A divisão territorial do poder será opção constitucional feita por cada Estado. Independentemente de um Estado adotar uma ou outra formação, normalmente ele adota separação dos poderes. Mas a divisão territorial pode variar. Existem Estados que, conforme sua história, geografia e condições políticas, adotarão uma ou outra forma. Basicamente existem duas: federação e Estado unitário. Se temos um Estado unitário, como o poder se distribui nesse território? Centralizadamente, e existirá uma esfera de poder central. Significa que as regiões não terão autonomia política, somente administrativa. Sem autonomia política, as regiões não farão eleições com a população local para a escolha independente dos governos daquela região. Quem fará a escolha será o próprio poder central, como o Presidente da República, Monarca, Primeiro-Ministro, Parlamento... Então a entidade central é a controladora das regiões administrativas. Assemelha-se à organização do DF. Cuidado, porque em alguns casos as regiões podem ter até mais autonomia do que o Estado federal. Têm nome de províncias, regiões autônomas, etc. Em geral, usa-se o nome “estado” para a região autônoma de uma federação.
Na
federação, o poder é
descentralizado. Mas o que é que determina a escolha de uma forma de
Estado ou
de outra? História, condições políticas, condições geográficas são
exemplos de
fatores. Tudo isso em regra, mas toda regra terá suas exceções. Mas
podemos ver
em geral que existem Estados unitários quando o país é geograficamente
pequeno.
É que é possível ter um poder central e esse poder conseguir alcançar
todas as
regiões do país. Quando é grande, o poder central não consegue atingir
tudo,
então ele opta por descentralizar o poder. Esse é o Estado Federal.
Nada impede,
é claro, que Estados pequenos também sejam federativos. E aí, tendo
essa noção
da diferença entre Estado unitário e Estado Federal, quando é que
surgiu o
primeiro Estado Federal do mundo? Vamos à história.
Surgimento
da Federação Norte-Americana
Em 1787 surge a Federação Americana. Mas a palavra Federação significa o que? Vínculo; vem do latim foedus, que significa “aliança”. Entre o quê? Entre os entes da federação. Daí podemos ver que, claramente, a primeira federação, a primeira aliança que formou um Estado Federal do jeito que conhecemos hoje foram os Estados Unidos da América. Mas existiam alianças, que, portanto eram chamadas federações desde a antiguidade. Mas essas se assemelhavam muito mais àquilo que chamamos hoje confederação do que federação. E, na confederação, qual é a característica? Soberania de cada um dos integrantes. Se são, são independentes, e podem dela sair a qualquer momento. O documento jurídico da confederação é um tratado internacional. Já o documento jurídico de uma federação, na qual os membros não têm mais soberania, mas autonomia, será uma Constituição. Essa Constituição será do ente federal que, esse sim, será o soberano.
Então, como surgiu a Federação Norte-Americana? As 13 colônias se tornaram independentes e formaram uma confederação. Mas se identificou que essa união era frágil e que eles precisariam se unir de forma mais consistente para fazer face ao inimigo comum – a Inglaterra – sem jogar fora a independência. Esse vínculo foi mais forte. E aí assinaram a Constituição de 1787. Essa federação é chamada federação por agregação, ou centrípeta, de fora para dentro. Os entes abriram mão de sua soberania e se agregam numa União. E a nossa federação? É do tipo centrifuga, formada em 1891 de dentro para fora, descentralizando o Estado unitário que a Constituição de 1824 previa. Na verdade a Proclamação da República em 1889 foi um movimento que tinha muito mais força no federalismo do que no republicanismo.
Os entes federativos americanos, assim, passaram a ter autonomia.
Essa
foi a notícia histórica da
formação da federação. Agora notem que eram 13 Estados soberanos.
Imagine abrir
mão da soberania para entrar numa federação? É simples? Significa que
os
Estados, antes, tinham Executivo, Legislativo e Judiciário soberanos.
