Direito Constitucional

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Competência originária do Supremo Tribunal Federal - continuação



Na aula passada terminamos falando da competência originária do Supremo Tribunal Federal para HC. Estamos no art. 102, inciso I. Sublinhem, em suas Constituições, a expressão “processar e julgar originariamente”, tanto no artigo do Supremo Tribunal Federal quanto no do Superior Tribunal de Justiça (105). O inciso I fala das competências originárias de cada tribunal, enquanto o inciso II fala sobre a competência recursal ordinária e o inciso III da competência recursal extraordinária.

Então prestem atenção no tipo de competência. Estamos tratando da competência originária, aquela que se inicia no referido tribunal. Ao se falar em competência originária, fala-se em instância única. Isso, como já ouvimos, é muito claro no Supremo Tribunal Federal: uma ação que começa no STF vai depois para onde? Para lugar nenhum. Então a competência originária fica clara nesse ponto. Mas esse mesmo raciocínio é para ser feito com relação à competência originária de qualquer tribunal. Exceto em alguns casos, como nos dos remédios constitucionais, a competência originária de tribunal não tem recurso ordinariamente previsto. Recurso ordinário é o que revê a causa como um todo: alguém julgou, outro reverá, e reverá tudo: fatos, provas, e matéria de direito. Revê e dá outra decisão. Isso é ordinário. E nas competências originárias dos tribunais não existe recurso ordinariamente previsto, que possa rever a causa.

Exemplo: prefeitos. A Constituição diz que eles são julgados por crimes comuns no Tribunal de Justiça do estado. Digamos que o TJ o julgou e o condenou a 20 anos de pena privativa de liberdade. Existe possibilidade de ele apelar? Não, pois essa é a competência originária, e não existe recurso ordinário previsto. Os RESPs e REs não caberão aqui porque não são ordinariamente previstos. Se couberem, eles caberão para analisar se a decisão violou lei, ou se violou a Constituição, respectivamente. Só caberão nas hipóteses que a Constituição prevê nos incisos III dos artigos 105 e 102.

Governador: o mesmíssimo raciocínio: se o governador pratica um crime e o Superior Tribunal de Justiça, que é o tribunal competente para processá-lo e julgá-lo, o condena, ele poderá apelar para o Supremo Tribunal Federal? Não, porque não há recurso ordinário. Será que cabe RE? Difícil. Olhe as hipóteses do art. 102, inciso III. Se a decisão não cair num dos problemas ali relacionados, já era para o governador. Temos que ter essa visão: é mais comum que a decisão de tribunal seja correta ou incorreta? Veja bem: para ir ao STJ, o magistrado deve ter pelo menos 10 anos de experiência. Então, é freqüente ele contrariar a Constituição? Certamente não. Estatisticamente, o que é mais comum é obviamente não contrariar. Então, os recursos ali, em sua maioria, são incabíveis.

Essa idéia de recurso ordinário e extraordinário tem que estar em nossas cabeças. Se é competência originária, a instância é única, porque não cabe nenhum recurso ordinário.

Continuando a competência originária do Supremo Tribunal Federal: saltamos antes da alínea d para a i do inciso I do art. 102. Vamos ver agora a e.

        e) o litígio entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Território;

Mas não já vimos algo parecido com isto quando vimos há pouco as competências do STJ? O que é essa coisa e qual a diferença? Está nas partes, em um lado delas. Qual é a primeira hipótese de competência quando envolve Estado estrangeiro ou organismo internacional? É aquele em que do outro lado está um município ou outra pessoa natural. Quando essa for a causa, a competência para julgar é do juiz federal. A competência para rever é do STJ, em recurso ordinário. É como apelação, e o STJ figura como a segunda instância. Agora a causa é diferente: não é município ou pessoa natural do outro lado: é União, ou estado-membro, Distrito Federal ou território. A competência não mais é de juiz federal para julgar. Agora, como a competência é do Supremo Tribunal Federal, não caberá recurso.

