsável pelas suas investidas? O proprietário. O mesmo para um carro, que está em meu nome, que empresto a alguém e o sujeito danifica o patrimônio alheio? Quem é responsável pelo prejuízo? Eu, que sou o dono do carro, ou então o dono mais o condutor. Entregador de pizza: pode o danificado acionar a pizzaria? Sim, por que, no caso de pessoa jurídica, os danos causados pelos seus prepostos poderão causar a responsabilidade da pessoa jurídica. Depois, regressivamente, ela poderá acionar o efetivo causador do dano. O animal causa dano, mas o dono é o responsável.
“Por ação ou omissão voluntária”: remete aos níveis da culpa: negligência, imperícia ou imprudência. Vamos ver já, já o que é uma delas. Voltemos ao 186:
“Aquele que violar direito”: não basta que haja violação; o agente deve causar dano. Não há que se falar em reparação de dano sem que haja dano. A tentativa de causar dano, aqui, não é punível. É salutar, imperativo que os 3 elementos estejam presentes:
Posso comprar a vida, a honra ou partes do corpo de alguém? Quando falamos nesses bens, como em: “a pessoa foi ofendida em sua moral, em seu intimo.” Estamos falando em dignidade da pessoa humana. Mais conhecido como dano moral. O Código Civil de 2002 trouxe o trecho: “ainda que exclusivamente moral”. Isso ficou definitivamente assentado em nosso ordenamento. Usávamos o direito alienígena e a construção jurisprudencial para resolver o problema do dano moral. O dano moral normalmente trabalha com circunstâncias que não são quantificáveis. O recente acidente como a aeronave da Air France causou um dano que ensejará indenização à família das vítimas. Mas e se um dos passageiros fosse o provedor da família? Essa família terá, em razão do sentimento, um dano moral. Mas, além disso, o cidadão é o que trazia comida para dentro de casa. Neste caso, é possível fazer uma quantificação desse dano. Conta-se o tempo de vida ativa restante do indivíduo, até ele completar a média de idade para a aposentadoria. Uma possibilidade é tomar o valor do salário que o pai de família ganhava, e, depois de tirar os gastos mensais para si, poder-se-ia chegar a uma fração de 2/3 do valor do salário recebido, que seria a parte destinada ao sustento. Assim, temos um dano material.
O dano material se divide em duas espécies: dano provocado (ou emergente) e lucros cessantes. O mais simples exemplo é o de um taxista que tem seu carro severamente abalroado: o dano provocado é o que causará a necessidade de reparação mecânica, enquanto o lucro cessante será o equivalente ao que deixará de ganhar pelo tempo em que o carro ficar encostado na oficina. Outro exemplo é celebrar um compra e venda de imóvel com uma construtora que, prometendo entregar o apartamento no mês X, vem a entregá-lo no mês X+8, fazendo com que o dono deixe de tirar os frutos civis (aluguéis) que pretendia com aquele imóvel.
Nunca
pensem em: “causou o dano, tem que indenizar.” O dano,
primeiramente, tem que ser indenizável. Nunca veremos uma situação
como: “o
sujeito atentou contra minha honra. Sou corno mesmo, mas não gostaria
de ter
que admitir isso. Quero danos morais, excelência.” Não vai ter como. O
dano indenizável
é sempre patrimonial? Não. Pode-se pedir inclusive apenas uma retratação da pessoa. Normalmente é
patrimonial, mas não necessariamente.
Investidas, voluntarias ou não, de determinado agente que prejudica, ocasiona ou causa dano a outrem. Mais uma vez: tem que haver dano indenizável. Não se admite a tentativa de causar dano.
Relacionadas aos negócios jurídicos temos a responsabilidade contratual. Se contratamos algo e não recebemos certo ou simplesmente não recebemos, tudo isso é responsabilidade contratual. Está no Art. 389 do Código Civil.
TÍTULO IV Do Inadimplemento das Obrigações CAPÍTULO I Disposições Gerais Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado. |
Então o dano advindo do contrato é chamado de responsabilidade contratual. Dano que está fora do contrato é responsabilidade extracontratual. É possível haver os dois tipos de responsabilidade? Sim. Para ser contratual, tem que haver um contrato. Para saber, remova-o do suporte fático. Se ainda assim existir dano, a responsabilidade é extracontratual. Se o contrato for a causa determinante, a responsabilidade é contratual. Podemos ter uma E a outra.
