Direito Civil

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009


Os planos do mundo jurídico

Tópicos:

  1. Bibliografias sugeridas e avisos
  2. Revisão e considerações iniciais
  3. Plano da existência
  4. Plano da validade
  5. Plano da eficácia

Bibliografias sugeridas e avisos

O professor nos trouxe hoje três livros para nos mostrar. Um deles é bem especifico, que é uma tese de doutorado de um jurista bastante reconhecido, inteiramente sobre a Teoria do Fato Jurídico (este é o título). A linguagem é mais rebuscada, boa para quem gosta do desafio e também para familiarizar-se com a forma. Serve para as três primeiras aulas. Autor: Marcos Bernardes de Mello. É difícil de achar em lojas.

Para quem tiver uma dificuldade, há outra obra mais didática: Novo Curso de Direito Civil (Pablo Stolz e Rodolfo Pamplona) e com a surpresa de que recentemente começou a ser usado em bancas de concursos. Até caiu de preço. É os que os alunos em geral mais gostam. Tem quatro volumes já editados; os autores ainda escreverão três outros volumes.

Por último, Curso de Direito Civil, de Paulo Nader. Parte geral, a partir do capítulo sobre fato jurídico para frente. Fala muito pouco dessa primeira parte da nossa matéria mas aprofunda bem sobre o resto do conteúdo.

O professor já depositou o plano de curso no espaço aluno. Nele estão consagrados os detalhes da primeira aula. Os resumos devem ser colocados a partir de quarta-feira ou quinta-feira. Cronologicamente esta é a aula número 2. A aula 1 é fatos jurídicos - considerações iniciais, enquanto a aula 2 é fatos jurídicos - os planos. A aula 3 é a classificação dos fatos jurídicos, indo até negócio jurídico.
 

Revisão e considerações iniciais

Na aula passada, expusemos algumas considerações sobre fato jurídico. Qual é nossa intenção? Era justamente poder ter uma compreensão inicial sobre aquilo que chamamos fato jurídico. O objetivo foi entender a relação entre fato jurídico e esse objeto do nosso estudo, de nossa matéria, que estamos trazendo, é claro, para a esfera do Direito Civil. Tudo o que o professor falar nestas primeiras aulas valerá para qualquer ramo do Direito. A partir da quarta aula concentraremos especificamente em negócio jurídico e aí sim, estaremos lidando com um instituto que é eminentemente do direito privado, de nossa área específica.

Também caracterizamos o fato diferenciado que leva o nome de fato jurídico. A palavra fato, em si, dá a idéia de uma ocorrência, de um evento, que, sendo relevante para a sociedade, passando por aquele crivo do valor, da Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale, fará com que surja em torno dele uma previsão legislativa, uma tipificação. Então, vimos que podemos ter tranqüilamente um acontecimento que venha a ocorrer dentro de um contexto social. Se ele for tratado de uma maneira diferenciada em razão de uma relevância para a sociedade, o Direito objetivo prevê, constrói uma hipótese para que tal fato seja tratado de uma maneira diferente. O Direito alça-o à categoria de fato jurídico para que se fique, então, mais confortável para aplicarem-se as regras, as diretrizes, para determinado acontecimento.

Vamos agora falar de maneira menos holística e vamos para um exemplo.

Se o professor puxa uma pistola e aponta para nós, ele está praticando um fato jurídico? Sim. Encontramos naquele corpo legislativo (o nosso ordenamento jurídico) uma previsão desse fato.  Ao atirar contra alguém, passa-se para outro tipo legal, o homicídio. O Direito entra em cena ao constatar-se que a norma incide diretamente sobre o fato ocorrido. Com isso, agregamos os efeitos daquele ato, conferimos a ele um determinado valor, e, depois de agregar essa importância e esses efeitos, teremos as conseqüências. Qual a conseqüência, por exemplo, da tentativa de homicídio? Pode o professor ser mutilado, degolado, banido do país em razão disso? Não. Há determinadas previsões para esse comportamento. Então, qual é, no caso, a previsão? Cerceio de liberdade. Prisão.

Então, num resumo rápido, vimos rapidamente os quatro momentos da formação do fato jurídico. O fato jurídico é o supra-sumo do Direito, pois sem fato não haverá relação jurídica. Com relação jurídica temos elementos interagindo, sujeitos ativo e passivo, ligados pelo vínculo de atributividade em torno de um objeto. O professor, ao praticar o fato de apontar a arma para os alunos, é um dos sujeitos da relação jurídica. Mas qual? Cuidado com a sutileza. Apesar de ele ter praticado o fato (a ação de puxar e apontar a arma), ele é sujeito passivo. Já que ele cometeu um crime, estabeleceu-se uma relação jurídica entre ele e o Estado, que será, neste caso, o sujeito ativo ao processá-lo.

