Direito Civil

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Invalidades negociais




O conteúdo da nossa segunda avaliação começará a partir de prova dos negócios jurídicos. Invalidades negociais é a segunda matéria, depois teremos prescrição e decadência (extinção de direitos subjetivos) e finalmente responsabilidade civil dos atos ilícitos.

Precisaremos saber sobre planos do mundo jurídico. Negócio jurídico é uma espécie de fato jurídico, uma espécie diferenciada, já que trabalha com o que chamamos de princípio da liberalidade de vontades. Isso nos leva a uma conclusão muito óbvia, que, tratando-se de negócios jurídicos, qual será o cerne, o elemento nuclear de nossa análise? A vontade das partes, leia-se a vontade negocial. Então, imaginemos que, se o que é o supra-sumo de nosso assunto é a vontade negocial, se ela não existir, não temos um negócio; se ela existir mas estiver defeituosa, o negócio estará sujeito a uma cassação, a uma reforma, a um conserto ou à última e mais grave das circunstâncias: anulação ou nulidade que é o mesmo que ser considerado desfeito pela ordem jurídica. É a pior das conseqüências. O negócio padece de uma mácula tão grave que nem adianta “sentarmos para conversar” (buscar a convalidação ou ratificação).

Então, de uma maneira geral, invalidades negociais devem ser entendidas assim: falamos em invalidade, falamos em uma seara em que trabalhamos com um gênero (invalidades negociais), dentro das quais a nulidade e a anulabilidade serão espécies. Cuidado então. Primeira questão importante é: se, daqui para frente o negócio é nulo, isso será diferente de dizer que o negócio é anulável. Por enquanto, antes de saber qual é o caso, se de nulidade ou anulabilidade, digam simplesmente que o negócio é “inválido”. Assim, abarcamos as duas hipóteses. Seja de uma invalidade absoluta, ou seja uma circunstância de invalidade relativa, cujo nome mais comum será uma situação de anulabilidade. Portanto, muito cuidado. A partir de hoje, será inaceitável que confundamos as expressões de nulidade e anulabilidade. Isso será um erro que doerá nos ouvidos de que entendedor mediano de Direito.

Podemos dizer que, para ser nulo ou anulável, o negócio existe, antes de tudo? São três circunstâncias diferentes. Ainda que inexistência e nulidade sejam muito parecidas, na verdade idênticas quanto aos efeitos, mas não são as mesmas coisas. Uma situação de inexistência é uma situação em que o negócio jurídico sequer nasce. Então, um negócio sem vontade é um não-negócio. Forjar assinatura de alguém para celebrar um contrato de compra e venda. Como também contratar alguém para roubar o DUT de um carro que quero. Então mando o oficial de justiça parar e recolher o carro, depois que estou de posse do documento. Esse negócio de compra e venda (evidenciado pela transferência de propriedade) existiu? Não. Faticamente, efeitos foram gerados. Mas, juridicamente, não gerou nenhum efeito. O que buscar? Que as partes voltem à situação que estavam antes da prática. Então, a primeira pergunta é se é uma situação de invalidade. Se for, é porque o negócio existe. Se estivermos diante de um caso concreto, numa situação de inexistência, não é preciso pedir sua invalidade. É algo absolutamente ilógico. Por isso que primeiro diagnosticamos se o negócio existe. Se sim, só então analisaremos se ele sofreu algum tipo de defeito para cassar os efeitos. Aqui sim faz-se a diferença entre o negócio inexistente e o negócio anulável, cujos efeitos serão sentidos imediatamente, salvo se houver condição suspensiva.

Então, inexistência é uma coisa, e invalidade é outra. São circunstâncias defeituosas, daí o nome desta matéria: defeitos dos negócios jurídicos.

Temos dois tipos: defeitos que atacam a estrutura do negócio e defeitos que atacam as vontades negociais. São circunstâncias diferentes, díspares, pontuais e que não necessariamente se relacionam. Podemos ter um negócio que ataque só a estrutura, só a vontade, ou ambos.

As invalidades serão circunstâncias em que teremos que tomar cuidado com a estrutura ou então com a vontade das partes envolvidas.

