Direito Civil

terça-feira, 24 de março de 2009

Representação negocial e introdução aos elementos acidentais do negócio jurídico



No sábado, finalizamos a parte relativa à representação negocial, e entramos na parte de modalidades de negócios jurídicos, ou elementos acessórios ou acidentais da declaração de vontades.

O que vimos com relação à representação negocial? Inicialmente, as espécies de representação. A representação negocial se subdivide em dois grandes campos: 

Como o próprio nome diz, a representação legal é aquela advinda e imposta pela lei, enquanto a voluntária advém da vontade das partes. A conseqüência disso é óbvia: a representação legal terá seus poderes estipulados pela lei e somente por ela, enquanto na voluntária os poderes serão delimitados pela vontade das partes, no dispositivo criado.

Pouco importa se for uma representação onerosa ou gratuita. Prestem muita atenção porque a representação legal não autoriza que haja um substabelecimento, uma delegação; esta só será possível na voluntária. Lembrem-se da expressão delegado, que é a mesma coisa que "representante".

Logo, na representação negocial, temos duas figuras: a do representante e do representado. Isso na representação por si só. Entretanto, raramente duas pessoas constituirão uma relação de representação sem outros fins, logo, geralmente haverá uma terceira pessoa na jogada, que será aquela com quem se faz o negócio. O termo informal "jogada" foi usado porque, sendo também uma relação, não devemos confundir com a relação jurídica em análise. Exemplo: Severino faz um negócio de representação com Cangaceiro, para que este represente aquele, seja seu delegado. Severino quer vender sua fornada desta manhã, mas encontra-se ocupado com outro negócio. Ele pede para que Cangaceiro, seu representante, entre em contato com Antônio Moraes, que se mostrara interessado nos pães, para realizar um contrato de compra e venda. Pergunta-se: quem está manifestando vontades? Nesta relação de três pessoas, é o representado (Severino) e a pessoa com quem ele faz negócio (Antônio), enquanto  Cangaceiro, o representante (ou delegado) figura apenas  como "emissário". Perceberam como nessa história já foram realizados dois negócios jurídicos? O de compra e venda, entre Severino e Antônio, e o de representação, entre Severino e Cangaceiro. Muita atenção, pois.
 

Efeitos da representação

O representado assumirá integral e exclusivamente os ônus e obrigações advindas do negócio. Pouco importa quem constituamos como nossos delegados, se queremos comprar uma casa, e constituímos Chicó ou João Grilo como nossos procuradores. Suponham uma negociação de compra e venda: o comprador não paga; pode o sujeito que vendeu pode entrar contra Chicó ou João Grilo, que são seus procuradores? Negativo, pois o negócio foi feito por representação, o que significa que o representado assume todos os riscos e ônus produzidos pela relação. A palavra-chave para evitar confusão é que o representante só poderá agir dentro de seus poderes conferidos no dispositivo.

Outra situação: Seu Vicentão passa uma procuração para Eurico, expressa e clara, para alugar sua casa. Eurico, o representante de Seu Vicentão, se engana e vende o imóvel. Vicentão é obrigado a honrar esse compromisso? Não, pois o compromisso, expresso, só delegava a Eurico, o delegado, poderes para alugar, não para vender. Daí a importância de se elaborar documentos claros de procuração. É bom que percamos um tempo extra para detalhar, ao máximo possível, quais são os poderes dados ao representante. No negócio de compra e venda acima, se a procuração não fosse clara a expressa, no sentido de prever os poderes de Eurico em relação a Seu Vicentão, este estaria obrigado a honrar o compromisso pois o comprador estaria, a princípio, agindo de boa-fé.

Vimos também algumas questões práticas sobre a representação e a dor de cabeça de quem não tem cuidado em relação a quem passar uma procuração, ou mesmo se esquecer que um dia o fez.

Seguindo, também vimos que há a possibilidade de haver a delegação de poderes. Ela, a rigor, é permitida na representação voluntária apenas. Chamamos isso de substabelecimento de procuração.

Isso fica muito patente quando analisamos os contratos de gaveta. São comuns em negócios de financiamento habitacional.
 

Representação em causa própria

É possível a representação em causa própria? Sim. Em que condições? Se houver poderes expressos em procuração. Vimos isso tanto na parte de representação quanto no art. 685 do Código Civil. Apesar de curioso e peculiar, não é ilícito nem impossível juridicamente que tenhamos uma pessoa agindo como representante de uma parte e figurar, ao mesmo tempo, como a parte interessada num negócio realizado pelo seu próprio representado, como um contrato de compra e venda. Como um artista que não tem habilidade para manusear dinheiro e fazer negócios que constitui um representante para vender suas obras. E se o próprio representante se interessar pelas obras? Ele aparecerá, no contrato de compra e venda, como vendedor (assinando em nome de seu representado) e como comprador (assinando em seu próprio nome).