Ter um Legislativo
soberano é legislar sobre o que quiser e bem-entender. Ao abrir mão
disso,
parte desse poder será dada a um ente central. Neste caso, o novo ente
criado o
mais frágil possível, tirando apenas o necessário dos ex-Estados
soberanos para
criar essa União. Por isso há uma diferença grande entre a autonomia
entre os
entes federativos dos EUA e os daqui. Olhe sobre o que os Estados podem
legislar lá; os Estados têm seus próprios Códigos Civis, por exemplo.
Para isso,
eles usam determinada técnica de repartição de competências entre a
União e os
entes da federação. Veremos em breve que técnicas são essas.
Características
básicas da federação
É claro que há outras características, e também que elas podem variar de Estado para Estado. Mas basicamente toda federação terá pelo menos essas três:
Autonomia
dos entes federativos
As entidades que fazem parte de uma federação detêm autonomia. Autonomia é diferente de soberania. Vamos buscar os conceitos de Paulo Gustavo G. Branco: “soberania é entendida como o poder de autodeterminação plena, não condicionado a nenhum outro poder, externo ou interno, enquanto a autonomia significa capacidade de autodeterminação dentro do círculo de competências traçado pelo poder soberano.” A autonomia aqui referido também é diferente de autonomia administrativa das entidades parciais em um Estado unitário. Então se nem é tanto quanto numa soberania e nem tão pouco quanto na autonomia administrativa, o que é? Autonomia política e administrativa! Em que consiste a autonomia política, afinal? No poder de (vamos deixar bem claro):
Segundo aspecto da autonomia: autogoverno. Os estados se gerirão internamente sem intervenção do ente central. Quem fará essa gestão? Quem administrará os negócios (no sentido amplo do termo negócios), as questões no âmbito do estado-membro? O governador. Esse nome pode variar de Estado para Estado, no Brasil se chama governador. Por quem é posto no poder? Pelo povo, não pelo “governador central”, que, no nosso sistema, é o Presidente da República. É a própria população daquele ente federativo. Esse governo é um governo autônomo, que tomará decisões por direito próprio, sem interferência do poder central.
Terceiro
e último aspecto básico
da autonomia política: autolegislação. Ou seja, existência da
possibilidade dos
entes federativos adotarem um ordenamento jurídico próprio, um conjunto
de leis
que vigorarão somente em seu território. E essas leis, claramente,
normalmente
serão sobre assuntos que interessam àquela região. E aí vemos mais um
critério
para a utilização da técnica de repartição de competências. Quem
legislará
sobre o que? Se existe a possibilidade de adotar um ordenamento
jurídico
próprio, alguém terá que elaborar esse conjunto de normas que formará
esse
ordenamento jurídico estadual. Quem será? Uma assembléia
de legisladores. E quem os escolhe? O povo desse estado,
sem interferência de nenhum outro ente federativo. Isso é autonomia.
Existência
de uma Constituição Federal
Se os entes são autônomos, é preciso que haja uma unidade para que se tenha a forma federativa. Por isso são uma União. As regras deverão estar previstas num documento escrito, aceito por todos os estados federados, documento esse que cria essa federação. Essa é a Constituição Federal, que traz todas as regras da instituição da federação. É ela que traz harmonia entre os entes parciais e também as normas. Deve-se dizer “quem cuidará do quê”. Para isso, o documento constitucional traz as distribuições de competências. Isso se chama repartição das competências, que têm que vir na Constituição Federal. Temos que ter uma visão disso: quem cria a Constituição Federal? O Poder Constituinte Originário. Ele cria a Constituição Federal e fez a opção pelo Estado federal. Nisso, foi ele que criou os estados federados e a própria União. Temos, muitas vezes, uma noção de supremacia da União em relação aos estados. Mas foi o mesmo Poder que criou as duas entidades. Então, não há poder maior, pois o próprio constituinte originário determinou que a União legisla sobre determinados assuntos, enquanto estados sobre outros. Assim sendo, se um estado legisla sobre matéria de competência da União, a ofensa não é na direção da União, mas da própria Constituição. Não há presunção de prevalência de normas da União ante a normas dos estados. Assim, todas as competências desempenhadas por um ente são feitas por direito próprio. Nisso, confirma-se a observação que vimos no art. 102, inciso III, d:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal,
precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: [...] III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: [...] d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal. [...] |
Como
estudamos, há as
competências originária, recursal ordinária e recursal extraordinária.