Vejamos o caso mais grave: a estrutura. O que vem à nossa cabeça? Quais são os elementos que irão estruturar o negócio fazendo com que ele esteja apto aos olhos da lei: os acidentais ou essenciais? Os últimos, que são os elementos de validade. Quais são os elementos de validade previstos pelo art. 104? Agente, objeto e forma. Havendo um atentado contra um desses elementos, dependendo do atentado, o negócio será considerado nulo. Por exemplo: agente absolutamente incapaz, que pratica um negócio, ou agente que está sob tratamento psiquiátrico, que tem momentos de lucidez e de fantasia. Passada por um processo de interdição, a pessoa foi declarada absolutamente incapaz. Você faz um negócio de compra e venda com ela sem a presença de seu representante. O negócio pode ser salvo? Não. Ele é nulo, porque se atentou contra sua estrutura. Mesmo que haja o sujeito de boa-fé, que fica em segundo plano. A segurança coletiva é mais importante. Nem que o representante venha depois e assine, ratificando. Se é nulo hoje, será nulo daqui a 10 anos. E os efeitos jurídicos advindos? Para o Direito, eles não existem. Observação: a interdição é medida no momento da celebração do ato, não posteriormente.

Esta parte, por representar 60% de nossa prova, terá muito pouco de teoria. Teremos mais casos concretos, questões de ordem prática.

Vamos nos aprofundar nas invalidades.

Dentro da invalidade, temos a invalidade absoluta. O art. 166 fala justamente dos elementos essenciais, ou seja, circunstâncias que atentam contra a incapacidade do agente, ou então a forma tendo sido desrespeitada. Digamos a escritura pública, quando querem fazer um contrato de compra e venda de bem imóvel sem ela. O juiz pode endossar? Não, porque é um negócio jurídico solene. Uma vez desrespeitada a forma, o negócio não pode ser válido.

Art. 166: primeiro artigo a tratar especificamente das invalidades negociais:

CAPÍTULO V
Da Invalidade do Negócio Jurídico

        Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:

        I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz;

        II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;

        III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;

        IV - não revestir a forma prescrita em lei;

        V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;

        VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa;

        VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.

Vício da simulação: é um vício que, de tão grave, será considerado nulo. Está no art. 167 do Código Civil.

        Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.

        § 1o Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:

        I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;

        II - contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;

        III - os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.

        § 2o Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado.

Ou o vício atenta contra a estrutura ou contra as vontades. Lembrando que, para que o negócio seja “limpo”, é fundamental que as vontades interna e externa estejam caminhando juntas. Mas e se houver um afastamento? Quero algo, mas faço outra coisa, porque fui enganado ou coagido ou me enganei, ou porque estava em estado de necessidade, ou seja porque eu não tinha conhecimento do valor daquilo que estava em minhas mãos. São circunstâncias que atentarão contra a vontade. São vícios de consentimento, que tratarão de situações de anulabilidade. Conseqüentemente, é um vício menos grave, que inclusive admite conserto. Quando falamos em possibilidade de conserto, ou recuperação de um negócio, e falamos que na invalidade absoluta isso é impossível, não significa que não se possa fazer um novo negócio já de maneira perfeita. Exemplo: temos um negócio feito com alguém absolutamente incapaz. Esse negócio jurídico é nulo, e jamais poderia ser salvo, mas nada impede que se faça um novo negócio, com alguém capaz. Uma coisa é salvar o mesmo negócio, outra é fazer um novo negócio, desta vez vestido de legalidade.

Na situação de recuperabilidade, em que podemos salvar o negócio, falamos do negócio original, portanto temos apenas um. Esse sim, sendo passível de recuperação, não haverá problemas em ser salvo, convalidado. Falado então em nulidade absoluta e relativa, colocamos um quadro comparativo para sedimentar as coisas:

Invalidade absoluta

Invalidade relativa

Vício insanável

Vício sanável (menos grave)

Interesse público

Interesse privado

Possibilidade de ação de ofício pelo juiz

Juiz só age quando provocado

Não sujeição à ação do tempo

Sujeito à ação do tempo

Efeito judicial ex-tunc

Efeito da ação é ex-nunc.