Se houver conflito e o negociante fizer negócio consigo mesmo, o negócio pode ser discutido e sua anulabilidade pode ser buscada e, numa eventualidade de êxito, esse negócio seria desfeito. Agora veja: havendo conflito de interesses entre representante e representado, o negócio será necessariamente anulado? Não. ¹ O que tem que ser olhado? A boa-fé do agente com o qual se está contratando. Art. 119:

        Art. 119. É anulável o negócio concluído pelo representante em conflito de interesses com o representado, se tal fato era ou devia ser do conhecimento de quem com aquele tratou.

        Parágrafo único. É de cento e oitenta dias, a contar da conclusão do negócio ou da cessação da incapacidade, o prazo de decadência para pleitear-se a anulação prevista neste artigo.

O prazo para a anulação dos negócios está no parágrafo único: 180 dias a contar da conclusão do negócio. Depois veremos como se conta esse prazo decadencial, que não pode ser interrompido.

Observação: a procuração vem antes do substabelecimento. Este é uma circunstância acessória.
 

Modalidades de negócios jurídicos, elementos acessórios ou elementos acidentais

Agora vamos à última matéria de nossa primeira prova.

Quando falamos em negócios jurídicos, estávamos falando nos negócios puros e simples. São os que devem respeitar puramente o plano de sua existência e o de sua validade. O que eles requerem mesmo? Vontade livre, espontânea, declarada de boa-fé, agente capaz, objeto e forma (essa última se for o caso). O negócio que é eficaz apenas com esses requisitos é chamado negócio puro e simples. Entretanto, o ser humano é criativo, e não se contenta com pouco. Logo, cedo ou tarde, pode haver um desejo, uma inquietação de vontade das partes de tal forma que elas possam criar circunstâncias diferenciadas. Elas colocam, portanto, uma condição, um termo ou um encargo.

Quando formos advogados, alguém poderá chegar em nosso escritório e dizer: “doutor(a)”, meu pai tem 58 anos, tem um patrimônio de R$ 4 milhões, somos 3 filhas e o que aconteceu foi que ele se apaixonou pela secretária do dentista. A jovem tem apenas 19 anos, posou na Playboy, e agora ele está encantado, quer se casar com ela, e estamos com medo! Ela não concorda com a separação de bens. Ele, por outro lado,  acha que vai ser uma prova de amor casar pela comunhão parcial de bens. Doutor, é possível criar alguns elementos para esse negócio jurídico chamado casamento? Podemos, por exemplo, estipular que se ela o trair, ela não terá direito a nada da meação? Como faremos isso por escrito? Onde fica registrado o pacto antenupcial?”

O pacto antenupcial é um negócio jurídico que existirá se houver vontade nupcial; será um negócio válido do ponto de vista fático, já que ambos são maiores, sem impedimentos de ordem mental, portanto não pode haver incapazes na jogada; o objeto é lícito, possível e determinado. Tem uma forma que é exigida em lei? Sim, ele tem que ser feito em cartório, a portas abertas, com a presença de testemunhas. “É possível, então, que de alguma maneira coloquemos isso?“ – perguntam as apreensivas filhas. Sim. “Mais que isso:” – continuam – “poderíamos, se meu pai assim desejar, colocar uma condição para ela que, quando eles casarem, ela terá de fazer prestação sexual a ele três vezes por semana?” Sim, também é um objeto lícito, possível e determinado. Então, notando a complicada situação da família, o advogado ainda propõe um artifício para a segurança: estabelecer que o pai deverá depositar, ao final de cada ano, R$ 100 mil na conta da esposa desde que ela não o tenha traído naquele ano.

Isso aí vem da criatividade do ser humano? Quantos e quantos casamentos não têm nada e condição e encargo? A condição aqui foi a ocorrência de traição, que é um evento futuro e incerto, e o encargo, que envolve uma obrigação, é de pagar R$ 100 mil anuais.

Algo que gostaríamos de frisar: apesar de acessório e “supérfluo”, que não precisaria estar presente para que o negócio existisse ou fosse válido, uma vez estipulado pelas partes o elemento acidental tem observância obrigatória. Esse pacto antenupcial não vincula o casamento; o casamento não precisa do pacto antenupcial para existir; mas, uma vez expressadas as vontades das partes, elas passam a ser obrigatórias. Portanto, cuidado: por mais que seja uma circunstância acessória, ela será obrigatória. 

Quais são as modalidades de negócio jurídico?