Já vimos
que a recursal extraordinária, para ser mobilizada, precisa de que se
tenha uma
questão constitucional em debate. Aí vimos as questões constitucionais
que se
podem levar ao Supremo Tribunal Federal. São quatro: quando uma decisão
de
tribunal contrariar dispositivo da Constituição, quando declarar a
inconstitucionalidade
de tratado ou lei federal, quando julgar válida lei ou ato de governo
local
contestado em face da Constituição, ou então a hipótese da alínea d,
transcrita
acima. Dessas, são três as questões que envolvem constitucionalidade
expressamente prevista. Agora vejam a quarta: o tribunal julgou válida
uma lei
local que é contestada em face da Lei 9530 da União. Se existe uma
controvérsia
de competência legislativa, essa controvérsia só pode ser
constitucional. Isso porque
é a Constituição que faz a repartição de competências legislativas,
então a
invasão de competências é uma ofensa à Constituição.
Técnicas
para a repartição de competências
Saber quem tem competência para legislar sobre tais assuntos remete às técnicas de repartição de competências, conforme surgiram historicamente nas federações. Como assim técnicas? Conforme objetivos que se quer atingir, ou em razão da forma como a federação surgiu. Quando surgiu a federação norte-americana, ela surgiu pela agregação de entes soberanos. Então, é normal que, nesse processo de agregação para a formação de uma União, eles queiram abrir mão do mínimo possível do poder que têm. Como fazer isso? Um conjunto de competências que está taxativamente escrito na Constituição, ou algo remanescente, que é aquilo que se subentende? A Constituição americana adotou a técnica da enumeração dos poderes da União e deixou competências remanescentes para os estados. Na dúvida, é do estado a competência; se escrito, é da União. Isso no caso americano. Por que isso? Porque os estados, que queriam manter o máximo de poder, não gostariam de ter suas competências, que se traduzem em poder, taxadas, enumeradas, pois isso significaria limitação. A enumeração (taxação) Isso ficou para a União, ou seja, limitou-se mais o poder da União ante os estados.
Essa
técnica, adotada no Brasil,
acabou assim: enumeramos tão amplamente que é agora preciso que se
tenha uma
criatividade fortíssima para encontrar algo que seja competência
remanescente,
não especificada.
Participação
dos entes federativos na formação da
vontade nacional
Vamos
decompor essa
característica para que entendamos. O que é vontade nacional? Qual um
instrumento que pode representá-la? A lei. Seu representante eleito por
vocês
as elabora. O ordenamento jurídico é formado por leis, que criarão
regras
representando a vontade da população. Por exemplo: maioridade aos 18
anos é
vontade nacional, ainda que haja muitos querendo reduzi-la para 16 ¹.
Então, na
formação dessa lei, deve haver a participação dos entes federativos.
Mas eles
já não participam por meio da representação dos estados, proporcional à
população deles? Mas, numa federação, todos os estados-membros são
iguais. Então,
se se tem apenas a representação proporcional à população dos estados,
o que
aconteceria? Hiper-representação dos mais populosos e sub-representação
dos
menos. Nisso, criou-se o Senado: a representação dos estados se dá de
maneira
igual, com três senadores por Estado. Essa razão de ser tem a ver com a
formação histórica nos EUA: a idéia de participar de uma União em pé de
igualdade. Lá já haviam visualizado isso. Por isso, criaram o Senado.
Lá tem dois
senadores por estado, aqui três. Os debates são muito mais de assuntos
intra-federativos do que propriamente de anseios populacionais.
Papel
do tribunal da Federação
Competência do Supremo Tribunal Federal no art. 102, inciso I, alínea f, que já discutimos antes.
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: [...] f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta; [...] |
Inexistência
do direito de secessão
Se
perdem a soberania, não pode
mais haver, obviamente, para os estados o direito de secessão. Secessão
é a
possibilidade de se retirar da federação. Não pode um estado declarar
sua
própria soberania. A secessão existe em confederações, não em
federações.