Direito Civil

quinta-feira, 5 de março de 2009

Pressupostos da existência do negócio jurídico



Tópicos:
  1. Avisos
  2. Grande revisão dos fatos jurídicos
  3. Os negócios jurídicos - considerações iniciais
  4. Conceito de negócio jurídico
  5. Teorias sobre o negócio jurídico
  6. Reserva mental
  7. Formas de declaração da vontade negocial

Avisos

Nossa prova de Direito Civil já está marcada aproximadamente para o dia 23 ou 28/4 e, a bem da verdade, somente neste mês de março é que haverá aula, pois em abril haverá muitos feriados e logo em seguida a semana de provas. Então, programem-se.

A partir da aula de hoje, podem trazer o Código Civil. Vamos manuseá-lo algumas vezes mais, outras menos. A vantagem é se habituar a utilizá-lo e a não ter tanta dificuldade na prova, em que o código poderá ser consultado, desde que não seja comentado, nem pela editora, nem pelos autores (como o Código Civil Anotado de Leoni) e nem por nós mesmos. No entanto podemos colocar pequenas observações, grifos e setas. A prova será metade objetiva e na outra metade haverá 4 questões subjetivas para se escolher duas para responder. O peso das questões é 50%/50%. Inclusive o professor elabora a prova de tal forma que seja exigida a consulta ao Código. Por isso o professor pede que enriqueçamos as respostas de acordo com indicativos de artigos do Código.

Os resumos destas aulas serão disponibilizados no espaço aluno.

Grande revisão dos fatos jurídicos

Estamos falando de fatos jurídicos, que são aqueles fatos que irão, de alguma maneira, interessar para a ordem jurídica. São ocorrências que, uma vez presentes, a lei os tipificará e os qualificará e sobre eles se estruturará a chamada relação jurídica. Não podemos falar em relação jurídica sem que haja um fato jurídico. Relação jurídica é, como vimos, a ligação entre agentes: sujeito ativo, sujeito passivo, vínculo atributivo e objeto. Isso nos leva a uma conclusão muito básica: se não houver fato jurídico, nem nos interessa. Não surtirá importância para os operadores do Direito. Ao contrário: sendo fato jurídico, nasce a relação jurídica e seremos obrigados a examiná-la. O que advém do fato jurídico?

Vimos o fato jurídico sob o prisma da existência, da validade e da eficácia. Se o Direito objetivo prever aquele fato, ele será considerado jurídico. Neste caso, então ótimo, o fato existe. Vamos ver agora se ele vai será válido e eficaz. Também já vimos que não há hierarquia entre o plano da validade e o da eficácia, mas ambos sucedem o plano da existência.

Classificação vista na aula passada: é a majoritária e compilada dos melhores autores. Começamos vendo o fato jurídico latu sensu, que se subdivide em fatos jurídicos propriamente ditos, que se resumem a fatos estritamente naturais, também chamados de fatos jurídicos  strictu sensu. Esses se subdividem em ordinários e extraordinários. Na segunda classificação, temos um momento hibrido: já se necessita do homem, mas a vontade é absolutamente irrelevante. É a circunstância que chamado de ato-fato jurídico. Exemplo: Jack Sparrow está caminhando na Praia de Boa Viagem, no Recife, e topa com um baú, que, ao ser aberto, revela um valioso tesouro. O Direito consagra a ele a propriedade daquele tesouro independente se ele estava procurando por ele ou não. Ou então o doente mental que cria uma obra de arte de elevado valor. O Direito reserva para ele a propriedade daquele bem, mesmo que ele não saiba o que está fazendo. Por fim, a terceira classificação, terceira espécie, a dos atos jurídicos, que se subdivide em lícitos, que são conformes a lei, e os ilícitos. Observação: a perspectiva do ato jurídico ilícito depende do campo em que estamos trabalhando. É importante saber que ato jurídico ilícito é aquele que será proibido pela lei. O que não for proibido, na seara do Direito Civil, é perfeitamente permitido. Essa ressalva em importante porque em Direito Penal nós vimos o conceito de “fato ilícito” como sinônimo de “fato antijurídico”, que significa “contrário à ordem jurídica”, mas não é o caso aqui. Neste estudo, todos os atos ilícitos são considerados jurídicos.

