Direito Constitucional

sexta-feira, 13 de março de 2009

Processo Legislativo



Introdução

Vamos começar hoje o estudo do Processo Legislativo. Quando falamos em processo, o que vem à nossa mente? Procedimento pelo qual as leis são elaboradas. O procedimento é composto de que? Etapas. Certo, e o que há nelas? Debates. O debate é um dos atos do Processo Legislativo. Outro ato é a votação. Outros são a sanção, veto, emendas... Então o que é o Processo Legislativo? É um conjunto, uma seqüência de atos coordenados que visam à elaboração das leis. Por esses atos serem coordenados, em que se pratica um, subseqüentemente outro, em que o próximo pressupõe o anterior, temos a idéia clara de que se trata de um processo, até pelo caráter seqüencial. O fim desse processo é a lei criada.

Quando falamos em Processo Legislativo, é importante ter em mente que o procedimento de elaboração das leis é algo de importância capital, e não são coisas secundárias. Leis são o que nos obrigam a fazer ou deixar de fazer algo. Portanto, dar importância secundária ao Processo Legislativo é, no mínimo, uma falta de prudência. Não se tem liberdade se a lei nos impõe sanções. Na verdade temos a liberdade de agir mesmo contra a lei, inclusive de optar por sermos punidos. E a consequência de qualquer de nossos atos também deve ser determinada por algo, que é a lei. Por isso a elaboração das leis é algo de vital importância em qualquer Estado. Mesmo nos estados autoritários. No Estado Democrático de Direito, o processo de elaboração das leis pressupõe a participação de representantes do povo. Então, escolhemos pessoas que estão mais ou menos de acordo com nossas idéias e votamos nela, pois achamos que, ao chegar para ela algum Projeto de Lei que seja contrário ao que você pensa, ela deve votar contra, em tese. Em compensação, se a maioria achar que aquele projeto é bom, você fica como minoria, e ficará obrigado a fazer ou deixar de fazer algo em virtude daquela lei sim.As deliberações têm que ser tomadas por maioria. Assim, a produção das leis é a produção das regras que nos forçam a fazer ou deixar de fazer determinadas coisas. E quando a Constituição estabelece, no art. 5º inciso II, a Lei está sendo empregada em sentido amplo, pois não se tratam apenas de Leis Ordinárias e Leis Complementares:

         Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

        [...]

        II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

Quais são as espécies normativas que nos obrigam a fazer ou deixar de fazer coisas? Estando a palavra “Lei” no inciso II sendo empregada em sentido amplo, o que esse amplo abrange? A resposta está no art. 59 da Constituição:

Seção VIII
DO PROCESSO LEGISLATIVO
Subseção I
Disposição Geral

        Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:

        I - emendas à Constituição;

        II - leis complementares;

        III - leis ordinárias;

        IV - leis delegadas;

        V - medidas provisórias;

        VI - decretos legislativos;

        VII - resoluções.

        Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis.

Tudo isso está abrangido pela Lei. São as chamadas espécies normativas primárias. Elas tiram seu fundamento de validade diretamente da Constituição. Se existem espécies normativas primárias e a conceituação delas advêm da retirada do fundamento de validade da Constituição, significa que há as secundárias. E quais seriam essas espécies normativas secundárias? Exatamente as derivadas dessas normas primárias previstas no art. 59. Por que estamos falando isso? Existem espécies normativas que vigoram com o nome de decretos, portarias, instruções... Essas nos obrigam a fazer ou deixar de fazer coisas? Não. Elas estão apenas regulamentando as leis, e, ao fazer isso, elas não podem ir além. Quem cria direitos e obrigações? A Lei (latu sensu) apenas. Essas espécies abaixo das leis apenas as regulamentarão. No que exorbitarem as leis, elas serão consideradas o que? Ilegais. No entanto, as listadas no art. 59, se contrariarem seu fundamento, estarão contrariando quem? A própria Constituição, diretamente. Daí são não ilegais, mas inconstitucionais. Há jurisprudência no Supremo no sentido de que só se pode questionar a constitucionalidade se a violação à Constituição for direta. Nesse caso, caberá ao STF julgar a ação de inconstitucionalidade. Se assim não fosse, a inconstitucionalidade teria que ser verificada de maneira indireta, por uma interposta lei, complicando o processo e multiplicando o número de ações. O órgão que determina a ilegalidade das espécies normativas não listadas no art. 59 é o Superior Tribunal de Justiça.

Logo, dizemos que somos obrigados a fazer ou deixar de fazer algo em virtude de qualquer espécie normativa elaborada segundo o processo legislativo constitucionalmente previsto.

É por meio dessas leis que teremos nossos direitos fundamentais restritos ou ampliados; então, na verdade, são regras muito importantes para a sociedade. Deve haver, portanto, um procedimento legítimo para serem elaboradas. Se houver vício nesse procedimento, essa lei é inconstitucional. Será inconstitucional na forma de elaboração. Será, portanto, uma inconstitucionalidade formal. Mesmo que o conteúdo seja maravilhoso, compatível com os princípios constitucionais e extremamente benéfico para o povo, a lei será integralmente inconstitucional. Ela vigorará até que alguém provoque o Supremo numa ADIN.