Quais as conseqüências? Primeiramente, houve manifesto desrespeito ao pactuado. Imediatamente deve incidir a multa contratual. Em seguida, como conseqüência do desrespeito ao contrato, também surgirá para mim o direito de pedir o valor igual ao número de peças vezes 990, conforme estabelecido. Essas são as responsabilidades contratuais. Mas não é só isso; deve haver, logicamente, uma razão para a qual eu tenha imposto tais condições. É que, já que o produto teve sua venda muito facilitada, ele foi vulgarizado, popularizado, e, conseqüentemente, desvalorizado comercialmente. A partir daí, será difícil voltar a cobrar o tanto que eu pretendia cobrar por ele no mercado, para honrar meu tempo de trabalho. Então, houve um lucro cessante. Esse lucro cessante é responsabilidade extracontratual.
O ato ilícito também pressupõe um agente culpado, que é uma pessoa natural ou jurídica em razão de seu comportamento. Que comportamento? Pode ser um comportamento negligente, imperito ou imprudente; veremos em seguida. Outro elemento do ato ilícito é o nexo causal: a ligação entre o agente culpado e dano indenizável. É o vinculo de atributividade, elemento da relação jurídica.
Antes de mais nada: em nosso ordenamento jurídico, vigora a teoria objetiva da culpa. Em razão dessa palavrinha, a vontade de lesar precisa estar presente. Imagine que Gabriela me deu um vaso caríssimo para eu cuidar. Num descuido, o vaso cai. Surge um direito indenizatório para Gabriela? Sim. E seu alegar a não-intenção? Não interessa. Usa-se a teoria objetiva, porque o risco foi assumido. O elemento mais importante é o dano, e não a vontade de causá-lo. Antigamente o dolo era necessário. Uma mudança na sociedade fez com que ficasse mais seguro juridicamente que se adotasse a teoria objetiva da culpa.
Nexo causal
O agente negligente é o desatento, sem cuidados. Alguém que, em face de seu comportamento omissivo, já que negligência sempre envolve a falta de algo, causa dano. Então, a negligência, por via de regra, está associada a essa “falta de”. Há um comportamento omissivo, muitas das vezes também uma inércia. Rodolfo Pamplona usa essa expressão.
O comportamento imprudente é aquele em que a pessoa não necessariamente deixa de fazer, mas faz apesar de algo. Exemplo: numa via bem movimentada, ou que fica situada perto de uma escola ou clinica para pessoas deficientes auditivas está prevista a velocidade de 40 km/h. Uma pessoa pega seu automóvel e sai arrancando à velocidade de 150 km/h. Ela está agindo imprudentemente? Sim. Ela está praticando atos que deveria se abster em razão das circunstâncias. Então, ela é imprudente. A imprudência é muito ligada a acidentes de veículos. Também se considera imprudência transitar na chuva com automóvel velho, sem guardar a distância razoável do carro da frente. Quem bate por trás tem a presunção de responsabilidade. A rigor é o condutor culpado. Por fim, outro exemplo é confiar no freio do carro enquanto em aquaplanagem.
Imperícia: é o menos comum, mas o mais fácil de se identificar, porque envolve uma atuação profissional. Como o médico que causou a morte de pessoas por uma cirurgia plástica malfeita. A pessoa deve se comportar de alguma maneira mas se comporta de outra, por omissão ou por comissão. Como um advogado que perde um prazo processual. Poderia ser negligência, mas, sendo profissional, é caso de imperícia.
Duas observações:
O art. 188 traz os atos que não são atos ilícitos:
Art. 188. Não constituem atos ilícitos: I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. |
Você
está caminhando com alguém na rua, e surge um carro
desgovernado em sua direção. Você se joga na direção de sua
acompanhante,
fazendo com que ambos rolem juntos num barranco, vindo ela a morrer,
mas você
não. Houve dano provocado? Claro. Neste caso, teoricamente seria um ato
ilícito, mas as circunstâncias retirarão a ilicitude. Estado de
necessidade
também removerá a ilicitude do fato.
Questão
de prova do dia: diferença entre prescrição e decadência.