Os atos jurídicos lícitos, por sua vez, chegarão à subdivisão final: atos jurídicos propriamente ditos, ou atos jurídicos strictu sensu, e os negócios jurídicos. Os atos jurídicos propriamente ditos guardam a característica que precisam da vontade humana, que produz efeitos, mas que tais efeitos não são controlados pelo agente. Como reconhecer paternidade: é ato jurídico lícito em sentido estrito. Isso faz com que se tenha controle sobre as conseqüências dessa investida? Não. Pode o sujeito que acaba de se declarar pai de uma criança, em juízo, condicionar esse reconhecimento ao não-pagamento de pensão alimentícia nem se tornar garante do filho? Não. É portanto um ato jurídico lícito propriamente dito. Não se tem controle das conseqüências da iniciativa. O mesmo para a confissão perante o juiz. Confissão, no Direito Civil, é reconhecer com verdadeiro um fato contrario aos interesses da parte. O sujeito que reconhece dívida de condomínio em juízo não tem, por exemplo, como fazer com que o reconhecimento não repercuta sobre o fiador ou avalista. Mais ainda: a confissão é irrevogável. Justamente porque é um ato jurídico em sentido estrito. O efeito desse tipo é reservado pela lei.

Já o negócio jurídico estará fundado na autonomia das vontades. Aqui se pode ter controle sobre o início, meio e fim do negócio. Ao ceder uma procuração, por exemplo, podemos dizer em que condições a pessoa poderá agir em nosso nome, que poderes dar a ela, que poderes não conceder.

Até agora foi isso que vimos.
 

Os negócios jurídicos - considerações iniciais

Hoje então falamos propriamente dos negócios jurídicos. Traga o código, então. Esse assunto está nos artigos 104 a 232 do Código Civil. Essa será a matéria de nosso curso. Está no livro III do atual código civil de 2002. O nosso Código atual inovou na matéria de negócio jurídico, a começar pela própria expressão. O código anterior era muito tímido no que tangia os negócios. Tratava essa matéria como fato jurídico, e se resignava a dizer que “aos negócios jurídicos se aplicariam todas as características cabíveis dos fatos jurídicos.”

O negócio jurídico então é um assunto que surge inicialmente por teóricos alemães, baseados na idéia de liberalismo. A autonomia de vontades é portanto uma idéia diretamente derivada da doutrina liberal. Temos como ponto fulcral disso o poder da vontade. Ao se falar em negócio jurídico, fala-se automaticamente em vontade do agente, vontade essa que é considerada um pressuposto para que o negócio exista. “Pressupostos de existência dos negócios jurídicos” inclusive é o título desta aula. A vontade é tão importante que sem ela o negócio não existe. Quando houver um defeito, o negócio também tem. Imaginemos que quero uma coisa e compro outra, e consigo provar em juízo que me enganei ou fui enganado. O poder da vontade é tamanho que esse negócio pode ser desfeito, anulado. Então, primeiramente dizemos: se a vontade estiver comprometida, o negócio tranquilamente poderá ser questionado judicialmente. Não significa que vai ser necessariamente anulado, pois depende de prova, algo muito difícil de conseguir neste campo do Direito.