Observação: o Processo Legislativo compreende a formação das leis, que são exatamente a única coisa que nos forçará a fazer ou a deixar de fazer algo, nos termos do inciso II do art. 5º, transcrito acima. Lei em sentido amplo, lato. É o princípio da legalidade. Mas existe um princípio mais restrito dentro do princípio da legalidade. Diz que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo a não ser em função de lei especifica: é o princípio da reserva legal. Exemplo: art. 1º do Código Penal, replicado no inciso XXXIX do art. 5º da Constituição. 

        XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;

Graficamente, é a mesma palavra do inciso II, mas aqui a palavra “lei” está empregada em sentido estrito, qual seja, de Lei Ordinária. Não é possível pensar-se em crimes criados por Medida Provisória, apenas por Lei em sentido estrito. Quanto a tributos, Medidas Provisórias podem dispor sobre eles, mas a Constituição reserva para a lei complementar, como mostra o art. 146:

        Art. 146. Cabe à lei complementar:

        I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

        II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;

        III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

        [...]

        Art. 146-A. Lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo.

Art. 59, parágrafo único:

        Parágrafo único. Aprovados pelo Congresso Nacional, os planos serão implantados progressivamente nos dezoito meses seguintes.

A referida Lei Complementar é a LC nº 95/98.

A Constituição também diz: a magistratura terá um conjunto de direitos e deveres regulados por Lei Complementar.¹

        Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

        [...]

Vamos ver como cada uma dessas espécies do art. 59 são elaboradas. Quais são os atos, em que seqüência?

Essas espécies normativas vimos tratadas no art. 59:

As duas últimas: são tratadas neste artigo e em um ou outro, pontualmente. Ao longo do texto constitucional veremos normas como "resolução do Congresso Nacional disporá sobre isso" ou "o Decreto Legislativo do Congresso Nacional regulará as relações jurídicas decorrentes da Medida Provisória rejeitada." Fora isso a Constituição nada mais fala sobre tais espécies normativas; a palavra "resolução", por exemplo, só aparece 5 vezes em todo o texto. Como nada está falado, a única informação que temos é o quorum exigido para aprovação dessas espécies normativas.

A Lei Maior estabelece que, se o nosso Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional e se este se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, e ainda, se cada uma dessas casas é composta por representantes eleitos, então temos dois colegiados: um do povo, outro dos estados. Em colegiado, já vimos como as decisões são tomadas. Como é? Por votação. Então, decide-se uma determinada questão colocando-se em votação. A Constituição diz que essas votações terão que ser feitas a partir do quorum específico para cada assunto. Por exemplo: o constituinte, no art. 60, estabeleceu que a Constituição só será emendada se o Congresso Nacional reunir pelo menos 3/5 dos membros.

Além disso, o constituinte originário determinou que, para depor o Presidente da República por crime de responsabilidade, serão necessários 2/3 dos membros do Senado. Então a Constituição, conforme a espécie normativa ou assunto objeto da deliberação, fixou um quorum que o constituinte originário entendeu como justo para aprovar tais questões. Quando ele quis, ele escreveu expressamente: "este é o quorum". Quando ele deixa de dizer expressamente, caímos na regra do art. 47.

        Art. 47. Salvo disposição constitucional em contrário, as deliberações de cada Casa e de suas Comissões serão tomadas por maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros.

Essa é a regra geral. Notem o trecho "Salvo disposição constitucional em contrário [...]". Por esse artigo, identificamos dois quoruns: um necessário para instalar a sessão e um para se aprovar o que se discutiu. Quantos parlamentares têm de estar presentes para que se fale: “podemos começar.”? Maioria absoluta. Há o quorum de instalação e o quorum de deliberação. O de instalação deve conter a maioria absoluta, sempre referida ao número de membros, e não ao de presentes. Logo, a maioria absoluta tem sempre um número fixo, pois o número de membros é fixo. Portanto, se precisamos da maioria absoluta da Câmara dos Deputados presente para instalar uma sessão, quantos devem estar presentes? 257, que é igual à metade de 513 arredondada para cima, ou o primeiro número inteiro maior do que o decimal. Logo, esqueça aquela regrinha de "50% + 1", pois isso resultaria em um número não-inteiro de deputados, o que é uma impossibilidade.

É razoável que haja um quorum para instalação de uma sessão? Volte a visualizar aquela comissão de formatura que ilustramos outrora. O líder da comissão se dirige aos demais membros e diz: “hoje vamos deliberar sobre a escolha do paraninfo. E dois colegas nossos mandaram avisar que irão chegar atrasados ou faltarão.” Nisso, outros aderem ao “êxodo” dizendo “já que nem todos estarão aqui, vou me retirar também, e espero que discutamos isso num outro dia...” e sobram apenas cinco na sala em que discutiriam. Pode o assunto do paraninfo ir a votação? Não. Por quê? Porque deve haver o mínimo razoável de representatividade. Satisfeita a condição de estar presente a maioria dos membros, vemos o quorum de deliberação. Esse quorum variará de acordo com a espécie normativa. Se for uma Emenda Constitucional, ele será de 3/5.