 

Temos os dois tipos de vício: a invalidade absoluta e a invalidade relativa, e vão dispor, cada uma delas, sobre uma situação específica. Situações de invalidade absoluta, ou seja, de nulidade. É grave. Veremos que em razão dessa qualificação teremos uma série de conseqüências que farão sentido. Serão aplicadas e previstas pelo ordenamento justamente em razão dessa gravidade. Em uma situação de absoluta invalidade, temos, portanto, um vício insanável, ou seja, o que não admite conserto. Ele atenta contra a estrutura do negócio jurídico ou à segurança coletiva. Como pessoas que se mancomunam com o objetivo de lesar outrem de maneira indiscriminada. Utilização de meios ardilosos para a enganação de toda a sociedade. Em breve daremos as denominações de cada caso.

Já que o vício é tão grave, o interesse será público, não apenas das partes envolvidas. Assim sendo, o juiz não precisa ficar quieto aguardando uma provocação; ele poderá agir ex officio. Se ele, diante de determinado conhecimento nota o vício insanável, sendo o caso de invalidade absoluta ou nulidade, ele, “de cara”, poderá dizer: o defeito é insanável, a situação, portanto, é de nulidade. O juiz então pode agir de ofício. A situação de invalidade absoluta não está sujeita à ação do tempo; o negócio continua nulo. Não é o simples passar dos dias, meses e anos que fará com que o negócio possa ser convalidado. Atenção para essa palavra. Vem do latim co-validar = dar validade. Um negócio sujeito a nulidade não admite convalidação.

Por último, os efeitos da decisão judicial são ex-tunc. Quer dizer que o negócio com uma cláusula nula, que, por exemplo, tenha sido fechado em agosto de 2007, com a nulidade declarada em agosto de 2009, terá seus efeitos retroagidos à data de sua celebração (agosto de 2007). Se, por exemplo, parcelas estipuladas num contrato de compra e venda de bem imóvel sem escritura pública, que é caso de nulidade, tiverem sido pagas durante todo esse tempo até agosto de 2009, uma vez declarada a invalidade todo o dinheiro deverá ser devolvido, atualizado monetariamente.

Numa outra circunstância, em que temos o efeito ex-nunc, os efeitos serão sentidos a partir da sentença. Então, se temos um contrato com uma cláusula não nula, mas abusiva, esta cláusula ensejará anulação. Significa que a parte foi ludibriada. Como alguém que estava pagando R$ 2.100,00 mas deveria estar pagando apenas R$ 350,00. Somente a partir da sentença que se reduzirá o valor da parcela. (mesmo que o número de parcelas aumente).

Com relação à relativa invalidade, temos circunstâncias diferentes, mas que, entendidas as da invalidade absoluta, entenderemos estas. Primeiramente, a invalidade relativa poderá ser pedida quando houver um vício sanável, ou seja, passível de convalidação. Como um relativamente incapaz que celebra um negócio jurídico e, quando atingida a capacidade plena, ele ratifica sua vontade com uma nova assinatura. Depois, temos que aqui na situação de anulabilidade, contraposta à de nulidade, o juiz não poderá agir a não ser que seja provocado, logo ele não pode agir de ofício. Isso porque ele trata, aqui, apenas do interesse das partes, e não há questões de interesse público envolvidas. Sendo ele representante do Estado, ele poderia agir de ofício se houvesse um problema que pudesse repercutir para toda a sociedade, e não apenas as partes.

Um negócio com vício sanável, que pode ensejar uma situação de invalidade relativa ou anulabilidade, pode se tornar “limpo” se passado um tempo. Então esta é a quarta característica da invalidade relativa, em oposição à invalidade absoluta, em que a sanidade do negócio não estava sujeita à ação do tempo. Se alguém se casa com alguém que não é o que dizia, levando o cônjuge à desilusão pós-matrimonial, o casamento poderá ser anulado. Mas, como há somente interesses particulares envolvidos, o insatisfeito terá um prazo para pedir essa anulação.

Por último, os efeitos são ex-nunc, significando que só agirão daí para frente, como já vimos.


  1. No final desta aula, em que o professor narrou o inquietante caso de compra e venda com fraude de um apartamento no Sudoeste de Brasília, ele nos alertou que, de agora em diante, é esse o tipo de coisa que veremos em nossas vidas. Disse ele: “bem-vindos ao mundo das invalidades”.