A vontade contém um elemento interno, como o de eu querer uma TV de LCD. Mas se assim ficar, ninguém na sociedade saberá desse meu pensamento. É algo interno, uma vontade íntima. Mas preciso fazer algo em relação a esse desejo; para que então eu o leve adiante e satisfaça essa vontade, precisarei externá-la. É o elemento externo. Se eles dois estiverem em choque, já podemos dizer que o negócio está desrespeitando a vontade. Provando em juízo, esse negócio poderá ser questionado. Vamos ilustrar:

Desejo adquirir um cavalo de caça para caçar perdizes. Até então, este desejo não se extravasou do foro íntimo. Logo depois, me dirijo a Lucas e com ele converso sobre a caça que pretendo realizar, e que, portanto, eu gostaria de comprar um cavalo de caça. Lucas responde: “Sabe a Rebeca? Ela vende cavalos. Vá até ela e proponha um negócio.” Então me dirijo ao haras da Rebeca, onde vários eqüinos estão expostos. Sento-me para conversar com ela, e menciono que desejo um cavalo, que de preferência seja bonito, saudável, de boa procedência, que não custe mais do que sete milhões de reais, etc. Então ela me indica um imponente Quarto de Milha (uma raça de cavalos de corrida, mas não sei dessa curiosidade, apenas sei o nome da raça.) Fechamos o negócio em R$ 7,3 milhões e saio feliz com meu novo animal, mesmo tendo pagado mais do que pretendia.

Então o coloco à prova. Com meu rifle, vou a campo e miro no primeiro pássaro que me aparece. Quando disparo, surpresa! Fedonho, o nome com o qual batizei meu cavalo, sai em disparada, me jogando no chão. Muito irritado, começo a procurar o que estava errado com aquele cavalo. É quando percebo o que fiz. Sobre as negociações com Rebeca, quem me vendera o cavalo, lembrei que em nenhum momento eu havia lhe dito que eu procurava, na verdade, um cavalo de caça! Fiz exigências sobre a aparência, cor, preço, dentes (afinal, eu estava pagando), etc. Porém nada falei sobre o tipo de cavalo. Ela, atuando de boa fé, me vendeu, ao invés disso, um cavalo de corrida! É por isso que me machuquei: o que se espera de um cavalo de caça? Que, quando um tiro é disparado, que ele fique imóvel, para maior precisão do atirador. E o que se espera de um cavalo de corrida? Exatamente o contrário, ou seja, quando ouve o tiro, ele começa a correr na maior velocidade que conseguir.

Agora vamos analisar essa situação juridicamente. O negócio foi perfeito? Apesar de tanto eu quanto Rebeca termos agido de boa-fé, a resposta é não. Por quê? Porque a vontade estava viciada! Note que o elemento interno da vontade, que era a de ter um cavalo de caça, está em desacordo com o resultado do negócio. Eu inclusive cheguei a manifestar para Lucas a minha vontade de se ter um cavalo de caça, não outro, lembra? E mais: o elemento interno da vontade não combinou com elemento externo, que é a vontade externalizada. Quando eu a externei, esqueci-me de mencionar a qualidade desejada do cavalo. Isso significa que os dois elementos, o interno e o externo, estão em choque. Pode, portanto, o negócio ser desfeito? Sim. Como essa anulação ou nulidade se dará já é outra questão.

Conceito de negócio jurídico

De acordo com Sílvio de Salvo Venosa, o negócio jurídico é a manifestação de vontade de determinado agente (pessoa natural ou jurídica) que procura produzir determinado efeito jurídico. Note que é determinada pessoa e determinado efeito jurídico. As definições que veremos em livros terão tratamento criterioso no que tange o controle dos desejos dos agentes. A expressão-chave será a vontade negocial. Nós emitimos e alguém recepciona essa vontade. Sem vontade, não há que se falar em negócio jurídico. Ele é inexistente, razão pela qual é absolutamente inútil irmos em busca de sua invalidade, leia-se, pedir sua anulabilidade. Não se pede anulabilidade de negócios jurídicos inexistentes. (Isso é questão de prova, provavelmente da parte objetiva.)

Teorias sobre o negócio jurídico

As correntes que surgem em torno desse assunto são duas: a voluntarista e a objetivista.

A objetivista se preocupa mais com a forma com a qual o instrumento se materializou. Ou seja, busca o elemento externo, enquanto a voluntarista busca o elemento interno. Isso aqui também deverá ser questão de prova, provavelmente subjetiva: relacione as duas teorias.

