Fatos jurídicos: classificações
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Vamos começar com as boas noticias. Somos os principais interessados. Na terça-feira pós-carnaval é possível que não tenhamos aula porque o professor tem uma audiência marcada fora de Brasília. É justamente na terça-feira de manha, dia 03/03. Como combinaremos: a priori, não teremos aula. Se o professor conseguir se desvencilhar desse obstáculo, ele depositará no espaço aluno um aviso e dará um pulinho aqui na segunda para nos avisar.
Também pode ser que venha um colega dele dar aula para nós.
Planos da esfera jurídica: revisão
Na aula passada nos preocupamos em fazer uma análise do fato jurídico sob três prismas. O que deve ficar marcado para nós é a análise com relação à existência do fato jurídico. É um evento, um acontecimento, que encontre respaldo, previsão estabelecida pelo nosso Direito objetivo. Desse fato jurídico haverá uma cristalização de uma relação jurídica em torno dele. Então não é demais afirmar que o fato jurídico “é o que há”. Sem fato jurídico, sem repercussão para nós da área do Direito. Vimos que só existe cronologia/hierarquia entre o prisma da existência e os dois demais. Qualquer fato precisa ser existente antes de tudo. O que é um fato jurídico válido? É aquele que reúne os requisitos necessários para gerar efeitos. E a eficácia é o ponto final: saber se está apto, se há algum “gatilho” que precise ser disparado para que o fato jurídico surta seus efeitos. Tanto é assim que podemos ter um fato jurídico que existe, que produza efeitos mas que seja inválido. Também pode haver um fato jurídico existente, válido e ineficaz. Testamento cujo testador ainda está vivo. No suporte fático, faltaria a morte do testador; esse seria o referido gatilho.
Passando por esse período inicial, hoje é a última vez que vamos falar de fato jurídico. No final da aula já teremos começado a falar de negócios jurídicos, matéria em que ficaremos até as 4 últimas aulas, onde veremos o fato jurídico strictu sensu.
Muito bem. Comecemos por aquilo que já vimos exaustivamente: o fato jurídico. Tudo que falamos até agora se encaixa na parte ampla (início do esquema, mais à esquerda). Quando falamos naquela classificação, estamos falando para qualquer ramo do Direito. Pode ser para o administrativo, trabalhista, previdenciário, comercial, todos. É justamente aquele que coincidirá com um acontecimento natural ou humano, voluntário ou involuntário, que gerará, extinguirá, alterará ou conservará direitos. Então, esta é a idéia de fato jurídico enquanto família. Este é o gênero, enquanto os fatos jurídicos propriamente ditos, os atos-fatos jurídicos e os atos jurídicos são as espécies.
Latu sensu = em sentido lato: expressão muito usada em concursos. Primeira subespécie que deveremos prestar atenção: os fatos jurídicos latu sensu são circunstâncias, eventos, ocorrências que não envolvam o ser humano. Então, em um ou outro momento, poderemos ter tranquilamente um fato jurídico que não tenha sido provocado pelo ser humano, que não tenha o dedo do homem envolvido. Vimos o exemplo do caso de um raio que atinge uma residência. Não necessariamente é um fato jurídico, mas digamos que o raio matou alguém ou que a casa fosse segurada. Esse evento, portanto, previsto na lei, é concretizado; ele aparece para nós. Passando por aqueles três prismas da existência, dizemos que é um fato jurídico. Depois preocupamos com a validade e eficácia. Esse evento envolveu o homem? Não. Então, estamos diante de uma situação ligada àquela primeira categoria ali. Fato jurídico em sentido estrito ou propriamente dito. Propriamente dito porque não envolve o homem. É um evento natural.
Pense agora num cidadão que esteja passeando na rua perto de postes e um cabo de energia se solta, atingindo o sujeito, que morre. Esse fato jurídico envolve o homem? Não estamos falando ainda na possibilidade de ter havido sabotagem. Soltou-se naturalmente. Todas as circunstâncias são relativas, anote isso. Ora pode ser uma coisa, ora pode ser outra coisa. Então, a idéia é que os fatos jurídicos strictu sensu são circunstâncias que não carecem da participação do homem. Dentro dessa ótica, subdividimos em mais dois grandes grupos...
