Na terça-feira
tratamos da vontade negocial, da sua declaração e de sua interpretação.
começamos
a analisar a vontade negocial já ultrapassado aquele crivo de ela ser
tratada
como pressuposto de existência do negócio jurídico. Para que o negócio
jurídico
exista, é necessária a vontade negocial. Em seguida vimos a declaração,
a forma
como ela é externada. Os elementos são dois: subjetivo, que é o intimo,
a
vontade da pessoa, e o externo ou objetivo, que é o aparente, que
aparece a
todo o corpo social. É imperativo que esses dois elementos estejam em
sintonia
para que o negócio jurídico seja saudável. Se não estiverem, o negócio
pode ser
questionado em juízo. Esses elementos inclusive influenciarão na
interpretação
dos negócios jurídicos, em que se admitem duas correntes: a
subjetivista e a
objetivista, a primeira privilegiando o elemento interno, a segunda o
externo.
A declaração de
vontades pode ser externada de duas maneiras: expressa e tácita. A
primeira é a
mais segura e recomendada, enquanto a segunda é implícita e mais
passível de
dar
problemas. Dentre as formas de expressão tácita que temos, a que mais
nos chama
atenção é o silêncio. Art.111 do Código Civil:
Art. 111. O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa. |
Questão de prova: o
silencio importa anuência de vontade? Falso.
A regra é: o silêncio importa sim manifestação de vontade quando as
circunstâncias permitirem e/ou
negócio jurídico não exigir forma expressa ¹. Tragam o
Código para fazer a
prova.
A interpretação
propriamente dita: o juiz, ao interpretar, o que faz? Ele busca o
significado
das vontades, das partes. Falando em hermenêutica e interpretação,
buscam-se as
declarações de vontade ali declaradas. O juiz, ao se lançar nessa
atividade, deverá
buscar fazê-lo por reconstruir o negócio do fim para o começo. É a teoria reconstrutivista da ação do juiz.
No negócio jurídico
interpretado, temos duas correntes: a subjetiva, que privilegia o
elemento
interno, e a objetiva, que privilegia o elemento externo. Na subjetiva,
mira-se
a justiça, enquanto na objetiva mira-se a segurança jurídica. no
Direito
brasileiro, qual é a corrente que predomina? a objetiva, em que se
privilegia a
segurança jurídica, mas não absolutamente.
Moral da história:
se o juiz estiver diante de um caso complexo, nada o impede de usar as
características
de ambas as correntes.
A interpretação do
negócio jurídico é voltada para alguns princípios:
Numa atividade
interpretativa, o juiz deve atuar no sentido de manter o negócio vivo.
Não importa,
nesse momento, se a boa-fé é objetiva ou subjetiva. A subjetiva é
aquela em que
o agente acredita estar de boa-fé, como comprar um carro roubado sem
saber. A
objetiva diz: tanto a parte A quanto a parte B devem entrar no negócio
sem
nenhum pé atrás, sem achar que serão ludibriadas, ou seja, a boa-fé é
predisposta. Sentido da boa-fé: lealdade, crença no Direito, honradez.
Além
disso, há o Art.113:
Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. |
A boa-fé, que é um
princípio universal, se coloca antes dos costumes, que são regionais.
Princípio da
conservação do negócio jurídico: é aquele que predispõe que o juiz
entre na
análise já com a expectativa de salvar o negócio, e não de anulá-lo. É
muito
mais seguro para a coletividade se o juiz estiver com a cabeça na
conservação,
e não na anulação.
Duas
questões da
prova sairão da aula passada, que acabamos de rever.
Os
elementos da
validade do negócio jurídico
Inicialmente, chama-se
nossa atenção porque, como esta aula diz respeito aos elementos de
validade,
precisamos, primeiro, saber o que é validade e qual nossa idéia sobre
algo
válido perante os efeitos. Ato jurídico perfeito é o ato praticado em
conformidade com a lei em vigor. Aí sim, ato jurídico perfeito é um ato
válido.
A validade, então, é uma situação que exigirá que aquele determinado
ato
jurídico esteja sendo feito e preenchido daquilo que a lei exige. E o
que a lei
exige? Quais são os requisitos de validade, o que o negócio precisa ter
para
que ele seja considerado válido? Está no art. 104:
LIVRO
III
Dos Fatos Jurídicos TÍTULO I Do Negócio Jurídico CAPÍTULO I Disposições Gerais Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei. |
Mas algo muito
importante está faltando: onde está a vontade livre e boa-fé dos
agentes? A lista
do art. 104 não é taxativa, mas meramente exemplificativa. Então, por
que incluímos
como elemento de validade a manifestação livre de vontade e que os
agentes
estejam de boa-fé? Porque usamos um raciocínio finalista: um negócio
defeituoso
é candidato a ser invalidado. Há uma macula, um vício que, se não for
sanado,
poderá colocar em risco aquele acordo de vontades. Esse defeito pode
ser decorrente da incapacidade de um dos sujeitos, da impossibilidade
do objeto, ou da não-determinabilidade dele, ou mesmo quando a forma
não é cumprida. Se a vontade não for
livre
ou as partes não estiverem de boa-fé, o negócio estará ameaçado,
portanto
dizemos que o art. 104 deixou de fazer essa menção. A vontade negocial
é
pressuposto de quê? De existência! Não de validade.
