Direito Constitucional

quinta-feira, 12 de março de 2009

CPIs e Comissões representativas do Congresso Nacional



Estávamos estudando as CPIs. Elas desempenham principalmente a função de legislar do Congresso Nacional. Para fazê-lo com qualidade, deve-se ter o pleno conhecimento da situação e do fato determinante da CPI. O Poder Legislativo brasileiro legisla sobre o quê? Sobre tudo, oras. Não é o Poder Legislativo? Mas veja bem: o Poder Legislativo da União legisla sobre temas de interesse da União, enquanto os Poderes Legislativos dos estados legislam sobre matérias de interesse dos estados, e o mesmo para os municípios.

Mas não é disso que estamos falando. Quais são os assuntos? Direito Penal? Orçamento? Possibilidade de prestação de serviço público? Tudo iso, desde que seja de interesse da União. Para legislar de maneira adequada, o Congresso Nacional precisa ter conhecimento da situação sobre a qual vai legislar. Para legislar sobre transportes públicos, ele tem que ter conhecimento sobre o sistema de transportes públicos. Aliado ao poder de legislar, ele também tem o poder fiscalizar, investigar, descobrir a verdade. Para isso, ele se valerá das Comissões Parlamentares de Inquérito - CPIs.

A CPI está no § 3º do art. 58 da Constituição. Nesse parágrafo há algumas dicas sobre os poderes e limites da CPI.

Seção VII
DAS COMISSÕES

        Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação.

[...]

        § 3º - As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.

Para que ela seja criada, o que é necessário? Primeiramente, um requerimento que exponha um fato determinado. O prazo tem que ser determinado. Por fim, esse requerimento tem que ser assinado por um terço da Casa correspondente, ou de ambas, se for uma CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, com integrantes do Senado e da Câmara).

Essa exigência de 1/3 significa uma proteção ao direito da minoria parlamentar, isso porque muitas vezes a CPI investiga questões relacionadas ao governo. O governo, até por governabilidade, em geral possui a maioria das cadeiras, então assim seria muito difícil instalar uma CPI para investigar crimes associados ao governo.

Que poderes a CPI tem, inclusive com a imprecisão que apontamos no texto constitucional? Elas têm poder de investigação, tanto quanto a polícia. Mas a Constituição diz que a CPI tem poderes não iguais aos da polícia, mas igual dos juízes. Não é porque o juiz não tem poder de investigar que a CPI não o terá. O poder de juiz que a CPI tem são os poderes de instrução, para a produção de provas, como determinar a quebra de sigilo bancário, telefônico, com poder coercitivo; determinar a oitiva de testemunhas. Se for convocada, a testemunha não pode se negar a comparecer. Se não comparecer, ela estará cometendo crime de desobediência nos termos do art. 330 do Código Penal. Quando um juiz convoca uma testemunha que se recusa a comparecer, ele mandará a polícia buscá-la “debaixo de vara”. Se é obrigatório o comparecimento, perante a CPI também será.

Mas, se a CPI perguntar essa ou aquela questão a respeito de informações que a testemunha tem, ela poderá se achar na situação não mais de testemunha, mas de investigada. O Estado, se tiver que determinar a prisão ou condenação de alguém, ele deverá fazer prova daquela culpa, e a pessoa não tem que ajudar o Estado. Se o Estado não conseguir, há o in dubio pro reo. O Estado que descubra o que ela fez. Mas, ao ficar calada, suponhamos que a CPI imagine que ela está omitindo algo sobre o que deveria falar. E agora? A única pessoa que saberá se está se incriminando ou não é a própria pessoa. Por isso a CPI muitas vezes fica de mãos amarradas. Como Duda Medonça que ficou calado com as mais leves perguntas. Se houver omissão nesse caso, portanto, também será um crime de falso testemunho. Só quem pode prender fora em flagrante delito é o juiz. Em flagrante, todos podem.

Resumindo, os poderes da CPI são de instrução, probatórios.

E se o investigado estiver em risco de fuga do país? Ou então se ele tivesse supostamente roubado vários bens públicos, que estão sendo passados à frente aos poucos e, ao final da investigação, o dinheiro que deveria retornar ao erário público terá desaparecido completamente? Pode a CPI determinar o bloqueio de bens do sujeito? Não, pois essa não é uma medida que produziria provas; essa é uma medida do tipo cautelar. Se for o caso, a CPI deve pedir ao Ministério Público para que então peça ao juiz. Somente o juiz tem o poder cautelar.