Há eventos previsíveis e imprevisíveis. A morte natural, por exemplo. Existe algum homem que não morra? Ainda não. Ou então, digamos que compramos uma fazenda, onde há algumas cabeças de gado. E compramos a propriedade com vacas cobertas. Precisamos fazer algo para que os novilhos nasçam? É possível saber quando nascerão? Ou então, imagine que compramos uma terra na qual já estavam plantados coqueiros. Será necessária a intervenção humana para que o coqueiro dê frutos? E finalmente a passagem do tempo. É um fato natural. O homem não está envolvido.
Mas, por outro lado, há eventos da Natureza que não são esperados. O Brasil não está numa região sujeita a terremotos. Para nossa realidade, portanto, a ocorrência de terremotos é algo extraordinário. O homem não tem absolutamente nenhuma participação nos terremotos. É, portanto, um fato jurídico strictu sensu do tipo extraordinário. Mas de que tipo: de caso fortuito, ou de força maior? Vamos lá. Não são a mesma coisa, são circunstâncias diferentes.
Caso fortuito é o imprevisível, enquanto a força maior é a ocorrência inevitável. Essa é a diferença. Feio é quando um sujeito pronuncia a frase "não vou me responsabilizar porque se tratou de caso fortuito ou força maior". O primeiro costuma ter causas desconhecidas. No outro temos fatos que sabemos ou podemos saber que vão acontecer, mas nada pode ser feito. Enchentes, por exemplo: não se podem impedi-las. É uma situação de inevitabilidade. Idênticas são as conseqüências dos fatos jurídicos strictu sensu extraordinários do tipo caso fortuito e dos fatos jurídicos strictu sensu extraordinários do tipo força maior.
É um tipo hibrido, com características do primeiro (fato jurídico strictu sensu) e do terceiro (ato jurídico, que veremos a seguir). É um meio-termo. Estes aqui são fatos que envolvem a vontade humana, mas, uma vez concretizados, as conseqüências independerão da vontade humana.
Imagine uma pessoa absolutamente incapaz, porém bem talentosa; ela pinta quadros abstratos e faz esculturas perfeitas. Sendo deficiente mental e absolutamente incapaz, aos olhos da lei ela não tem vontade. Digamos que ela produziu uma obra muito bela, de altíssimo valor. Partindo do pressuposto que ela compôs a obra sem intenção, o quadro é dela? Sim, o patrimônio é dela. O Direito reserva a obra para ela; ela é a dona do bem mesmo que não saiba disso; ela será dona independentemente de sua vontade. Note que o fato partiu da vontade humana (a produção da obra) mas gerou efeitos (conseqüências) incontroláveis.
Outra circunstância interessante: pescaria. Quem joga o anzol na água não sabe se conseguirá pescar. Mas se bem-sucedido, não interessa se o pescador queria ou não ter a propriedade daquele peixe. Se ele pesca bem na hora da piracema e o IBAMA o flagra, a situação complicou: o Direito já diz que o peixe é propriedade dele, mesmo que ele não queira ou negue, e aí ele já terá cometido uma infração ambiental.
Agora, visualize uma criança de 7 anos comprando pão. O Direito diz: o fato (o contrato de compra e venda) existe, independentemente da vontade e da consciência da criança.
E, como último exemplo, um tesouro descoberto. O Direito reserva ao felizardo que o encontrar a propriedade do achado.
Em suma, para configurar um ato-fato jurídico, basta que o ser humano tenha praticado uma ação, mas o fato independerá de sua vontade dele posterior. O Direito já reserva para ele conseqüências apenas por ter ocorrido o fato. Por isso, ato-fato jurídico. “Ato humano é substancia do fato mas não importa se houve ou não intenção de praticá-lo.” - Rodolfo Pamplona.