Se o negócio pode
ser invalidado, significa que, antes de tudo, ele existiu. Ou seja,
houve vontade negocial. É muito frequente que não se faça
distinção entre o ato inexistente e o ato nulo. Cuidado.
A
invalidade pode
ser absoluta, significando nulidade,
ou relativa, daí entendemos como anulabilidade.
Logo,
observe este
quarto requisito, que não está no rol do art. 104. É necessário que as
partes
estejam de boa fé e que manifestem sua vontade livremente. É uma
observação que nem todos os autores fazem. Portanto, Rodolfo Pamplona e
Pablo Gagliano fizeram uma pertinente ressalva.
O que é pessoa
natural? Sujeito de direitos e deveres. Mas o que é uma pessoa?
Ao tentar responder precisamente, a questão se torna quase
filosófica. Não está no Direito, e não vemos em nenhuma legislação algo
como: "considera-se pessoa, para os efeitos desta Lei, como...". Vamos
buscar esse
critério na Biologia. Muitos de nós nunca nos preocupamos
em definir uma
pessoa, pois é algo extremamente banal.
TÍTULO I DAS PESSOAS NATURAIS CAPÍTULO I DA PERSONALIDADE E DA CAPACIDADE Art. 1o Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil. |
E a pessoa natural?
Ao nascer com vida, o Direito lhe reserva a personalidade.
Metaforicamente, é uma
mochila aberta posta em nossas costas, com direitos novos sendo
adicionados ou removidos
enquanto fazemos a caminhada da vida.
Os direitos
subjetivos são os que advêm da personalidade jurídica.
Mas, será que é
seguro e recomendável que o agente possa usufruir livremente desses
direitos? Ou
é conveniente que o Direito (agora o Direito na forma objetiva, com “D”
maiúsculo) lhe restrinja algumas vezes? Veja o caso da ambiciosa filha
do
professor: ela, já aos 3 anos de idade, deseja se casar com o
Super-Homem. O que
falta a ela? A capacidade, que é
uma
limitação dos direitos dada pelo Direito. É a capacidade de fato, não a
de
gozo. A união de ambas leva à capacidade plena. Aqui, chamaremos de
capacidade
negocial.
Vamos agora fazer uma breve revisão da capacidade
civil estudada no semestre passado, em Direito Civil 1. Há os
absolutamente
incapazes, os relativamente incapazes, e os capazes.
Art. 3º,
inciso I e art. 4º, inciso I, ambos
do Código Civil dispõem sobre os quesitos objetivos para a capacidade:
Art. 3o São
absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I - os menores de dezesseis anos; II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. |
Art. 4o São incapazes,
relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; IV - os pródigos. Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial. |
O inciso II do art. 3º fala sobre os enfermos, que não têm compreensão da realidade, enquanto o inciso III dispõe sobre causas transitórias, ou seja, não permanentes, precárias, que não dão a idéia de perenidade. Podem ser remédios controlados que são tomados por um período ou mesmo uma arma posta na cabeça de alguém. Tensão pré-menstrual e estado puerperal também são causas transitórias; inclusive há mulheres que têm TPMs tão agudas que se tornam absolutamente incapazes. Também no pós-parto, durante o puerpério, em que cometem crimes dada a intensidade da depressão. São causas que viciam a vontade também.
Os incisos destacados acima são os quesitos objetivos, que, portanto, não dependem de circunstâncias de caráter pessoal. Os demais são quesitos subjetivos, que precisam passar por um processo de interdição.
Cuidado:
ébrio habitual
não é o alcoólatra. É o bêbado
conhecido, mas que não é dependente químico. O mesmo para o toxicômano.
Se for
um sujeito que usa drogas regularmente, mas não é dependente, então ele
será
considerado ébrio habitual. Excepcionais são os portadores de
síndrome de Down ou portadores de necessidades especiais como surdos,
mudos e cegos que tenham dificuldade em expressar sua vontade. Como um
cego que ainda não aprendeu a ler em braile, ou um mudo
que não domina a linguagem de sinais.
Todos os
quesitos de
(in)capacidade que não passam pela idade são subjetivos.
As formas
de
emancipação tácita são aquelas listadas no parágrafo único do art. 5º
do Código
Civil:
Art. 5o A menoridade
cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à
prática de todos os atos da vida civil. Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade: I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos; II - pelo casamento; III - pelo exercício de emprego público efetivo; IV - pela colação de grau em curso de ensino superior; V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria. |
Devemos diferenciar a capacidade
negocial da proibição legal, que por sua vez é diferente de
legitimidade. Para ficar mais fácil, vejamos, então, o termo
incapacidade. Qual a diferença entre
as duas
afirmações: “você é incapaz” e “isso que você fez é proibido por lei”?
No segundo,
a lei não permite. Na incapacidade, olha-se o indivíduo e suas
características pessoais,
bem como o suporte fático que envolve aquele indivíduo. Tanto que a
proibição
tem efeito erga omnes, enquanto
a incapacidade é de caráter subjetivo.
E a
legitimidade? É
a parte que mais nos interessa. Ela é uma aptidão específica. Por
exemplo: se
um sujeito tem registro na OAB significa que ele já é advogado de
alguém? Não. Por
quê? Falta a procuração. Então, não
é
somente porque alguém é capaz que tal pessoa também é legitimada.
Ela estará presente num instrumento, ou, se
preferirmos, num negócio jurídico.