Quais são os poderes que as CPIs têm? Aqueles que poderão produzir provas. Essa é a regra, basta sabermos isso e, com um pouco de raciocínio, teremos condições de responder qualquer questão sobre isso. Se o ato visar à produção de provas, a CPI está autorizada a praticá-lo. E determinar a instalação de escuta telefônica, pode a CPI fazer isso? Uma coisa é a quebra dos dados telefônicos, outra é plantar escuta telefônica. Qual a diferença? A primeira se trata apenas de uma busca para saber quem ligou para quem, quando, durante quantos minutos, etc.; é um mero extrato telefônico. A outra serve para ouvir o conteúdo da conversa, o famoso grampo. Mas por que a CPI não pode plantar grampos telefônicos? Vejamos: todos os atos de investigação terminam por invadir a privacidade dos investigados. Por isso, deve haver limites nesses atos. Tem a ver com o princípio da razoabilidade, mas vamos começar a procurar a resposta no art. 5º, inciso X:

         Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
       
[...]

        X -
são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Em seguida, no inciso XII, há uma especificação da proteção a esse direito e uma autorização para a restrição ao direito à intimidade:

        XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;  

Notem a palavra "salvo" na redação. Autorização judicial para a finalidade de investigação criminal ou instrução processual penal.

Portanto, a CPI não pode determinar grampos, a não ser que peça ao juiz. Nas outras violações da intimidade, não há a especificação sobre a ordem judicial. Quebrar sigilo telefônico (ou seja, tomar o extrato das ligações) pode ser feito por outras autoridades, como a Receita Federal. Já a quebra o sigilo da comunicação telefônica só poderá ser feita com autorização do juiz. José Gomes Canotilho chama isso de atos submetidos à reserva de jurisdição. E mesmo assim, sendo um juiz, ele só pode determinar para a investigação criminal, nunca para outros fins, como no caso de haver uma ex-mulher buscando provas de que a situação financeira do sujeito está melhorando para então pleitear uma atualização da pensão alimentícia.

Agora veja: a investigação da CPI tem uma natureza distinta da investigação penal. Qual é essa natureza? Política! Qual é mesmo o produto da CPI? Um relatório, e só. Quem instaurará o processo penal? O Ministério Público, não a CPI. Somente nessa hora que se pode determinar a escuta, se o Ministério Público e o juiz acharem que devem. Por isso, não pode a CPI nem pedir ao juiz autorização para plantar grampos enquanto os trabalhos ainda estiverem em andamento por causa dessa natureza não-criminal da investigação da CPI.

Suponhamos agora que haja um procedimento, um processo penal instaurado. Nesse processo penal, o juiz determinou a escuta telefônica. Isso de fato aconteceu na operação Furacão, em que se investigavam ministros do STJ pela prática do crime de concussão (art. 316 do CP), em que  eles estavam exigindo vantagens para expedir liminares autorizando o funcionamento de máquinas caça-níqueis e casas de bingo. Pode a CPI pedir emprestados os produtos da investigação policial? Aí sim! Desde que sejam coisas relacionadas ao mesmíssimo assunto.

Processo administrativo contra o ministro afastado do STJ Paulo Medina: pode o Conselho Nacional de Justiça, o CNJ, se valer das provas obtidas no processo penal para punir o membro do judiciário? O Supremo entendeu que sim.

Durante essa exposição, já tocamos em vários limites da CPI. Ela é limitada pela reserva de jurisdição, limitação do fato determinado, silêncio do investigado, e por ter que se ater a fatos de interesse público, nunca para questões privadas, a não ser que haja contratos de empresas privadas com o poder público.