Os atos jurídicos constituem a terceira e última espécie do gênero fatos jurídicos latu sensu. O professor gosta de fazer uma ressalva sobre aqueles que não conseguem conceber a idéia de um ato jurídico que seja ilícito. Quando falamos de fato jurídico, consideramos jurídico tudo aquilo que pertença ao mundo das leis. Quem comete um crime pratica um ato que está previsto na lei? Sim. Posteriormente pesaremos tais atos como lícitos ou ilícitos. A confusão é provavelmente devida ao fato de que, quando estudamos teoria do crime em Direito Penal no semestre passado, aprendemos que o conceito analítico de crime é “fato típico, ilícito e culpável”, mas alguns autores substituem o segundo adjetivo por “antijurídico”, que seria “contrário ao Direito”. Não tragam essa concepção para o estudo dos atos jurídicos. O ato é contrário à ordem jurídica, mas não ao Direito, pois o Direito mesmo prevê tais fatos.¹
Os atos jurídicos envolvem participação humana necessariamente, um ato volitivo. Eles se dividem em dois: conforme manda a ordem, e os praticados de forma contraria à ordem jurídica. Mas, dependendo das circunstâncias, esses dois mudarão. Ato jurídico lícito: qual é o brocardo que vale no Direito Civil para saber o que é lícito ou ilícito? “Tudo aquilo que não é proibido é permitido.”
Os lícitos: não entram em choque com a lei, não têm óbices. Vamos subdividi-los em dois.
No início do século XVIII houve o advento da política liberal. Significa que o Estado deveria interferir o mínimo possível para garantir a autonomia às vontades dos indivíduos. Isso faz então com que haja uma certa dificuldade porque existem atos jurídicos lícitos em que o sujeito não tem controle sobre suas conseqüências. Ele age e, em face disso, o Direito fala: “vai acontecer isso e aquilo.” "Mas não quero!" – responderia o homem que acabara de praticar um ato jurídico. Então, o Direito replicaria: “você não foi obrigado a fazer.”
Acompanhe esta ilustração: Tutuola se dirige a Munch para pedir-lhe dinheiro emprestado, e este o dá R$ 20.000,00. Tutuola, antes disso, combinou com Stabler para ser seu fiador. Eles pactuaram que Tutuola pagaria a Munch em 10 parcelas de R$ 3.000,00. Logo no primeiro mês, Munch fica à espera da primeira parcela e Tutuola não se manifesta. Passam-se os meses até que, no décimo mês, Munch ajuiza uma ação contra Tutuola. Cragen, o juiz, pergunta a Tutuola se as dívidas, evidenciadas pelos papéis apresentados por Munch, são autênticas. Tutuola diz que sim, reconhecendo que deve todas as parcelas, num total de R$ 30.000,00. Tutuola acabou de praticar o que se chama confissão processual. É um ato jurídico, que depende do elemento volitivo humano. Quais são as conseqüências? Note que, aparentemente, Tutuola não tem patrimônio, o que deixaria Munch desamparado. Mas lembram-se que um fiador foi nomeado? Sim, Stabler, é ele mesmo! Ele quem acabará se dando mal nessa história. Mas ele é amigo de Tutuola, e este não quer que o Stabler fique pobre! Pode ele, então, se dirigir ao juiz Cragen e pedir, ou mesmo implorar, para que as conseqüências não atinjam Stabler? A resposta é não. Tutuola não tem mais controle sobre as conseqüências da confissão processual que ele praticou.
No Direito Civil, o que vale a realidade ficta, a que está sendo provada nos autos. O que se declara em juízo irá para os autos, e será o que valerá. Diferente do Direito Penal, em que vale a realidade real.² Portanto, para controlar as conseqüências, é necessário que as partes celebrem um negócio jurídico, visto logo mais e detalhado na próxima aula.
É o que comanda a idéia da autonomia da vontade. Veremos depois o termo que já estudamos em Introdução ao Estudo do Direito, a vontade negocial.