  1. Condição
  2. Termo ou prazo
  3. Encargo.

Vamos ver o encargo na quinta-feira. Concentremo-nos na... 

Condição

Ela é conhecida por nós e pelo próprio senso comum já que usamos muito a partícula "se". Ao usarmos o “se”, concordam que estamos falando de uma possibilidade? E mais logicamente: não é que ela pode ou não acontecer? Se acontecer, quando acontecerá? Num futuro, não no passado ou no presente. Então as características de toda condição é se que trate de um evento futuro e incerto. Algo que pode ou não acontecer. Muitas das vezes, portanto, estamos diante de um negócio jurídico que joga com a sorte. Os eventos podem estar associados à mera possibilidade, à verossimilhança ou probabilidades.

Vejam uma situação verossimilhante ¹: um sujeito é proprietário de um apartamento desocupado em Camboriú – SC. Na época em que estava na moda passar o verão lá, ele poderia alugar seu apartamento por um valor acima da média do mercado. Como atrativo, ele coloca no anúncio: “aluga-se apartamento em Camboriú por temporada de 15 dias; se chover por 12 ou mais dias em que você estiver morando, o preço do aluguel é reduzido em 90%!” Notem que estamos falando em evento futuro e incerto, que é a chuva. A chuva é uma desagradável possibilidade para quem faz esse investimento. Então, nesse negócio, a chuva seria a condição: “se chover por 12 ou mais dias enquanto o locatário estiver morando no apartamento, o aluguel será reduzido em 90%."

O inquilino e o proprietário acertaram que o valor do arrendamento seria de R$ 4.000,00. Entretanto, se a condição se verificar, ele cairá para apenas R$ 400,00; em outras palavras, dizemos que a obrigação, que era de pagar 4 mil reais, foi reduzida para o valor de 400 reais. Essa condição é suspensiva ou resolutiva? Para saber, veja sempre: o direito já foi adquirido? "Pera lá, de que direito você está falando?" Na perspectiva do inquilino, ele deve aguardar para ver se de fato choverá no período em que ele estiver ocupando o apartamento; nesse caso, ele adquirirá o direito de pagar menos, ou então dizemos que ele conquistará o direito ao desconto. Como o direito não foi conquistado ainda, temos uma condição que suspende o direito, portanto, suspensiva.

Outro exemplo: um homem esperançoso chega para uma linda mulher e diz: “vou te pagar uma grana, por dia, até você se você casar. Cem reais, tá?” Portanto, ele não quer que ela se case e está maquinando algo para influenciar a vontade da moça. Pode o sujeito fazer isso? No dia em que ela casar, o direito que ela tinha de diariamente receber R$ 100,00 se extingue. É, portanto, uma condição extintiva ou resolutiva, que vem de resolver, acabar. Quando ocorre, ela cessa um direito.

Causas de invalidade do negócio jurídico

        Art. 123. Invalidam os negócios jurídicos que lhes são subordinados:

        I - as condições física ou juridicamente impossíveis, quando suspensivas;

        II - as condições ilícitas, ou de fazer coisa ilícita;

        III - as condições incompreensíveis ou contraditórias.

O objeto lícito não é somente aquele que está conforme a lei, mas também não atente contra a moral e os bons costumes. Não se pode, portanto, propor a alguém: "vou lhe dar R$ 5,96 por dia para se manter fora da escola, porque quero que você não estude nunca." É um objeto possível, determinado, celebrado entre capazes a não ser que haja um menor envolvido, e não tem forma exigida por lei. Esse negócio, entretanto, esbarra no critério da licitude por ser imoral.

A condição não pode ser contraditória, impossível ou incompreensível. Pode-se propor a um homem que gere um filho em troco de um dinheiro, mas não se pode exigir, por exemplo: "se o filho for gerado em seu ventre, você ganha um adicional de R$ 3,24." Ora, homem não pode ficar gestante. É uma condição impossível e, se não fosse, seria ainda contraditória: isso é jogar com elementos que atentam contra a lógica e a racionalidade.

As condições, portanto, são elementos acidentais que vinculam o nascimento ou extinção de direitos.

O professor gosta de cobrar condição em problemas. É bom que treinemos bem a identificação de condições, diferenciar de termos e encargos, e identificar os dois tipos de condição em situações concretas.

Condição suspensiva, portanto, é aquela que suspende a aquisição do direito até a ocorrência do evento previsto, que pode ou não acontecer. Como o acordo para Sitonho tomar dinheiro emprestado do Tenente para apostar na corrida de cavalos. Até ocorrer o sorteio, o dono do dinheiro, que cedeu a quantia, não tem o direito de receber. Está no art.125.