Onde fica clara a posição voluntarista, que é a adotada no Brasil? No art. 112 do Código Civil:

Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.

Intenção remete a “interno”. Vamos falar posteriormente de interpretação dos negócios jurídicos, que haverá duas: uma subjetiva e outra objetiva. A subjetiva remete ao intimo, e a objetiva se associa à forma como o negócio foi feito. Uma das duas deve prevalecer.

Mesmo observando-se a vontade do agente, às vezes se privilegiará a análise do negócio.
 

Reserva mental

Imagine que eu tenho uma empresa e gosto muito dela e da atividade que desenvolvo. Entretanto ela está com parcelas atrasadas dos impostos. Não gostaria nem um pouco disso, mas lanço mão de um expediente para me livrar das dívidas: cedo a empresa a alguém. Essa pessoa assume a empresa e suas dívidas, então estou livre do fardo dos tributos. Só que, pouco depois, ouço um anúncio do governo em que ele acaba de isentar todas as empresas do meu ramo de atividade de todos os impostos. Ótimo, acabou de se criar uma excelente situação para se ficar com muita raiva.

Dadas as circunstâncias, posso pedir a anulação desse negócio? Negativo. Em situações como essa, fica patente a teoria objetivista. São de fato circunstâncias mais raras, mas nesse caso a pessoa ficaria completamente desamparada já que ela agira de boa-fé. Houve de fato choque entre os elementos da vontade, sendo o interno o de manter a empresa, o externo de cedê-la para livrar-me das dívidas, mas o que importou neste caso foi a forma como o negócio foi realizado. Portanto, a rigor, não tenham medo de responder em qualquer prova ou concurso que o Brasil adota a teoria voluntarista. A objetivista só é aplicada extraordinariamente, como no caso exposto.

Essas são teorias inerentes ao negócio. A essência disso está no art.112. As teorias de interpretação veremos na aula que vem.

Curiosamente, o poder da vontade não está expresso nos dispositivos legais. Tanto que o assunto negócio jurídico já começa no art. 104 com os pressupostos de validade. Ou seja, ao legislar, já se considera ultrapassado o exame da existência. Por isso O código trouxe isso com todas as letras. Ao longo desta disciplina iremos pinçar aqui e ali para saber o que o legislador quis dizer.

Alguns autores usam o termo intuito negocial.

Formas de declaração da vontade negocial

A vontade negocial pode ser declarada de duas formas: de uma maneira expressa ou de uma maneira tácita. A expressa é aquela que não deixará dúvidas sobre a forma pela qual ela é exercida. É a mais comum. Quando pegamos um contrato, qual é a forma mais comum de provarmos a vontade das partes? Como provo que o contrato queria ser fechado? Pela assinatura, chamada de firma. A priori não precisaria da assinatura, por causa do princípio da boa-fé. Mas o Brasil ainda tem um ranço cartorário.

Que outro tipo de manifestação podemos ter? Gestos, como em leilões. Logo, determinados negócios admitem tranquilamente tais gestos. Aperto de mão, entrega de chaves: tomá-las significa se imitir na posse do imóvel recém-adquirido.

Entretanto, o método mais seguro é mesmo a assinatura.

Manifestação tácita: é a manifestação implícita. Posso dizer em meu testamento: "deixo meu iate para Lígia. Ela terá 5 dias, após minha morte, para dizer que não quer o iate". Quando morro, Lígia corre para o cais e começa a personalizar o barco, bem como contratar uma tripulação e um especialista em navegação, pois ela decidiu que quer viajar para Lisboa. Note que Lígia está se comportando como se já fosse dona do iate. Logo, essa é uma manifestação tácita de que ela de fato quer o barco, mesmo sem ter dito expressamente dentro do prazo de 5 dias: “Eu aceito; ele é meu”.

Vamos na aula que vem falar do silêncio. Quem cala não necessariamente consente. Isso está no art. 111 do Código.

Art. 111. O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa.