Direito Civil

terça-feira, 10 de março de 2009

Declaração das vontades e interpretação dos negócios jurídicos



Tópicos:

  1. Avisos
  2. Revisão
  3. A declaração da vontade
  4. Formas de declaração da vontade
  5. Interpretação dos negócios jurídicos
  6. Reserva mental
  7. Princípios que regem a interpretação dos negócios jurídicos

Avisos

  1. Semana de provas será do dia 23 ao 27 de abr. Nossa prova será ou a primeira ou a última.
  2. Vamos pensar já na reposição da aula perdida. O professor sugeriu que emendássemos uma manhã inteira de sábado enaltecendo as seguintes vantagens: primeira, que adiantaríamos uma aula. Segunda, porque poderemos evitar chegar exatamente às 7:40, mas por volta das 8:00, e talvez não chegar ao horário normal de final da aula, 11:20. Haverá união de três turmas na ocasião. Semana que vem já deveremos estar com a decisão feita: ter duas aulas ou apenas uma?
  3. Na iminência da prova, o professor gostaria de salientar que a consulta ao Código Civil é permitida, desde que seja um Código seco. Lembrem-se também que, como dito, as questões serão elaboradas de modo a nos forçar a consulta ao Código. Ele também alerta-nos para que comecemos a acompanhar o conteúdo na bibliografia indicada. Cristiano de Farias e Pablo Pamplona são dois bons autores, que são o que alguns de nós já temos.
  4. Quinta-feira, dia 16/4, haverá revisão. Presença não obrigatória.


Revisão

Na semana passada, vimos o negócio jurídico propriamente dito. Os teóricos alemães houveram por bem separar dos atos jurídicos lícitos. Qual é a característica primordial do negócio jurídico? Autonomia de vontades. Se a questão fosse: “identifique as características que diferenciam o negócio jurídico do ato jurídico propriamente dito.” O que responder? O negócio jurídico está baseado num núcleo cuja essência é a vontade. Melhor dizendo, da autonomia das vontades das partes da relação jurídica. Quando pensamos num contrato, devemos observar o significado da palavra “co-trato”: trato entre partes; vontades que vão se unir. Esses são os parâmetros pelos quais analisaremos o negócio jurídico. A vontade negocial é um pressuposto, um pré-requisito, um antecedente necessário para que exista o negócio jurídico. Há outra questão freqüente: a vontade negocial é um pressuposto de validade do negócio jurídico. Certo ou errado? Errado. É um pressuposto da existência, não da validade.

Os teóricos alemães fizeram essa digressão e chegaram à conclusão baseada em duas correntes: a voluntarista e a objetivista ou instrumentalista. Uma protege a vontade das partes, enquanto outra protege a maneira com a qual o negócio foi concretizado, ou seja, o instrumento em si. Disse o professor que, de acordo com o art. 112 do Código Civil, qual prevalece no Brasil? A voluntarista. De um lado há os teóricos da vontade, de outro os teóricos da declaração (leia-se o instrumento). Há também a estruturalista; é a tendência, uma teoria mista. Como veremos, é possível as duas primeiras teorias conviverem um tanto harmonicamente. Essa também é uma questão muito cobrada em concursos. A fundamentação legal está no art.112 do Código.

Vejamos um exemplo de defeito no instrumento: duas pessoas desejam celebrar um contrato de compra e venda. Como não sabem exatamente como deve ser a forma de um contrato, pedem a uma terceira pessoa que tragam um modelo para elas. Esse modelo, entretanto, tem a forma de um contrato de arrendamento, não de compra e venda. A primeira pessoa desejava vender seu apartamento para a segunda, que dispunha de dinheiro e desejava comprá-lo. Pode esse contrato ser questionado? Sim. Note que ambas as partes desejavam celebrar uma compra e venda, então eles tinham interesses alinhados. O defeito está exclusivamente do instrumento, na declaração.

Foi aí que paramos na aula passada.