        Art. 125. Subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva, enquanto esta se não verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa.

E há também a condição resolutiva, por outro lado, que está no art.127:

        Art. 127. Se for resolutiva a condição, enquanto esta se não realizar, vigorará o negócio jurídico, podendo exercer-se desde a conclusão deste o direito por ele estabelecido.

Veja que estamos usando o mesmo prisma do objeto negocial. A mesma regra vale para a condição: deve ser lícita, possível, determinada ou determinável. Também, não poderá ser puramente potestativa nem incompreensível ou contraditória. Potestativa: potestas quer dizer "poder", em latim. Essa potestividade, ou capacidade potestativa, é de concentrarmos em nossas mãos toda a decisão em torno do negócio. Então voltamos à regra proibida evidente no exemplo: "lhe darei R$ 490,00 para pintar esta parede, e te darei um adicional de R$ 128,63 se eu quiser." Quando impomos uma condição do tipo “se eu quiser” ou “quando eu quiser”, removemos a característica de futuro incerto. Não são, portanto, admitidas condições com essa característica, as chamadas cláusulas "puramente potestativas". Cuidado também com as simplesmente ou meramente potestativas, que são admitidas. "Bicho" de futebol: salário extra, ou compensação dada aos jogadores para fazer o que já devem: gols. "Se tu marcares três ou mais gols na partida contra o Brasiliense, ganharás R$ 300.000,00." A puramente potestativa, que é a proibida, é quando se coloca nas mãos de apenas uma das partes o poder de decisão. Art.122:

        Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes.

Aprendemos que a lei não retroage “salvo para beneficiar o réu”. Cuidado com essa afirmativa. Primeiramente, ficamos acostumados com a idéia de que lei alguma retroagirá salvo neste caso, mas esquecemos da palavra “penal” escrita no inciso XL do art. 5º da Constituição:

        XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;

Então temos, aqui, mais uma hipótese em que a lei retroage. Note que nada aqui é da esfera penal. É possível a lei retroagir quando for para a ratificação de contrato celebrado por relativamente incapaz. Exemplo: um jovem assinou um contrato quando ainda tinha 17 anos, portanto quando era relativamente incapaz, e, ao completar 18 anos, para dar validade ao negócio, ele ratifica o instrumento, convalidando-o. Até então, o negócio era anulável. Ao se ratificar com assinatura após os 18 anos, os eventuais efeitos gerados pelo negócio até tal momento, que tenham sido objeto de questionamento judicial por algum interessado, são convalidados retroativamente à data da assinatura do contrato quando o sujeito tinha 17 anos.

Já que a condição trata de um evento incerto, o Código tomou o cuidado com a seguinte situação: e se esse evento incerto, como a sorte ou a Natureza contar com uma “ajudinha” da parte interessada? Vejamos: Padre João importa medicamentos da Holanda usando um navio. Se a embarcação chegar mais cedo do que o pactuado, ficou acertado com o comprador que este lhe pagará mais. Depois que o navio já está em viagem, o comprador percebe que Pe. João está indo bem, com tripulação trabalhando em três turnos, e também dando sorte de pegar boas condições climáticas pela rota. Severino, o sujeito com quem João fez negócio, resolve sabotar o navio. Numa situação como essa, em que o agente influencia a ocorrência, o Código prevê:

        Art. 129. Reputa-se verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condição cujo implemento for maliciosamente obstado pela parte a quem desfavorecer, considerando-se, ao contrário, não verificada a condição maliciosamente levada a efeito por aquele a quem aproveita o seu implemento.

Logo, a negociação surtirá efeito apesar da sabotagem, desde que Padre João prove que a interceptação de piratas foi obra de Severino. Observando a parte final do artigo, também pode-se considerar não-ocorrida caso o velho que se casara com a jovem resolva sabotar o pacto de R$ 100.000,00 anuais contratando alguém para dar em cima dela, tentando-a à traição.

Art.130 e atos de conservação

        Art. 130. Ao titular do direito eventual, nos casos de condição suspensiva ou resolutiva, é permitido praticar os atos destinados a conservá-lo.

Apesar de se tratar de direito pendente de condição (direito eventual), o Código Civil resguarda a possibilidade do interessado agir antes de adquirir o direito.

Se alguém notar que estão ocorrendo coisas que podem pôr em risco o direito futuro, o Código autoriza que aquele titular de direito eventual possa tomar determinadas atitudes. Claro que ele não pode vender o que não é seu, mas pode contar com um direito eventual.

Portanto, somente para conservá-lo, mantê-lo afastado de quaisquer riscos. Direito eventual = expectativa de direito.


  1. Esta é mais uma candidata a questão de prova.