E a razoabilidade? A CPI tem os poderes de investigação, ou, como diz a Constituição, “de investigação próprios das autoridades judiciais” (lembrem-se do erro). São eles os poderes de produzir provas, como, por exemplo, quando os juízes determinam a produção de prova, como determinar que os dados bancários de alguém devem ser abertos no âmbito daquele processo penal. Isso é uma invasão de privacidade, uma restrição aos direitos fundamentais? Sim, a Constituição inclusive permite restrições aos direitos fundamentais. O juiz, quando determinar isso, pode parar por aí, ou seja, simplesmente dizer: “determino a quebra do sigilo telefônico do sujeito ou autorizo a instalação de uma escuta telefônica no aparelho daquele sujeito”? Não. Ele deverá, da mesma forma que nas sentenças penais condenatórias, fundamentar. É o que diz o art. 93 da Constituição, inciso IX.

        Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

[...]

       IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;

Se o juiz não fundamentar, esse ato estará sujeito a pena de nulidade. Não importa qual é o tipo de decisão; o juiz deve sempre dizer onde está a razão pela qual ele acha que é necessária uma constrição da liberdade individual. Por isso, ele deve demonstrar a razoabilidade. O que deve preponderar, o interesse público ou o direito individual? Lembrem-se que nenhum dos dois têm preponderância absoluta.

Se o juiz, que naturalmente tem esse poder, tem que fundamentar suas decisões, então a CPI também deverá fundamentar! Não adianta ela simplesmente determinar a quebra do sigilo bancário de alguém; vários e vários mandados de segurança já foram concedidos pelo Supremo em favor de pessoas que tiveram a quebra de seu sigilo deferida pela CPI sem fundamentação. Como um caso em que treze instituições de previdência privada tiveram seus sigilos quebrados sem a mínima fundamentação; uma delas ajuizou um mandado de segurança junto ao STF, que prontamente concedeu.

Uma questão interessante sobre CPIs: uma CPI instalada no Congresso Nacional, que é o Poder Legislativo da União, pode investigar um fato no âmbito de Alagoas? Essa pergunta é sobre que assunto? Federação e princípio federativo. Os entes federativos gozam de autonomia. Então quem deverá fazer a CPI? A Assembléia Legislativa do Estado de Alagoas. Notem, portanto, que não pode se tratar de uma questão restrita ao estado de AL, a não ser que a investigação se inicie em torno do fato determinado em seu requerimento de abertura e, posteriormente, se descubram ramificações do objeto de investigação dentro do estado de Alagoas.

E se a investigação descobrir fatos muito maiores? Pode a CPI, mesmo com seu fato determinado, investigar as novas coisas? Sim, desde que haja um aditamento ao requerimento.
 

Comissão representativa do Congresso Nacional

O maior período de trabalho do Congresso Nacional é a legislatura, com duração de quatro anos. Ela é dividida em quatro sessões legislativas ordinárias, que começam no dia 2 de fevereiro, são interrompidas no dia 17 de julho, retomadas no dia 1º de agosto e encerradas no dia 22 de dezembro. Fora desses períodos, o Congresso está no que chamamos de recesso parlamentar. Isso significa o prédio fecha as portas e a democracia deixa de funcionar? Negativo. Mesmo que o Congresso não esteja em sessão legislativa extraordinária, haverá um grupo de trabalho que permanece em atividade fora do período da sessão legislativa ordinária. É a comissão representativa do Congresso Nacional.

Prevista na Constituição, ela funciona nos períodos de recesso do Congresso Nacional, formada um dia antes do início do recesso por eleição das casas, para que o Congresso mantenha sua vida, sua existência. Deve-se manter acesa a chama da representação democrática. A comissão representativa autoriza, por exemplo, a viagem do Presidente da República caso seja necessário que ele se ausente do país por mais de 15 dias durante o recesso parlamentar.

Art. 58 § 4º.

Seção VII
DAS COMISSÕES

        Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação.

[...]

        § 4º - Durante o recesso, haverá uma Comissão representativa do Congresso Nacional, eleita por suas Casas na última sessão ordinária do período legislativo, com atribuições definidas no regimento comum, cuja composição reproduzirá, quanto possível, a proporcionalidade da representação partidária.

Avisos da professora:

  1. Próxima aula: processo legislativo.
  2. Leiam os artigos. 70 e seguintes, que tratam do TCU.
  3. Que não reste dúvida sobre a estrutura do Poder Legislativo brasileiro, composição do Congresso Nacional, órgãos internos, comissões parlamentares e seus poderes e funções.