Direito Constitucional

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Organização do Estado



 

Tópicos:

  1. Introdução
  2. Surgimento da Federação Norte-Americana
  3. Características básicas da federação
  4. Autonomia dos entes federativos
  5. Existência de uma Constituição Federal
  6. Técnicas para a repartição de competências
  7. Participação dos entes federativos na formação da vontade nacional
  8. Papel do tribunal da Federação
  9. Inexistência do direito de secessão

Introdução

Quando começamos a estudar esta disciplina no início do semestre, vimos que o poder do Estado se distribui de maneira funcional e territorial. Terminamos a forma funcional, que é a separação dos poderes. Vamos agora começar a estudar a repartição territorial do poder. Ou seja, no território de um Estado, como que o poder é exercido, distribuído? Sobre essa matéria, no início do semestre a professora falou de um livro que deveríamos ler, de leitura sugerida: Competências na Constituição de 1988, de Fernanda Dias Menezes de Almeida.

A divisão territorial do poder será opção constitucional feita por cada Estado. Independentemente de um Estado adotar uma ou outra formação, normalmente ele adota separação dos poderes. Mas a divisão territorial pode variar. Existem Estados que, conforme sua história, geografia e condições políticas, adotarão uma ou outra forma. Basicamente existem duas: federação e Estado unitário. Se temos um Estado unitário, como o poder se distribui nesse território? Centralizadamente, e existirá uma esfera de poder central. Significa que as regiões não terão autonomia política, somente administrativa. Sem autonomia política, as regiões não farão eleições com a população local para a escolha independente dos governos daquela região. Quem fará a escolha será o próprio poder central, como o Presidente da República, Monarca, Primeiro-Ministro, Parlamento... Então a entidade central é a controladora das regiões administrativas. Assemelha-se à organização do DF. Cuidado, porque em alguns casos as regiões podem ter até mais autonomia do que o Estado federal. Têm nome de províncias, regiões autônomas, etc. Em geral, usa-se o nome “estado” para a região autônoma de uma federação.

Na federação, o poder é descentralizado. Mas o que é que determina a escolha de uma forma de Estado ou de outra? História, condições políticas, condições geográficas são exemplos de fatores. Tudo isso em regra, mas toda regra terá suas exceções. Mas podemos ver em geral que existem Estados unitários quando o país é geograficamente pequeno. É que é possível ter um poder central e esse poder conseguir alcançar todas as regiões do país. Quando é grande, o poder central não consegue atingir tudo, então ele opta por descentralizar o poder. Esse é o Estado Federal. Nada impede, é claro, que Estados pequenos também sejam federativos. E aí, tendo essa noção da diferença entre Estado unitário e Estado Federal, quando é que surgiu o primeiro Estado Federal do mundo? Vamos à história.
 

Surgimento da Federação Norte-Americana

Em 1787 surge a Federação Americana. Mas a palavra Federação significa o que? Vínculo; vem do latim foedus, que significa “aliança”. Entre o quê? Entre os entes da federação. Daí podemos ver que, claramente, a primeira federação, a primeira aliança que formou um Estado Federal do jeito que conhecemos hoje foram os Estados Unidos da América. Mas existiam alianças, que, portanto eram chamadas federações desde a antiguidade. Mas essas se assemelhavam muito mais àquilo que chamamos hoje confederação do que federação. E, na confederação, qual é a característica? Soberania de cada um dos integrantes. Se são, são independentes, e podem dela sair a qualquer momento. O documento jurídico da confederação é um tratado internacional. Já o documento jurídico de uma federação, na qual os membros não têm mais soberania, mas autonomia, será uma Constituição. Essa Constituição será do ente federal que, esse sim, será o soberano.

Então, como surgiu a Federação Norte-Americana? As 13 colônias se tornaram independentes e formaram uma confederação. Mas se identificou que essa união era frágil e que eles precisariam se unir de forma mais consistente para fazer face ao inimigo comum – a Inglaterra – sem jogar fora a independência. Esse vínculo foi mais forte. E aí assinaram a Constituição de 1787. Essa federação é chamada federação por agregação, ou centrípeta, de fora para dentro. Os entes abriram mão de sua soberania e se agregam numa União. E a nossa federação? É do tipo centrifuga, formada em 1891 de dentro para fora, descentralizando o Estado unitário que a Constituição de 1824 previa. Na verdade a Proclamação da República em 1889 foi um movimento que tinha muito mais força no federalismo do que no republicanismo.

Os entes federativos americanos, assim, passaram a ter autonomia.