 

A declaração da vontade

A vontade deve ser declarada. De nada adianta que fiquemos com nossa vontade apenas para nós. É preciso que, além dessa mola propulsora interna, esse íntimo, que ajamos. É o momento em que analisamos a vontade negocial dividindo-a em duas partes. Alguns autores chamam de momentos da declaração da vontade. São eles:

Importantíssimo: não teremos dificuldades ao ver defeitos dos negócios jurídicos se aprendermos isso direitinho. Para que o negócio não tenha defeitos, é imperativo que essas duas vontades, a interna e a externa, estejam alinhadas. Isso será questão de prova certamente.

 

Formas de declaração da vontade

Já que precisamos ter essa vontade declarada, mostrada para o corpo social, há duas maneiras de fazer isso:

  1. A maneira expressa: gesto, assinatura, atitude;
  2. A maneira tácita: a que fica implícita.

Obviamente a manifestação expressa é a mais segura. Dependendo da relação jurídica em que estivermos envolvidos, é recomendável que a usemos. Se formos negociar R$ 1,5 milhão, digamos num contrato de financiamento, ficaremos tranqüilos com alguma cláusula no contrato falando em manifestação tácita, como por exemplo em caso de perda de prazo em caso de omissão, em que se aplicaria uma multa de 20%? Não mesmo. Talvez não precisemos de tanto zelo em negócios de valores mais baixos.

Note estas duas ocorrências comuns em contratos de locação: tratam do silêncio. "No silêncio das partes, este contrato se prorroga automaticamente por tempo indeterminado." Trata-se de uma  disposição sobre a manifestação tácita. No entanto, se houver uma cláusula que dispõe da seguinte maneira: "este contrato somente será renovado se  houver manifestação expressa, por escrito, com AR (aviso de recebimento) num prazo de 30 dias que anteceda o seu esgotamento." Exige-se que as partes se manifestem. Se elas se mantiverem silenciosas, o contrato se prorrogará? Não. Na melhor das hipóteses se iniciará um novo, informal, dia-a-dia.

Sobre a manifestação tácita: o silêncio importa anuência? Nem sempre. Pode significar que se quer algo, que não se quer algo, ou que não se deseja emitir um juízo naquele momento. O silencio só importará anuência quando as condições o permitirem. Art.111 do Código:

Art. 111. O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa.

Cuidado com questões que falam sobre o silencio. Só importará quando o suporte fático o permitir.

Cuidado com a questão do iate vista na aula passada. Há as duas formas de se escrever o testamento. a primeira é: "deixo meu barco para Ligia. Ela terá cinco dias para comparecer ao cartório dizendo que não o quer; neste caso, ele ficará para meu neto Alfredo." A segunda é: "deixo meu barco para Lígia, que terá 5 (cinco) dias para comparecer ao cartório para se registrar como nova proprietária dele. Se não o fizer, ele ficará para meu neto Alfredo." Notem que a primeira forma de se escrever o testamento induz a uma interpretação tácita, enquanto a segunda não. Esta é mais clara, e dispõe de maneira expressa. Digamos que, caso ele tenha sido escrito da primeira forma, Lígia comece a se comportar como se dona já fosse, personalizando o barco, trocando peças, contratando tripulação e marcando uma viagem. Significa que ela é nova proprietária? Sim, pois ficou entendido, como ela não foi ao cartório manifestar sua vontade de não ficar com o iate, que ela o quis. Entretanto, se o testamento tivesse sido escrito na segunda forma, ela não poderá se apropriar do iate caso não se manifeste dentro do prazo determinado.

Veja agora o art. 39, parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor:

        Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)

        [...]

        Parágrafo único. Os serviços prestados e os produtos remetidos ou entregues ao consumidor, na hipótese prevista no inciso III, equiparam-se às amostras grátis, inexistindo obrigação de pagamento.