O fato jurídico é o cerne, o elemento nuclear para que possamos dar seqüência às nossas atividades. Portanto, categoricamente, precisamos ter quatro momentos: hipoteticidade, concretização (momento em que o direito objetivo se converte em direito subjetivo), valoração e produção de efeitos.

A aula de hoje é a preparação para o negócio jurídico.

Fato jurídico é considerado todo evento, natural ou com a presença do elemento volitivo, neste caso podendo ser uma interferência humana voluntária ou involuntária, que tenha o efeito de afetar, transformar, tumultuar o nosso corpo de leis, ou o nosso Direito objetivo. Quando o Direito objetivo é afetado, temos circunstâncias que fazem surgir direitos, que possa fazê-los desaparecer, ou que no mínimo os transformem.

Exemplo: nascimento. É fato jurídico? Sim. O que acontece? A pessoa adquire personalidade; passa a ser considerada sujeito de direitos; se for herdeira por meio de testamento em que uma pessoa deixou o seu imóvel para ela, a criança já é dona da propriedade. E se a criança tiver morrido antes de sair da maternidade? Haverá alguma conseqüência? Sim, o imóvel passará para seus ascendentes. Conseguimos, aqui, relacionar o fato jurídico à idéia de relação jurídica. Candidata à segunda questão da prova: (a primeira deve ser sobre o momento de formação do fato jurídico): explicar a diferença entre fato jurídico e relação jurídica. Esta é provavelmente subjetiva. Existe relação jurídica sem fato jurídico? Não. A relação jurídica é a ligação, o elo que se estabelecerá em torno de um fato jurídico. É a essência da questão. O professor, entretanto, irá elaborar mais o enunciado.

Vimos que sem fato jurídico não há que se falar em relação jurídica.  Temos que ter um pensamento prático. Se olharmos para uma circunstância e ela não se encaixar no Direito, você, na qualidade de operador das leis, ficará buscando chifre em cavalo? Lembre-se da criança com seus brinquedos de encaixar. Ela tenta exaustivamente encaixar a peça em forma de círculo no buraco para o retângulo. Somente depois de muito tempo que ela perceberá que aquele não é o buraco certo. Quando ela acerta, ótimo, ela passa para a próxima peça. Agora pegue essa ilustração e abstraia para o mundo do Direito. É a hora de se preocupar com os encaixes. Se não encaixar, simplesmente esqueça. O momento do encaixe é exatamente o momento em que verificaremos o...

Plano da existência

É o binômio norma + fato. Quem ou o que vai nos dizer se determinado fato é jurídico? A norma! O fato não foi previsto pela norma. Ele é jurídico? Não. Acabou o seu problema. Envie-o para a Economia, para a Sociologia, para a Moral, para a Religião, mas não é da esfera do Direito.

Agora vejamos o casamento. Ele existe em nosso ordenamento? Sim, está previsto no Código Civil. Lá temos as regras para que esse negócio jurídico exista. Dentre elas, existe uma imposição legal de que o casamento seja realizado por uma pessoa competente, com poderes delegados. Quem realiza isso? Padres e juízes de paz. Chamemos de tabelião. Digamos que Zumira se apaixone por alguém do sexo oposto; ela e o pretendido são maiores, e nenhum possui nenhuma debilidade mental. Ambos se mostram de livre e espontânea vontade para se casarem. Então, Zumira pede para uma amiga celebrar o casamento. Pergunta: esse fato é jurídico? Há sentido algum em irmos em busca da validade e da produção de efeitos dele? Negativo, porque ele sequer entrou na esfera do Direito. É aquela história: somos práticos, não temos tempo a perder. E aqui termina análise desse inusitado fato.

Em relação a esses três prismas que estamos examinando agora, ao vê-los, colocamos nossa análise mais ou menos desta forma: verificamos a existência. Existe? Ótimo. Então, passaremos à validade e à eficácia. Essas duas nós podemos verificar em qualquer ordem, desde que primeiramente passemos pelo plano da existência. A ordem das duas últimas não importa. É possível um negócio jurídico que existe, não seja válido mas que produza efeitos (ou seja, tenha eficácia). Digamos um contrato de compra e venda assinado por pessoa relativamente incapaz. É inválido? Há um vício na capacidade de algum dos agentes? Sim. Mas produz efeitos, pois o ato é só anulável e passivo de ratificação por seu representante. Aqui existe inclusive retroatividade: o representante legal do relativamente incapaz poderá ratificar o negócio e fazer com que gere efeitos retroativos à data da celebração do contrato.