Essa foi a notícia histórica da formação da federação. Agora notem que eram 13 Estados soberanos. Imagine abrir mão da soberania para entrar numa federação? É simples? Significa que os Estados, antes, tinham Executivo, Legislativo e Judiciário soberanos. Ter um Legislativo soberano é legislar sobre o que quiser e bem-entender. Ao abrir mão disso, parte desse poder será dada a um ente central. Neste caso, o novo ente criado o mais frágil possível, tirando apenas o necessário dos ex-Estados soberanos para criar essa União. Por isso há uma diferença grande entre a autonomia entre os entes federativos dos EUA e os daqui. Olhe sobre o que os Estados podem legislar lá; os Estados têm seus próprios Códigos Civis, por exemplo. Para isso, eles usam determinada técnica de repartição de competências entre a União e os entes da federação. Veremos em breve que técnicas são essas.
 

Características básicas da federação

É claro que há outras características, e também que elas podem variar de Estado para Estado. Mas basicamente toda federação terá pelo menos essas três:

  1. Autonomia dos entes federativos;
  2. Existência de uma Constituição Federal;
  3. Repartição de competências prevista constitucionalmente.

 
Autonomia dos entes federativos

As entidades que fazem parte de uma federação detêm autonomia. Autonomia é diferente de soberania. Vamos buscar os conceitos de Paulo Gustavo G. Branco: “soberania é entendida como o poder de autodeterminação plena, não condicionado a nenhum outro poder, externo ou interno, enquanto a autonomia significa capacidade de autodeterminação dentro do círculo de competências traçado pelo poder soberano.” A autonomia aqui referido também é diferente de autonomia administrativa das entidades parciais em um Estado unitário. Então se nem é tanto quanto numa soberania e nem tão pouco quanto na autonomia administrativa, o que é? Autonomia política e administrativa! Em que consiste a autonomia política, afinal? No poder de (vamos deixar bem claro):

  1. Auto-organizar;
  2. Autogovernar;
  3. Autolegislar.
...cumulativamente. Autolegislação, autogoverno e auto-organização. O que é cada um desses aspectos da autonomia política? Primeiro: os entes federativos podem se auto-organizar por meio de suas próprias Constituições. Então eles elaboram Constituições parciais, Constituições correspondentes ao ente federativo, que vigorarão no território daquele ente, e somente naquele território. O exercício desse poder é o exercício do Poder Constituinte Originário? Não; só há um Poder Constituinte Originário dotal, que autoriza os estados-membros a se organizar. Essa organização dos estados-membros é, na verdade, decorrente desse Poder originário. Então eles elaboram suas próprias Constituições, observados os princípios da Constituição Federal. Isso porque quem escolheu a forma federal foi o constituinte originário. Eles disseram: “vamos ser uma federação.” Daí em diante eles dizem: “estados-membros, vocês podem se organizar por meio de suas próprias Constituições.”

Segundo aspecto da autonomia: autogoverno. Os estados se gerirão internamente sem intervenção do ente central. Quem fará essa gestão? Quem administrará os negócios (no sentido amplo do termo negócios), as questões no âmbito do estado-membro? O governador. Esse nome pode variar de Estado para Estado, no Brasil se chama governador. Por quem é posto no poder? Pelo povo, não pelo “governador central”, que, no nosso sistema, é o Presidente da República. É a própria população daquele ente federativo. Esse governo é um governo autônomo, que tomará decisões por direito próprio, sem interferência do poder central.

Terceiro e último aspecto básico da autonomia política: autolegislação. Ou seja, existência da possibilidade dos entes federativos adotarem um ordenamento jurídico próprio, um conjunto de leis que vigorarão somente em seu território. E essas leis, claramente, normalmente serão sobre assuntos que interessam àquela região. E aí vemos mais um critério para a utilização da técnica de repartição de competências. Quem legislará sobre o que? Se existe a possibilidade de adotar um ordenamento jurídico próprio, alguém terá que elaborar esse conjunto de normas que formará esse ordenamento jurídico estadual. Quem será? Uma assembléia de legisladores. E quem os escolhe? O povo desse estado, sem interferência de nenhum outro ente federativo. Isso é autonomia.
 

Existência de uma Constituição Federal

Se os entes são autônomos, é preciso que haja uma unidade para que se tenha a forma federativa. Por isso são uma União. As regras deverão estar previstas num documento escrito, aceito por todos os estados federados, documento esse que cria essa federação. Essa é a Constituição Federal, que traz todas as regras da instituição da federação. É ela que traz harmonia entre os entes parciais e também as normas. Deve-se dizer “quem cuidará do quê”. Para isso, o documento constitucional traz as distribuições de competências. Isso se chama repartição das competências, que têm que vir na Constituição Federal. Temos que ter uma visão disso: quem cria a Constituição Federal? O Poder Constituinte Originário. Ele cria a Constituição Federal e fez a opção pelo Estado federal. Nisso, foi ele que criou os estados federados e a própria União. Temos, muitas vezes, uma noção de supremacia da União em relação aos estados. Mas foi o mesmo Poder que criou as duas entidades. Então, não há poder maior, pois o próprio constituinte originário determinou que a União legisla sobre determinados assuntos, enquanto estados sobre outros. Assim sendo, se um estado legisla sobre matéria de competência da União, a ofensa não é na direção da União, mas da própria Constituição. Não há presunção de prevalência de normas da União ante a normas dos estados. Assim, todas as competências desempenhadas por um ente são feitas por direito próprio. Nisso, confirma-se a observação que vimos no art. 102, inciso III, d:

        Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

        [...]