Isso significa que uma editora pode enviar a um consumidor uma revista durante o tempo, e mandar um comunicado anexado à revista, que diria, com outras palavras, a seguinte mensagem: “estou te mandando a revista por 6 (seis) meses; ao final desse prazo, se você não se manifestar, você estará automaticamente contratando a assinatura.” Então, a ótica do Código de Defesa do Consumidor é um pouco diferente da do Código Civil: no CDC, busca-se entender as disposições de maneira mais favorável ao consumidor. Pelo mesmo motivo é bom anotar os números de protocolo oferecidos pelas empresas de telefonia; eles são nossa garantia.

O silêncio é uma manifestação tácita que envolve circunstâncias muitas vezes difíceis de interpretar. Tentem, portanto, fugir o máximo que puderem de declarações de vontade tácitas. Elas são inseguras e eventualmente darão dor de cabeça.

 

Interpretação dos negócios jurídicos

Antes mais nada, precisamos fazer uma separação. O que foi falado na aula passada sobre o negócio jurídico era sobre sua formação, sua existência. Agora, vamos falar sobre a maneira pela qual se interpreta o negócio jurídico. Isso porque tanto numa quanto noutra veremos as correntes subjetiva e objetiva. Aqui, prevalecerá a corrente objetiva. Entretanto, hoje em dia os intérpretes buscam um entendimento de forma que as duas convivam harmonicamente.

Mas o que é interpretação? Interpretação é extrair o significado, delinear os contornos e precisar a extensão de uma coisa, fixando seu alcance. Trazendo para o mundo jurídico, fazemos exatamente a mesma coisa. Interpretação vem de inter pretare: "dizer o que está entre". (Daí também sai o significado da palavra “inteligente” que quer dizer: “olhar o que está entre.”)

A interpretação se balizará pelos artigos 112 a 114 do Código Civil.

Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.

Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.

Art. 114. Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente.

Precisamos interpretar as normas em conjunto com outras. A CLT, por exemplo, deve ser interpretada em consonância com o Código Civil, com o Código de Processo Civil e principalmente com a Constituição.

Da mesma forma como a própria Lei, há negócios jurídicos que foram celebrados e estão surtindo efeitos. Mas situações há em que as partes firmam um negócio, um contrato, mas muito depois percebem que algo ficou de fora ou mal escrito. Esse contrato vai a juízo. Na ocorrência de conflito de interesses, caberá ao juiz se valer da interpretação para resolver a lide. O que ele quererá saber? As vontades das partes! Veja uma ilustração: Chaves se dirige a Seu Madruga, que estava vendendo seu apartamento, querendo comprá-lo. Numa primeira visita, Chaves observa o apartamento, todo decorado, inclusive com um Home Theatre valiosíssimo. Ele pergunta a Seu Madruga: “comprarei o apartamento do jeito que está?” e este responde “sim.” Então, passam-se os dias e Madruga entrega as chaves a Chaves. Quando se instala em seu novo domicílio, Chaves tem uma surpresa: onde está o Home Theatre? Surgiu um problema. Chaves confiava que compraria o apartamento “do jeito que estava”, conforme o próprio vendedor, Madruga, o dissera. Houve, portanto, um defeito no negócio caracterizado pela vontade não atendida do comprador (Chaves). Poderá esse negócio ser desfeito? Sim. Ele provocará o Judiciário para isso.

E o que o juiz faz? O juiz faz uma reconstrução do negócio, de trás para frente. O que ele busca saber? Para isso, há duas correntes:

Em nosso ordenamento, há disposições que privilegiam uma ou outra. Seria, portanto, leviano falar que uma das duas predomina claramente. Isso variará de acordo com as circunstâncias. Dependendo de qual for, não será nem possível analisar por um dos dois prismas.

Veja outro exemplo: Quico conversa com Chiquinha sobre contratá-la para ser sua funcionária. Ambos pretendem formar um vínculo empregatício regular. Quando vão formalizar a relação, Girafales, o brilhante contador de Quico, lhe traz um modelo de contrato de experiência. Nesse tipo de relação trabalhista, sempre haverá um prazo, no máximo de 90 dias. Então Quico e Chiquinha assinam o contrato de experiência, mas sem atentar para o que estavam fazendo. Pode o negócio, depois de constatado o erro, ser desfeito? Sim. As vontades das estavam alinhadas mas não corresponderam à forma com a qual formalizaram, concretizam essa vontade.