Alínea f:

        f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta;

Essa competência do Supremo Tribunal Federal é a que ele exerce a função de tribunal da Federação. Aqui, ele julga conflitos entre os estados de Minas Gerais e Bahia, Tocantins e a União, e a União, INSS e Rio Grande do Sul, etc.; são conflitos federativos, que envolvam algum conteúdo de ameaça ao pacto federativo. Ou seja, suponhamos que MG está concedendo isenções fiscais ao ICMS para trazer mais empresas para seu território e ter desenvolvimento. Com isso, todas as empresas estão indo para lá, e os outros estados estão deixando de ter indústrias, portanto geração de empregos. É o que chamamos de guerra fiscal. Os estados têm que fazer um convênio para que não haja esse tipo de conflito. Então, suponhamos que um dos estados viole o convênio e estabeleça uma alíquota baixíssima. Existe uma disputa que tem a ver com o pacto federativo? Sim, porque os estados membros da Federação são tratados de maneira igual, e eles têm que ter essa igualdade. Todas as desigualdades praticadas legalmente o são visando a uma igualdade posterior. Como criar instrumentos de desenvolvimento econômico ou social, como a Zona Franca de Manaus. O objetivo é visar à igualdade. Mas a guerra fiscal não; quem decide conflitos entre estados da Federação? O Supremo Tribunal Federal, que é o tribunal da federação. Essa é informação é fundamental para a próxima matéria, que é organização da Federação.

Alínea g:

        g) a extradição solicitada por Estado estrangeiro;

Extradição: entrega de uma pessoa para outro Estado, mediante requerimento. Entrega sem requerimento é expulsão. Existem três medidas compulsórias de saída de um estrangeiro de um território nacional. Estão na Lei 6815/80. A primeira delas é a deportação, a segunda é a expulsão e a terceira é a extradição.

Imagine que um estrangeiro vem para o Brasil com visto de turista, que tem validade de 30 a 60 dias, mas amou o país e resolveu morar aqui. Já está aqui há dois anos, portanto irregular, e a polícia descobre isso. O que ela faz? Deportá-lo-á. A deportação é a retirada, a saída do estrangeiro do território nacional em razão de sua entrada ou estada irregular. Pode ser também na hipótese de ter entrado com documentos falsos, irregulares ou então mesmo entrou regularmente e o visto expirou. A deportação permite que o estrangeiro retorne depois. Ele volta para seu país, e se conseguir novo visto, poderá voltar.

Se ele veio para o Brasil e aqui está regularmente, com documentação em ordem. Ele resolve se engajar em movimentos políticos no Brasil, e se transforma em ativista violento? A lei 6815 diz que o estrangeiro não pode se envolver em atos políticos no Brasil, tanto que o estrangeiro no Brasil não tem direitos políticos aqui. Portanto se o estrangeiro se tornou inconveniente para o Brasil, ele é expulso. E não volta mais, a não ser que seja permitido. O Ministro da justiça ou o Presidente da República assina o ato de expulsão.

Extradição: é o único ato que o Judiciário se envolve. O Executivo entrega o sujeito, mas apenas com a chancela do Judiciário. Então, há processo judicial. Por que isso? Porque tanto na deportação quanto na expulsão a pessoa que sairá daqui sairá livre, não importa para onde vai. Na extradição não, pois esta é uma medida que visa evitar impunidade de estrangeiro que cometeu crime em algum outro país que quer se refugiar aqui. Já aconteceu na Argentina, que foi o local escolhido por Adolf Eichmann, nazista peça chave no holocausto, para ser seu porto seguro; ele foi abduzido pelo Mossad de Israel em 1960, vindo a ser enforcado em maio de 1962. Somente bem depois que a Argentina ficou sabendo da operação, o que causou um desagradável choque diplomático entre os dois países.

Então, em analisa o pedido de extradição? O Executivo. O Supremo Tribunal Federal, depois analisa, para ver se todos os requisitos para a extradição, como ser crime nos dois países. O crime não pode ter prescrito em nenhum dos dois países. Crime praticado por brasileiro nato não permite extradição. ¹ Uma vez autorizada pelo Supremo Tribunal Federal, o Presidente da República entrega o sujeito nas mãos das autoridades que estão requerendo. Por isso deve haver o devido processo legal. 