        III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

        [...]

        d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

        [...]

Como estudamos, há as competências originária, recursal ordinária e recursal extraordinária. Já vimos que a recursal extraordinária, para ser mobilizada, precisa de que se tenha uma questão constitucional em debate. Aí vimos as questões constitucionais que se podem levar ao Supremo Tribunal Federal. São quatro: quando uma decisão de tribunal contrariar dispositivo da Constituição, quando declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, quando julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição, ou então a hipótese da alínea d, transcrita acima. Dessas, são três as questões que envolvem constitucionalidade expressamente prevista. Agora vejam a quarta: o tribunal julgou válida uma lei local que é contestada em face da Lei 9530 da União. Se existe uma controvérsia de competência legislativa, essa controvérsia só pode ser constitucional. Isso porque é a Constituição que faz a repartição de competências legislativas, então a invasão de competências é uma ofensa à Constituição.
 

Técnicas para a repartição de competências

Saber quem tem competência para legislar sobre tais assuntos remete às técnicas de repartição de competências, conforme surgiram historicamente nas federações. Como assim técnicas? Conforme objetivos que se quer atingir, ou em razão da forma como a federação surgiu. Quando surgiu a federação norte-americana, ela surgiu pela agregação de entes soberanos. Então, é normal que, nesse processo de agregação para a formação de uma União, eles queiram abrir mão do mínimo possível do poder que têm. Como fazer isso? Um conjunto de competências que está taxativamente escrito na Constituição, ou algo remanescente, que é aquilo que se subentende? A Constituição americana adotou a técnica da enumeração dos poderes da União e deixou competências remanescentes para os estados. Na dúvida, é do estado a competência; se escrito, é da União. Isso no caso americano. Por que isso? Porque os estados, que queriam manter o máximo de poder, não gostariam de ter suas competências, que se traduzem em poder, taxadas, enumeradas, pois isso significaria limitação. A enumeração (taxação) Isso ficou para a União, ou seja, limitou-se mais o poder da União ante os estados.

Essa técnica, adotada no Brasil, acabou assim: enumeramos tão amplamente que é agora preciso que se tenha uma criatividade fortíssima para encontrar algo que seja competência remanescente, não especificada.
 

Participação dos entes federativos na formação da vontade nacional

Vamos decompor essa característica para que entendamos. O que é vontade nacional? Qual um instrumento que pode representá-la? A lei. Seu representante eleito por vocês as elabora. O ordenamento jurídico é formado por leis, que criarão regras representando a vontade da população. Por exemplo: maioridade aos 18 anos é vontade nacional, ainda que haja muitos querendo reduzi-la para 16 ¹. Então, na formação dessa lei, deve haver a participação dos entes federativos. Mas eles já não participam por meio da representação dos estados, proporcional à população deles? Mas, numa federação, todos os estados-membros são iguais. Então, se se tem apenas a representação proporcional à população dos estados, o que aconteceria? Hiper-representação dos mais populosos e sub-representação dos menos. Nisso, criou-se o Senado: a representação dos estados se dá de maneira igual, com três senadores por Estado. Essa razão de ser tem a ver com a formação histórica nos EUA: a idéia de participar de uma União em pé de igualdade. Lá já haviam visualizado isso. Por isso, criaram o Senado. Lá tem dois senadores por estado, aqui três. Os debates são muito mais de assuntos intra-federativos do que propriamente de anseios populacionais.
 

Papel do tribunal da Federação

Competência do Supremo Tribunal Federal no art. 102, inciso I, alínea f, que já discutimos antes.

        Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

        I - processar e julgar, originariamente:

        [...]

        f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta;

        [...]

 

Inexistência do direito de secessão

Se perdem a soberania, não pode mais haver, obviamente, para os estados o direito de secessão. Secessão é a possibilidade de se retirar da federação. Não pode um estado declarar sua própria soberania. A secessão existe em confederações, não em federações. 


  1. Em 16/06/09 às 20:56, estava no ar a enquete nesta página relacionada ao Senado: http://www.senado.gov.br/agencia/default.aspx?mob=0