Pela corrente subjetivista, as coisas convergem para a justiça. Entretanto, será fácil as coisas caírem na insegurança. Pensem, por exemplo, no sujeito de má-fé ao assinar algo. É nessa hora que sentimos a importância da teoria objetivista: o sujeito pode assinar algo que está bem claro mas, quando chamado a juízo, ele dirá: “mas não foi isso o que eu pretendia; não era essa minha vontade!”

Como já dito, os intérpretes contemporâneos buscam equilibrar as duas teorias. Para entender o que pode acontecer, há mais um exemplo, desta vez um caso concreto:

No início do Real, havia quase que uma correspondência de 1 para 1 em relação ao valor do dólar. Havia concessionárias que vendiam carros estabelecendo parcelas a ser pagas em dólares. A prática deu certo e foi carregada pelos anos subseqüentes. Até que, em 1999, houve a desvalorização do Real frente ao dólar, e isso abalou significativamente os contratos de compra e venda de veículos. A relação rapidamente subiu para 2/1, e os consumidores de automóveis foram ao desespero: enquanto antes pagariam o equivalente a R$ 300,00, tiveram, depois da desvalorização da moeda, que pagar quase R$ 600,00. Essa claramente não era a vontade de ninguém que adquiria um carro. Ações foram ajuizadas, pois as concessionárias cobravam, inflexivelmente, as parcelas em dólar. A justiça decidiu de modo híbrido: não podia o consumidor pretender continuar pagando o equivalente a R$ 300,00 pois essa não mais era a realidade do cenário econômico. Ao mesmo tempo havia a cláusula do contrato de compra e venda que previa o pagamento em dólares. Entretanto seguir essa linha literalmente seria um claro atentado à vontade do consumidor. Os juízes decidiram, então, que o contrato deveria ser refeito, de modo a não beneficiar cabalmente nenhuma das partes. Em vez de continuar pagando algo próximo de R$ 300,00, o consumidor ficou obrigado a pagar um valor por volta de R$ 400,00, 450,00 mas não R$ 600,00 e nem perto disso. Pudemos ver, então, que as duas teorias foram preservadas, sem que nenhuma fosse deixada completamente de lado. O que foi posto à prova nesse caso foi, na verdade, a teoria da imprevisão contra os efeitos da lesão.

Observação: em contratos desse tipo, se provada a má-fé, ele poderá ser anulado, e não refeito.

Hoje em dia, os melhores pensadores já recomendam que os juízes busquem uma aliança, essa forma hibrida mista, para analisar caso a caso, apesar do disposto no art.112 do Código Civil.

Na prova, nos será pedido que confrontemos as teorias.

 

Reserva mental

Art. 110 do Código Civil.

Art. 110. A manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento.

Exemplo: Dona Florinda não quer vender algo, mas vende mesmo assim, e assina o contrato de compra e venda. Entretanto, se a outra parte não sabe de sua reserva mental, é justo que o contrato seja desfeito depois? Negativo.

 

Princípios que regem a interpretação dos negócios jurídicos

Princípio da boa-fé, estampado no art.113 do Código:

Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.

Em caso de conflito entre boa-fé e costumes, a boa-fé prevalece. O que é boa-fé? É um princípio universal do Direito? Não. As duas partes querem e esperam um comportamento recíproco de lealdade. Ambas acreditam que não terão problemas.

Princípio do comportamento das partes: manda o juiz olhar para as partes depois de feito o negócio. Isso por que, se as partes estavam tranqüilas, então estaria tudo bem, mas algo surgiu para colocar esse negócio em risco. O que foi? Leoni fala sobre este princípio.

Princípio da conservação dos negócios jurídicos: o juiz deve entrar num negócio jurídico e interpretá-lo de forma a salvá-lo, não a condená-lo. Ou seja, ele deve fazer de tudo o que for possível para conservar o negócio, em nome da segurança jurídica.