Alínea h foi revogada, a i já vimos, então vamos para a j:

        j) a revisão criminal e a ação rescisória de seus julgados;

A revisão criminal e ação rescisória são ações para rever o que já transitou em julgado. Não cabe mais revisão, portanto. Exceto nas hipóteses em que a lei permite. Quando que ela permite, no âmbito cível? Até dois anos depois do trânsito em julgado, em raras hipóteses. No caso da revisão criminal, suponha que a decisão do Supremo Tribunal Federal transitou e, depois, descobre-se uma prova à qual não se tinha acesso à época do julgamento, que inocentaria o sujeito. No âmbito penal, não há limitação de prazo para revisão. Somente no âmbito do cível, por motivos óbvios: o bem jurídico envolvido.

Alínea l:

        l) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;

Se alguém descumpre uma decisão do Supremo Tribunal Federal ou julga uma causa que era de competência dele, o instrumento adequado chama-se reclamação. Foi usada recentemente pelo advogado de Daniel Dantas (RCL 8173). 

Alínea m:

        m) a execução de sentença nas causas de sua competência originária, facultada a delegação de atribuições para a prática de atos processuais;

Para todas essas causas que vimos, como entre União e estados, o Supremo Tribunal Federal pode ter dito que “o estado deve pagar tantos milhões para a União.” Essa é a decisão para uma ação cível originaria com base na alínea f. Isso é a decisão. A outra coisa é a execução dessa decisão. Quem determinará essa execução, como a competência é originária, é o próprio Supremo. Raposa Serra do Sol: foi julgada com base na alínea f. Conflito entre União, com terras ocupadas por índios, ou do estado de Roraima. A decisão nesse caso é do tribunal da federação, que é o Supremo Tribunal Federal.

Alínea n:

        n) a ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados, e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados;

Quando acontece uma causa em que haja interesse da magistratura em geral, com todos os juízes com interesse em determinado sentido, o único tribunal imparcial será o Supremo Tribunal Federal.

Alínea o:

        o) os conflitos de competência entre o Superior Tribunal de Justiça e quaisquer tribunais, entre Tribunais Superiores, ou entre estes e qualquer outro tribunal;

É aquela lógica do conflito de competência que vimos no sábado. O tribunal que estiver acima dos envolvidos é que será o tribunal competente para decidir o conflito. No caso da competência do Supremo Tribunal Federal, se estiver envolvido um tribunal superior, o STF decidirá independente de quem esteja no outro pólo.

Alínea p:

        p) o pedido de medida cautelar das ações diretas de inconstitucionalidade;

Lógico, pois se o Supremo Tribunal Federal é o único competente para julgar ações diretas, é ele que deverá ter esta competência. Veremos controle de constitucionalidade já, já.

Alínea q:

        q) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal;

Mandado de injunção. Como saberemos de quem será a competência para julgar o mandado de injunção, em geral? Temos que saber quem é o competente para elaborar a norma regulamentadora. Se for um desses aí da alínea, será o Supremo Tribunal Federal o competente.

Alínea r:

        r) as ações contra o Conselho Nacional de Justiça e contra o Conselho Nacional do Ministério Público; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

Esses dois órgãos, de controle do poder Judiciário e do Ministério Público, controlarão o Poder Judiciário na prática dos atos em geral. Mas quem controla o Conselho Nacional de Justiça? A ação terá que ser proposta contra o Conselho Nacional de Justiça perante o Supremo Tribunal Federal. Por quê? Inciso XXXV, princípio da indeclinabilidade. do art. 5º. O competente para apreciar essa ação é o próprio Supremo Tribunal Federal. 


Controle de constitucionalidade na próxima aula.

  1. Houve aqui uma ressalva sobre o crime de tráfico, mas não captei precisamente.