Há dois tipos de quorum de deliberação: maioria simples e maioria qualificada. Esta maioria qualificada pode ser: maioria absoluta, 3/5, 2/3, etc, de acordo com a espécia normativa.

Presente a maioria absoluta dos membros, pode-se colocar a matéria em votação. E se se quiser colocar em votação uma Emenda Constitucional? Normalmente não colocarão para votação se o quorum estiver ameaçado. A maioria qualificada estará sempre expressa e variará de acordo com a espécie normativa. A maioria simples é a regra geral, que está no art. 47.

Se se tratar de uma espécie normativa que não tem um quorum qualificado, usar-se-á a regra geral, e dependerá do número de presentes, que será variável. No art. 47 vemos que as deliberações são feitas por maioria de votos. Notem que a Constituição ressalvou "salvo disposição constitucional em contrário", logo o Regimento Interno não pode dispor sobre isso, apenas a Constituição.

Note que tudo isso está no texto da Constituição; o que a professora faz é apenas dispor de forma didática. Pode consultar a Constituição na prova e não se preocupe com o aparente excesso de regras. Valham-se do índice também!

Como dito anteriormente, há duas espécies normativas que a Constituição dispõe de modo bem econômico, em que está previsto apenas o quorum, e na regra geral. São a resolução e o decreto legislativo, que são aprovados por maioria simples. Esta é a regra justamente porque nada está escrito mais especificamente sobre essas duas espécies normativas.

Outra coisa que sabemos é: em alguns pontos a própria Constituição fala: “Resolução do Congresso Nacional disporá sobre..." ou "Decreto Legislativo disporá sobre..."

Fora isso, não temos norma constitucional nenhuma. Mas, tradicionalmente, nos Regimentos Internos percebe-se que as matérias de competência privativa de cada uma das Casas isoladamente são tratadas por resoluções. Sendo assim, podemos concluir que há artigos da Constituição que contêm matérias que serão tratadas por resoluções. Vejam: competência privativa de cada uma das casas, isoladamente. Ou seja, Senado Federal sozinho ou Câmara dos Deputados sozinha. São matérias que serão tratadas de maneira unicameral. são os artigos 51 e 52. Note o caput desses artigos: “Compete privativamente...”

Seção III
DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

        Art. 51. Compete privativamente à Câmara dos Deputados:

        I - autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado;

        II - proceder à tomada de contas do Presidente da República, quando não apresentadas ao Congresso Nacional dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa;

        III - elaborar seu regimento interno;

        IV - dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias;

        V - eleger membros do Conselho da República, nos termos do art. 89, VII.

Seção IV
DO SENADO FEDERAL

        Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

[...]

        VI - fixar, por proposta do Presidente da República, limites globais para o montante da dívida consolidada da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

[...]


        XII - elaborar seu regimento interno;

[...]

Essa resolução do inciso I do art. 51 não cairá na regra geral pois está especificado o quorum. 

Inciso III do art. 51:

        III - elaborar seu regimento interno;

Viu como é lógico que seja uma resolução unicameral. Não teria sentido o Senado opinar sobre o Regimento Interno da Câmara e vice-versa.

Além disso, há incisos no art. 52 que denotam a função do Senado Federal como representante dos estados-membros da Federação. Exemplo é o inciso VI, transcrito no quadro acima. O Senado Federal fixa o limite da dívida dos estados-membros. Tudo isso é tomado por resolução.
 

Decreto Legislativo

O Decreto Legislativo é utilizado para tratar de matéria de competência privativa do Congresso Nacional, ou seja, assuntos que o Congresso Nacional tem que decidir com a participação tanto da Câmara quanto do Senado. Por isso o Decreto Legislativo é quase sempre bicameral. Qual a diferença, portanto, de Decreto Legislativo para Lei, já que ambos são feitos pelo Legislativo? O Decreto Legislativo não precisa de sanção do Presidente da República pois trata-se de coisa privativa do Poder Legislativo. Veja o art. 49, inciso V:

        Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

        [...]

        V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa;

Imagine se, para sustar um ato do presidente, fosse necessária a sanção dele mesmo? Não teria sentido.

Exercer a função de chefe de Estado: para que haja o compromisso exigível, é necessária a aprovação do parlamento. A assinatura é meramente declarativa de intenção, já que é necessário que os representantes do povo ratifiquem a decisão cuja vontade o chefe de Estado manifestou em encontro no estrangeiro.

Observação: em Direito Internacional vamos estudar alguns tratados que dependem apenas da assinatura, enquanto outros precisam da deliberação do parlamento. Compromisso internacional só é gerado pela ratificação de um tratado, e não de uma intenção declarada.


Próxima aula: Processo Legislativo da Lei Ordinária.

  1. Não exatamente com essas palavras.