Outra circunstância: a capacidade é um dos elementos de validade do negócio, de acordo com o art. 104 do Código Civil. Digamos que o agente não tem capacidade e fecha um negócio jurídico. Primeira pergunta: o negócio existiu? Sim, é o fato! Mas o sujeito não é capaz, então o segundo plano de verificação esbarrará num problema. Não é questão de capacidade jurídica, mas de personalidade jurídica. Ela existe? Não. Então, nem se preocupe com a validade. Outra possibilidade: o procurador de uma pessoa recém-falecida se vale daquela procuração para fechar um contrato em nome do morto. O negócio jurídico nem existe porque o morto sequer tem personalidade jurídica.

Plano da validade

Não é hierarquicamente superior ao da eficácia. Ambos estão em pé de igualdade. O que quer dizer validade? Vejamos a validade de uma norma: “ela é valida?” Qual o sentido dessa frase? Não tem a ver com vigor. Precisa ter, primeiramente, suporte fático (eficácia social). Depois, vemos que ele tem que estar dentro da vigência, respeitando a hierarquia (não pode ir contra a Constituição). Também é necessário que a norma tenha sido criada pelo poder legislativo, que é o poder competente para fazê-lo de acordo com a Constituição. Depois, temos que averiguar a licitude do objeto. Lícito é o objeto que não é proibido por lei, pelo menos no Direito Civil e no Direito Trabalhista. A conseqüência de não se ter esses pressupostos presentes é que o ato será inválido. Daí poderá ser nulo ou anulável, significando respectivamente invalidade total ou parcial. Note, portanto, que nulidade não é a mesma coisa que inexistência. Para que um ato seja considerado nulo, ele deve, primeiramente, inexistir ¹. Logo não é correto afirmar que o negócio inexistente é nulo. Nem precisaríamos passar para o plano da validade.

Resumo dos requisitos:

  1. Suporte fático (eficácia social);
  2. Vigência;
  3. Licitude do objeto.

O problema é que as conseqüências do ato nulo são bem próximas das do ato inexistente.

Volte às notas do semestre passado, especificamente do dia 18/08/2008, para ler um pouco sobre isso.

A validade é a reunião de requisitos e pressupostos que considerarão o fato apto para seus efeitos. É aqui que partimos para o terceiro plano, que é o...
 

Plano da eficácia

É aqui que se dá a produção de efeitos. É aquele exame que fazemos para detectarmos se o fato jurídico já está apto à produção dos efeitos desejados. A eficácia nos fará muito mais sentido quando partirmos para o negócio jurídico. O Direito previu, considerou válido, e conseqüentemente produziu algum efeito. O que foi ilícito gerará necessariamente um efeito reparatório. Dar cotovelada em objeto que se destrói, por exemplo, é fato jurídico.

Mas o plano da eficácia fica melhor compreendido quando levamos o estudo para o caminho dos negócios jurídicos. Eles são declarações de vontade. A pedra de toque, a grande referência para diferenciar negócio jurídico de todos os outros fatos jurídicos é que, nos negócios, haverá declaração de vontades com um objetivo específico. Essa vontade é emitida pelo sujeito ativo, é recepcionada pelo passivo, e, neste lado, existe uma contra-vontade, que o sujeito ativo espera que seja a mesma da dele. 

Um exemplo de negócio ineficaz seria o empréstimo de dinheiro para um terceiro jogar na Mega Sena e se reivindicar o dinheiro antes do dia do sorteio.

Testamento: se a pessoa que testou ainda não morreu, ele ainda é valido. Mas sua eficácia é que está em estado latente. Existe, é válido, e, ao falecer o testador, o testamento produzirá efeitos.

A eficácia, portanto, é o conjunto das conseqüências e potencialidades do fato jurídico.


1 - Foi isso que eu copiei, apesar de achar estranho agora. Posso ter cometido um erro. Miguel Reale, nas Lições Preliminares de Direito, afirma que “...há a necessidade de repelir eventuais pretensões fundadas em situações resultantes de atos juridicamente embrionários, portanto não se pode confundir a inexistência, que é um vicio antes natural ou fático, devido à falta de elementos constitutivos, com a nulidade, que resulta da não-correspondência dos elementos existentes com as exigências prefiguras em lei. O ato inexistente, na realidade, carece de algum elemento constitutivo, permanecendo juridicamente embrionário, ainda em formação, devendo ser declarada sua não-significação jurídica...” – página 207, com adaptações.